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À sombra da guerra no Tigré, massacres aumentam no oeste da Etiópia

12/02/2021 09h18

Chagni, Ethiopia, 12 Fev 2021 (AFP) - Na noite anterior ao Natal ortodoxo, no início de janeiro, o sacerdote etíope Girmay Getahun, com sua bata branca e a Bíblia nas mãos, chegou a sua igreja por uma estrada de terra para preparar as cerimônias do dia seguinte.

Por volta da meia-noite, homens armados invadiram sua aldeia no oeste da Etiópia, na região de Benishangul-Gumuz, obrigando-o a fugir e se esconder na floresta por dois dias.

Ao retornar, uma visão de horror o aguardava: os oito trabalhadores temporários que hospedava foram assassinados, as últimas vítimas de uma série de massacres que causaram centenas de vítimas e dezenas de milhares de deslocados.

A violência étnica que afeta o oeste da Etiópia, especialmente a zona de Metekel, começou antes do lançamento, no início de novembro, de uma vasta operação militar do governo contra as autoridades dissidentes da região do Tigré (norte).

Aumentou durante a operação, mostrando as tensões sangrentas que fraturam o segundo país mais populoso da África (cerca de 110 milhões de habitantes) desde a chegada ao poder em 2018 do primeiro-ministro Abiy Ahmed, Nobel da Paz de 2019.

Em novembro, 34 moradores foram mortos em Metekel no ataque a um ônibus. No final de dezembro, um dia antes de uma viagem de Abiy à área, mais de 200 pessoas foram mortas em um massacre noturno, algumas queimadas enquanto dormiam. Em janeiro, um ataque causou 80 mortes.

Enquanto os observadores ainda se perguntem o que está por trás dessa violência, o medo de novos massacres é tangível.

O governo revelou recentemente sua intenção de formar uma milícia formada pelos deslocados de ataques anteriores para retornar a Metekel e "proteger" os que permaneceram.

Em um acampamento para deslocados na cidade de Chagni, a leste de Metekel, o padre Girmay é um dos muitos moradores que apoiam essa iniciativa.

"Não apoio totalmente a ideia de formar uma milícia, porque do meu ponto de vista é como dizer 'matem uns aos outros'. Mas se houver outra possibilidade e (os agressores) não estiverem desarmados, teremos que treinar recrutas daqui", explicou à AFP.

- Explicações diversas -Até agora, Abiy não forneceu explicações para os assassinatos de Metekel.

Diante dos deputados, disse em outubro que os autores estavam recebendo treinamento no vizinho Sudão, e em dezembro assegurou que os ataques visavam retirar as tropas da operação em Tigré.

Mas não forneceu nenhuma evidência para essas alegações.

No acampamento de Chagni, localizado na região Amhara, predominam as teorias de disputas de propriedade de longa data.

A maioria dos 20.000 habitantes do campo é do grupo étnico amhara, o segundo maior do país, e muitos deles falam de um "genocídio amhara" ocorrido nesta parte do país e perpetrado por milicianos locais gumuz.

Segundo eles, os ataques visam tirar os lavradores amhara das terras que os gumuz trabalharam por muito tempo.

Os líderes amhara retomaram essa explicação para exigir que as forças de segurança amhara sejam posicionadas em massa ao lado do exército federal para restaurar a ordem.

"Devemos nos defender. Eles não nos deixarão viver", disse em dezembro uma autoridade amhara, Asemahagn Aseres, defendendo ações violentas contra os atacantes.

Mas a realidade é mais complexa, pois os amhara não são as únicas vítimas dos massacres.

Em ataques recentes, foram agew, shinasa e oromo, o maior grupo étnico da Etiópia, que foram mortos e deslocados.

Cerca de 34.000 gumuz também tiveram que fugir da violência e se refugiaram nas florestas por medo, de acordo com um oficial local citado na semana passada pela mídia estatal.

Temesgen Gemechu, advogado oromo de Metekel que documentou a violência, mostrou à AFP uma lista de 262 gumuz mortos em ataques desde 2019.

Segundo ele, seu destino passa despercebido, pois os gumuz formam um pequeno grupo sem poder político.

"Quando os oromo morrem, todo mundo fala. E para os amhara, é a mesma coisa. Mas nada acontece quando os gumuz morrem. Quem liga para eles?", lamenta o advogado.

- "Proteger meu povo" -A violência atingiu duramente os deslocados de Chagni, segundo um psiquiatra do Ministério da Saúde.

"Todas as pessoas aqui estão traumatizadas de uma forma ou de outra", diz.

"Muitos deles sofrem de síndrome pós-traumática, ansiedade aguda e são muito agressivos porque viram pessoas serem massacradas".

As condições de vida no campo "miserável" não ajudam a situação, de acordo com Tilahun Anbelu, um dos amhara responsáveis pelo local.

Em uma visita recente de uma equipe da AFP, mulheres vendiam café do lado de fora das barracas que o vento derrubou, enquanto um funcionário do Unicef ameaçava multar qualquer deslocado que fizesse suas necessidades nos arbustos ao redor, e não nas latrinas recém-instaladas.

Não muito longe, Dawud Kibret, um agricultor de 38 anos, explicou que se juntou a uma nova milícia formada pelo governo: "Quero deixar meu emprego para proteger meu povo".

Seu desejo pode ser realizado em breve: um militar encarregado da segurança em Metekel indicou recentemente que 10.000 voluntários foram identificados e seu treinamento começará "em breve".

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