Nos bairros marginais da África do Sul, um confinamento totalmente ilusório
Khayelitsha, África do Sul, 2 Abr 2020 (AFP) - "Eles pedem às pessoas que lavem as mãos, mas sabem muito bem que não têm água para isso", diz Ndithini Tyhido, um habitante sul-africano de Khayelitsha, onde o confinamento e as medidas contra o coronavírus parecem uma guerra perdida de antemão.
Este bairro marginal faz parte da metrópole da Cidade do Cabo, sudoeste do país, que soma mais de 3,5 milhões de habitantes, dos quais um milhão pertence à Khayelitsha, segundo o censo.
Pelo menos dois terços vivem amontoados em barracos improvisados. Não há água corrente, banheiros, eletricidade nem serviços públicos. Um desafio diário para as autoridades de saúde.
O novo coronavírus apareceu na África do Sul em março e na semana passada foi registrado o primeiro caso de infecção em Khayelitsha.
A África do Sul é o país do continente que tem oficialmente mais casos do novo coronavírus, quase 1.400, com cinco mortos.
Para tentar conter a propagação, o presidente Cyril Ramaphosa ordenou a seus 57 milhões de cidadãos que fiquem em casa até 16 de abril.
O confinamento é respeitado nos bairros ricos, mas ignorado nos bairros pobres, apesar da presença da polícia e do exército.
- Sem água e sem banheiros -Em Khayelitsha, Irene Tsetse, de 55 anos, garante fazer todo o possível para obedecer as autoridades.
"Somos obrigados a sair quando precisamos de algo", diz a aposentada. "Não temos banheiros, por isso saímos. Não temos água, por isso saímos. Tentamos ficar em nossa cabana, mas não é fácil".
E mesmo ficar em casa não impedirá a propagação do vírus, afirma.
"Há apenas um quarto em nossa casa, sem janela. Não podemos ficar o dia inteiro dentro de casa no escuro. Em algum momento temos que abrir a porta e ver um pouco o que acontece lá fora".
Nos barracos onde vivem famílias de até seis e sete pessoas, e nas estreitas ruas do bairro onde as crianças brincam, o confinamento parece ilusório.
- Sem escolha -Nos últimos dias, o governo prometeu dar água a toda a população dos chamados "assentamentos informais".
E o ministro de Saúde, Zweli Mkhize, garantiu que suas equipes móveis realizarão campanhas de detecção em 'municípios' como Khayelitsha.
Apesar do perigo do vírus, Ndithini Tyhido, que dirige uma associação para o desenvolvimento de Khayelitsha, não critica os que não cumprem o confinamento.
"As pessoas aqui gostariam de obedecer, tentam fazer isso", disse, "mas é impossível".
Também tem dúvidas sobre a eficácia da detecção. "Se identificarem um caso de coronavírus aqui, não serão sequer capazes de dizer em qual casa".
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