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Burocracia e forte demanda seguram exportação chinesa de insumos para vacinas e podem atrasar cronograma no Brasil

China é fornecedora de insumos para a produção da vacina de Oxford e da CoronaVac (foto) - ADRIANA TOFFETTI/ESTADÃO CONTEÚDO
China é fornecedora de insumos para a produção da vacina de Oxford e da CoronaVac (foto) Imagem: ADRIANA TOFFETTI/ESTADÃO CONTEÚDO

Por Lisandra Paraguassu

19/01/2021 14h14

BRASÍLIA (Reuters) - Uma soma de questões burocráticas e necessidade de suprir seu próprio mercado com vacinas estaria segurando a liberação pela China dos insumos para a fabricação das vacinas AstraZeneca e CoronaVac, o que pode levar a um atraso no cronograma de produção e distribuição no Brasil, disseram fontes ouvidas pela Reuters.

O governo brasileiro trabalha nos bastidores para tentar liberar o material, mas até agora não conseguiu uma previsão de liberação. Parte dos insumos, para a produção da vacina da AstraZeneca, deveria ter chegado ao Brasil no início de janeiro.

"É uma situação nova, tem um problema burocrático. Eles (chineses) ainda estão definindo os procedimentos, isso demora", disse à Reuters uma fonte brasileira a par das negociações. "Também há uma escassez relativa de insumos."

Do lado chinês, uma fonte familiar com as decisões governamentais confirmou que os carregamentos estão provavelmente sendo retidas à espera das permissões necessárias para exportação de produtos biomédicos, e não está claro quanto tempo deve levar ainda a liberação.

"O lado chinês está fazendo seu dever de casa, mas a burocracia tem muita força. É um problema extremamente importante, um problema prático. Materiais de saúde exigem autorizações, cada lado tem uma lista de exigências, então não é tão rápido", disse essa fonte.

Uma das maiores produtoras de insumos do mundo, junto com a Índia, a China é responsável por 35% do material usado no Brasil para vacinas, de acordo com dados da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

No entanto, no caso da CoronaVac, desenvolvida pela chinesa Sinovac, e da vacina da AstraZeneca, desenvolvida em parceira com a Universidade de Oxford, todo o material vem do país asiático.

Ao mesmo tempo que produz o material para boa parte do mundo, a China precisa vacinar sua própria população. Até agora, apenas cerca de 10 milhões de pessoas de um total de 1,4 bilhão de habitantes foram imunizadas. Apesar de perder apenas para os Estados Unidos no número de vacinas aplicadas, o número representa apenas 0,7% da população.

Embora tenha controlado a epidemia que começou no país, a China tem visto surgir surtos esporádicos nas últimas semanas. A China registrou mais de cem novos casos de covid-19 pelo sétimo dia na terça-feira e dezenas de milhões de pessoas estão em lockdown para tentar conter um novo espalhamento do vírus.

A dificuldade de liberação dos insumos da CoronaVac e da AstraZeneca não é direcionada apenas ao Brasil, disse a fonte brasileira ouvida pela Reuters, apesar das dificuldades de relacionamento entre Brasil e China, aumentadas recentemente pela intenção inicial do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de bloquear a chinesa Huawei de participar no fornecimento de equipamentos 5G no país.

"Não é direcionado a nós", disse a fonte.

Outros países, como o Reino Unido, também registraram dificuldades de ter um fluxo constante no recebimento de doses. Lá, a AstraZeneca planejava entregar ao governo 2 milhões de doses por semana a partir do final deste mês, mas o cronograma foi atrasado e agora a previsão é meados de fevereiro.

O contrato da Sinovac com o Butantan prevê a entrega de insumos para produção de 46 milhões de doses da vacina até abril. Parte dessa produção já foi feita, mas para o total ser atingido é preciso que mais insumos cheguem da China. Esse material, no entanto, ainda está naquele país e a autorização ainda não saiu.

Na segunda-feira, o presidente do Butantan, Dimas Covas, admitiu que o atraso preocupa e pode atrasar o cronograma de entregas para o Ministério da Saúde.

Já o contrato com a Fiocruz prevê a aquisição de insumos para a produção de 100,4 milhões de doses até o meio do ano, antes de a fundação começar a produzir os insumos por conta própria. O primeiro lote para envase deveria ter chegado no início de janeiro, mas atrasou e a previsão é para o final deste mês.

Diante do atraso, o governo negocia a importação de 2 milhões doses prontas da vacina da AstraZeneca produzidas na Índia, que até a segunda-feira não tinha uma data definida para liberação.

Uma segunda fonte do lado brasileiro ouvida pela Reuters afirmou que as negociações estão avançadas e o material vindo da China deve ser liberado "em breve". Não há, no entanto, uma previsão.

Já com a Índia, o governo brasileiro tenta acelerar o prazo de entrega.

No momento, o Brasil tem os 6 milhões de doses da CoronaVac que começaram a ser distribuídas na segunda-feira e outros 4,8 milhões envasadas pelo Butantan. Sem a chegada de novos insumos ou doses prontas, o governo terá dificuldades de manter o cronograma de vacinação previsto inicialmente.

Os contratos, tanto com o Instituto Butantan quanto com a Fundação Oswaldo Cruz, preveem desde o início a entrega do insumo farmacêutico ativo (IFA), o princípio ativo das vacinas, para ser diluído e envasado no Brasil. Isso até que a transferência de tecnologia esteja completa e as instituições possam produzir toda a vacina no país.

(Reportagem adicional de Jake Spring)