Topo

Manifestantes e emissora censurada são liberados na Nicarágua

24/04/2018 19h29

Manágua, 24 Abr 2018 (AFP) -









Autoridades da Nicarágua libertaram, nesta terça-feira (24), dezenas de jovens presos nos protestos da última semana, além de terem retirado o bloqueio à transmissão de uma última emissora censurada, informaram fontes de direitos humanos.

Contudo, a libertação dos presos aconteceu de forma preocupante. "Eles foram deixados na estrada (...) de forma abusiva à dignidade dos detidos e familiares", disse à AFP Gonzalo Carrión, vice-diretor do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh).

Os protestos, com saques e violentos choques entre manifestantes e polícia, deixaram pelo menos 27 mortos, segundo o Cenidh e o governo.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos pediu que "as autoridades nicaraguenses assegurem que haja investigações em breve, profundas, independentes e transparentes sobre essas mortes".

Dezenas de manifestantes tinham sido presos desde o início dos protestos, na quarta-feira passada, contra a reforma do sistema previdenciário, um decreto finalmente revogado pelo presidente Daniel Ortega no domingo, embora o clima de tensão tenha permanecido.

A vice-presidente Rosario Murillo anunciou na segunda que o governo tinha aceitado libertar os jovens presos a pedido do arcebispo de Manágua, o cardeal Leopoldo Brenes, a fim de criar um clima propício ao diálogo, para buscar uma saída à turbulência no país.

As autoridades do sistema penitenciário "não querem reconhecer a quantidade de detidos, mas os que foram libertados afirmam que são centenas de presos em celas lotadas", apontou Carrión.

O governo de Donald Trump considerou "repugnante" a violência política desatada, em particular contra estudantes universitários, que atribuiu a "valentões pró-governamentais".

"Os Estados Unidos condenam a violência e a repressão propagadas pelo governo da Nicarágua e o fechamento de meios de comunicação", anunciou a Casa Branca em comunicado.

"A administração se une à comunidade internacional nos chamados a um diálogo amplo e no apoio ao povo da Nicarágua, que almeja a liberdade de expressão política e as verdadeiras reformas democráticas que tanto merece", acrescentou.

A Comissão Interamericana dos Direitos Humanos lamentou as mortes durante a repressão aos protestos e pediu ao governo de Daniel Ortega que investigue "de forma rápida e exaustiva" a resposta da força pública às manifestações e aplique as sanções correspondentes.

- Canal retoma transmissão -Em outro sinal de distensão, a emissora privada 100% Noticias voltou a transmitir por seu sinal a cabo, após ser bloqueada pelas autoridades no começo das manifestações, quando transmitia os protestos ao vivo.

Quatro canais foram bloqueados, mas três deles recuperaram o sinal em menos de 24 horas.











Jaime Suárez, diretor de um dos veículos bloqueados, o Canal 23, comentou com a AFP que o bloqueio teve efeitos além do tempo fora do ar.

"Os anunciantes começaram a nos ver com receio, acham que se somos uma empresa que tem problemas com o governo, melhor não terem relação conosco", comentou.

Analistas consideram que a crise vivida na Nicarágua expôs a discordância com as tendências autoritárias do governo de Ortega e a necessidade de abrir espaços democráticos.

"As pessoas querem democracia, liberdade, eleições livres, um governo transparente, separação de poderes, Estado de direito, nós queremos liberdade", declarou o ex-chanceler nicaraguense Norman Caldera à AFP.

- Ortega e Somoza, iguais -Os nicaraguenses parecem fartos depois das manobras de Ortega para conseguir sua reeleição em 2011 e em 2016, e concentrar o poder, controlar o Congresso, assim como a Justiça e o Tribunal Eleitoral.

"Daniel e Somoza são a mesma coisa", afirmavam alguns cartazes na marcha de segunda. O regime de Anastasio Somoza, cuja família governou a Nicarágua com mão de ferro, foi derrubado pela revolução sandinista em 1979.

"Fora Ortega e Murillo", também gritavam os manifestantes para exigir a saída do presidente e de sua mulher e vice-presidente, Rosario Murillo.

Porta-voz do governo, Rosario Murillo tentou acalmar os ânimos com frases como "temos a fé de sairmos unidos, que somos capazes de voltar a nos entender como nos tempos difíceis e retomar as formas de reconciliação".

- Menosprezo -Os manifestantes se apoiaram nas redes sociais para fazer convocações, denunciar e publicar vídeos sobre a forma como seus companheiros tinham sido mortos, ou feridos, o que despertou uma indignação nacional. Isso lançou um desafio aos esforços do governo para controlar a informação em seus veículos de comunicação.

O ex-chanceler Caldera considerou que o primeiro passo para resolver a crise é abrir um diálogo inclusivo.

A Assembleia Nacional aprovou nesta terça, por unanimidade, um "chamado ao diálogo e à paz", disse o deputado oficialista Carlos López, enquanto ativistas exibiam cartazes em frente à sede legislativa.











O governo "deve se abrir à discussão dos mais básicos valores da democracia, a institucionalidade, o Estado de Direito e os direitos humanos", pediu Serrano.

Ortega convocou no sábado o setor privado a um diálogo, mas o poderoso Conselho Superior da Empresa Privada (Cosep) - que era seu aliado desde 2007, até o despertar dessa crise - condicionou o encontro ao fim da repressão, à libertação dos detidos nos protestos e à inclusão de todos os setores da sociedade.

Já o bispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, afirmou que não existem condições para um diálogo e pediu que se detenha "a repressão, que os jovens presos sejam libertados, que se retome a transmissão do Canal 100% Noticias".