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Relação AMLO-Trump: choque de populistas, ou hora dos redentores?

03/07/2018 12h01

Washington, 3 Jul 2018 (AFP) - Ambos prometeram balançar as elites políticas e colocar seu país em primeiro lugar. O populismo do esquerdista Andrés Manuel López Obrador, presidente eleito do México, vai-se chocar com o do presidente de direita dos Estados Unidos, Donald Trump? Ou será uma oportunidade de redenção para os dois países?

Com mais de 53% dos votos apurados, a vitória de López Obrador no domingo representa uma ruptura com o sistema político do México e abre um ponto de interrogação sobre o crucial vínculo com o vizinho do norte, seu principal parceiro comercial e lar de 12 milhões de mexicanos.

Após meses de tumultuadas relações bilaterais - com Trump insistindo em levantar um muro fronteiriço e mantendo uma posição dura em temas migratórios, comerciais e de segurança, e AMLO, como todos chamam o político mexicano, prometendo "colocar (Trump) em seu lugar" -, ambos afirmaram nas últimas horas sua intenção de desenvolver uma boa relação.

O conselheiro de segurança nacional de Trump, o "falcão" John Bolton, disse inclusive que seu chefe espera "ansioso" um encontro com AMLO e que este poderia ser muito produtivo. "Ter os dois líderes reunidos pode gerar alguns resultados surpreendentes", disse.

Além das promissoras especulações, analistas consultados pela AFP apontaram algumas variáveis para levar em conta.

- Mais Lula do que Chávez -AMLO, de 64 anos, chega à presidência em sua terceira tentativa e com uma agenda de "mudança radical", mas se espera que sua gestão seja mais moderada que sua acalorada retórica eleitoral.

"Ele governará mais como Lula no Brasil do que como Hugo Chávez na Venezuela", disse o economista e cientista político Mark Rosenberg, da consultoria GeoQuant.

Jason Marczak, diretor do centro para América Latina do Atlantic Council, foi enfático: "AMLO não é Chávez".

"Buscará implementar reformas sociais de forma pragmática como Lula fez? Sim, nesse sentido, acho que AMLO seguirá esse caminho. Ele, como Lula, também é visto por seus apoiadores como um salvador. Mas o contexto econômico em que AMLO chega ao poder é muito diferente do que Lula herdou", explicou.

Marczak insistiu em que "AMLO não é a versão mexicana de Trump" e que ganhou pelo cansaço das pessoas com a corrupção, com a impunidade e com a violência, e não pelos ataques de raiva do presidente americano com tudo o que vem do sul de seu território.

"Washington pode e deve aproveitar este momento para recalibrar as relações com o México, não somente para manter, como também para aprofundar a cooperação que beneficia tanto ambos os países", disse.

- Alma gêmea -Mesmo com o passado distinto, AMLO, ex-prefeito da Cidade do México, tem muito em comum com Trump, o magnata imobiliário de 72 anos.

"Ambos são nacionalistas que se sentem redentores que devem combater um 'establishment' corrupto e ineficiente e colocar a agenda de seu país em primeiro lugar. Isso pode fazer que Trump veja em AMLO uma alma gêmea, e que haja um espaço de entendimento, embora a possibilidade de conflito seja alta", opinou Juan Carlos Hidalgo, do Cato Institute.

"São populistas, e os populistas precisam de inimigos para sobreviver politicamente. É provável que AMLO encontre em Trump esse inimigo externo", apontou.

"Ao mesmo tempo, AMLO parece entender que há pouco para ganhar em uma briga com os Estados Unidos", disse Michael Shifter, presidente do think tank Interamerican Dialogue.

- Nafta e protecionismo -"AMLO disse que quer manter o Nafta e a cooperação em assuntos de segurança. O tema mais sensível e volátil é o da imigração, que poderá aumentar as tensões", apontou.

O Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), vigente entre Estados Unidos, México e Canadá desde 1994, tem sido renegociado desde agosto passado a pedido de Trump, que o considera prejudicial para os interesses dos americanos.

Para Rosenberg, as motivações protecionistas mútuas podem tornar mais difíceis as negociações para renovar o Nafta.

Hidalgo concordou: "É provável que promessas de campanha de AMLO, como a busca de autossuficiência alimentar, compliquem ainda mais a renegociação".

"AMLO não hesitará em pressionar os Estados Unidos quando suas demandas não se ajustarem a seus interesses", disse Marczak.

- A volta do avestruz -Para Washington, "a restauração da democracia" na Venezuela é um tema prioritário na região. O México teve um papel-chave até agora nesse sentido, liderando o Grupo de Lima, um bloco de países críticos com o governo de Nicolás Maduro.

"Resta a grande dúvida sobre o que AMLO fará", disse Hidalgo. "Voltará à política tradicional mexicana do avestruz, de invocar o princípio de não intervenção em assuntos de outros países?", questionou.

"Sobre a Venezuela, AMLO evitou qualquer tipo de declaração provocadora", apontou Victoria Gaytan, do grupo de especialistas em política externa Global Americans, lembrando que um dos assessores de AMLO, Héctor Vasconcelos, "apoiou uma abordagem não intervencionista".