Zanabad, a colina das mulheres, é o refúgio das viúvas de Cabul
Cabul, 23 Jun 2017 (AFP) - A primeira se instalou no final dos anos 90. Para fugir da desonra e da violência contra as mulheres que perderam o marido, as viúvas afegãs criaram uma comunidade à parte da sociedade em uma colina de Cabul.
Com o tempo a cidade se expandiu, alcançando o cume pedregoso da colina situada 15 km a sudeste da capital, e transformando-a em um subúrbio distante. Porém, para os vizinhos, continua sendo "Zanabad", a cidade das mulheres.
A dirigente administrativa de Zanabad, Bibi ul Zuqia, mais conhecida como "Bibikoh", morreu em março de 2016. Sua filha mais velha, Anisa Azimi, 38 anos, assumiu o cargo desde o falecimento. Vive com seu marido na casa que era de sua mãe, uma das primeiras a se chegar ao atravessar uma rua cheia de buracos.
"Minha mãe chegou aqui conosco (cinco filhos) em 2002", diz Anisa, sentada em algumas almofadas, e rodeada por várias crianças. Até então, Anisa era uma moça de 20 anos, solteira, e sem perspectivas de futuro.
Seu pai morreu em consequência dos ferimentos causados por um foguete, e sua mãe casou-se novamente com um cunhado, morto por sua vez por causa de uma doença.
Para sobreviver, sua mãe lavava a roupa dos outros. "Alugar uma casa era muito caro. Aqui a terra era livre", explicou.
As viúvas chegaram com seus pertences e seu luto, ninguém lembra-se ao certo quando.
- 'Seguro e barato' -"Elas estimulavam outras viúvas a virem", conta Anisa. "A ideia era reunir-se em um local seguro e barato". E dentro de suas possibilidades, uma vez que no Afeganistão muitos se negam a alugar residências para viúvas, por possuírem fama de não ter dinheiro e por algumas não serem considerado "um exemplo de vida".
Um posto militar vigia a colina. "É bom para nos proteger", explica Anisa. Os talibãs não estão tão distantes.
À noite, as mulheres construíam escondido suas casas de argila, umas ajudando as outras. Durante o dia, a polícia ordenava que fossem derrubadas.
"Minha mãe reconstruiu nossa casa oito vezes", relembra Anisa, que agora é também policial. "Acabou tendo que dar algum dinheiro para eles, para que a deixassem em paz".
Bibikoh organizou cursos de alfabetização, oficinas de costura e distribuição de mantimentos com o apoio de uma ONG, segundo informações da pesquisadora Naheed Esar, especialista em Zanabad.
- 2,5 milhões de viúvas -Essa comunidade feminina é um diferencial no Afeganistão, onde as mulheres são propriedade do pai, e mais tarde do marido.
As viúvas estão expostas à violência, expulsão, exílio e até mesmo casamentos forçados com cunhados, afirma a Missão da ONU para o Afeganistão em estudo publicado em 2014.
Em 2006, a ONU estimou que três décadas de guerras deixaram dois milhões de viúvas no Afeganistão. Atualmente há aproximadamente 2,5 milhões.
As consequências socioeconômicas das viúvas são péssimas. Como viviam enclausuradas em casa e seu nível escolar é baixo ou nulo, o panorama para elas é sombrio. Como auxílio, o governo concede uma ajuda de 150 dólares ao ano para as que perderam seus maridos.
Sobrevivem fazendo serviços de limpeza, costura, ou até mesmo enviando seus filhos para pedir esmolas.
"No Afeganistão é do homem a responsabilidade de sustentar as mulheres, por isso para elas é muito difícil perder esse apoio", ressalta a porta-voz do ministério das Mulheres, Kobra Rezai.
Em 2008, foi aprovado um projeto que prevê a ajuda as mulheres pobres, mas nunca foi posto em prática, lamenta a funcionária.
Alguns programas não-governamentais lutam pela autonomia dessas mulheres.
- Miséria e solidariedade -Diante do antigo palácio real de Cabul, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) criou uma pequena cooperativa em que dezenas de mulheres muito pobres aprenderam a lavrar a terra. Nela, 80% são viúvas.
Compartilham um destino cruel. Marghooba Jafary ficou viúva aos 35 anos, e com quatro filhos; teve que casar sua filha de 13 anos com um homem de mais de 40 anos, que logo a abandonou para não ter que alimentá-la.
Ela chora ao contar a sua história. As outras também. Todas estão deprimidas e sem niguém para desabafar.
Dezesseis anos após a queda do regime dos talibãs, a guerra gera cada vez mais luto entre as famílias.
Zanabad já chegou a ter 500 viúvas. Anisa tenta manter a lista atualizada, porém vê a todo momento chegarem famílias deslocadas em busca de refúgio nos arredores de Cabul. "Há guerra por todas as partes, então as pessoas vem".
Nawzi Fakiri, viúva desde de Baba Karmal - o ex-presidente pró-soviético no poder de 1979 a 1986 - acolhe a uma mãe, Nuria, e aos seus cinco filhos, um deles deficiente. Vieram de Kunduz, ao norte.
As duas mulheres dividem um quarto com janelas fechadas por plástico. Em troca, Nuria cuida de Nawzi, que está quase cega por causa da catarata.
ach/cnp/ak/erl/ra/bn/
Com o tempo a cidade se expandiu, alcançando o cume pedregoso da colina situada 15 km a sudeste da capital, e transformando-a em um subúrbio distante. Porém, para os vizinhos, continua sendo "Zanabad", a cidade das mulheres.
A dirigente administrativa de Zanabad, Bibi ul Zuqia, mais conhecida como "Bibikoh", morreu em março de 2016. Sua filha mais velha, Anisa Azimi, 38 anos, assumiu o cargo desde o falecimento. Vive com seu marido na casa que era de sua mãe, uma das primeiras a se chegar ao atravessar uma rua cheia de buracos.
"Minha mãe chegou aqui conosco (cinco filhos) em 2002", diz Anisa, sentada em algumas almofadas, e rodeada por várias crianças. Até então, Anisa era uma moça de 20 anos, solteira, e sem perspectivas de futuro.
Seu pai morreu em consequência dos ferimentos causados por um foguete, e sua mãe casou-se novamente com um cunhado, morto por sua vez por causa de uma doença.
Para sobreviver, sua mãe lavava a roupa dos outros. "Alugar uma casa era muito caro. Aqui a terra era livre", explicou.
As viúvas chegaram com seus pertences e seu luto, ninguém lembra-se ao certo quando.
- 'Seguro e barato' -"Elas estimulavam outras viúvas a virem", conta Anisa. "A ideia era reunir-se em um local seguro e barato". E dentro de suas possibilidades, uma vez que no Afeganistão muitos se negam a alugar residências para viúvas, por possuírem fama de não ter dinheiro e por algumas não serem considerado "um exemplo de vida".
Um posto militar vigia a colina. "É bom para nos proteger", explica Anisa. Os talibãs não estão tão distantes.
À noite, as mulheres construíam escondido suas casas de argila, umas ajudando as outras. Durante o dia, a polícia ordenava que fossem derrubadas.
"Minha mãe reconstruiu nossa casa oito vezes", relembra Anisa, que agora é também policial. "Acabou tendo que dar algum dinheiro para eles, para que a deixassem em paz".
Bibikoh organizou cursos de alfabetização, oficinas de costura e distribuição de mantimentos com o apoio de uma ONG, segundo informações da pesquisadora Naheed Esar, especialista em Zanabad.
- 2,5 milhões de viúvas -Essa comunidade feminina é um diferencial no Afeganistão, onde as mulheres são propriedade do pai, e mais tarde do marido.
As viúvas estão expostas à violência, expulsão, exílio e até mesmo casamentos forçados com cunhados, afirma a Missão da ONU para o Afeganistão em estudo publicado em 2014.
Em 2006, a ONU estimou que três décadas de guerras deixaram dois milhões de viúvas no Afeganistão. Atualmente há aproximadamente 2,5 milhões.
As consequências socioeconômicas das viúvas são péssimas. Como viviam enclausuradas em casa e seu nível escolar é baixo ou nulo, o panorama para elas é sombrio. Como auxílio, o governo concede uma ajuda de 150 dólares ao ano para as que perderam seus maridos.
Sobrevivem fazendo serviços de limpeza, costura, ou até mesmo enviando seus filhos para pedir esmolas.
"No Afeganistão é do homem a responsabilidade de sustentar as mulheres, por isso para elas é muito difícil perder esse apoio", ressalta a porta-voz do ministério das Mulheres, Kobra Rezai.
Em 2008, foi aprovado um projeto que prevê a ajuda as mulheres pobres, mas nunca foi posto em prática, lamenta a funcionária.
Alguns programas não-governamentais lutam pela autonomia dessas mulheres.
- Miséria e solidariedade -Diante do antigo palácio real de Cabul, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) criou uma pequena cooperativa em que dezenas de mulheres muito pobres aprenderam a lavrar a terra. Nela, 80% são viúvas.
Compartilham um destino cruel. Marghooba Jafary ficou viúva aos 35 anos, e com quatro filhos; teve que casar sua filha de 13 anos com um homem de mais de 40 anos, que logo a abandonou para não ter que alimentá-la.
Ela chora ao contar a sua história. As outras também. Todas estão deprimidas e sem niguém para desabafar.
Dezesseis anos após a queda do regime dos talibãs, a guerra gera cada vez mais luto entre as famílias.
Zanabad já chegou a ter 500 viúvas. Anisa tenta manter a lista atualizada, porém vê a todo momento chegarem famílias deslocadas em busca de refúgio nos arredores de Cabul. "Há guerra por todas as partes, então as pessoas vem".
Nawzi Fakiri, viúva desde de Baba Karmal - o ex-presidente pró-soviético no poder de 1979 a 1986 - acolhe a uma mãe, Nuria, e aos seus cinco filhos, um deles deficiente. Vieram de Kunduz, ao norte.
As duas mulheres dividem um quarto com janelas fechadas por plástico. Em troca, Nuria cuida de Nawzi, que está quase cega por causa da catarata.
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