Biden, o presidente que quis 'salvar a alma' dos Estados Unidos

"Quando o derrubam, você se levanta!". Esta frase, dita no dia seguinte de seu debate desastroso com Donald Trump, diz tudo sobre Joe Biden, um presidente otimista e obstinado que quis "salvar a alma" dos Estados Unidos. 

"Embora tenha sido minha intenção buscar a reeleição, acredito que é do melhor interesse do meu partido e do país que eu me retire [da disputa] e me concentre exclusivamente em cumprir meus deveres como presidente pelo restante do meu mandato", disse Biden em uma carta pública postada na rede X, enquanto se recupera da covid-19 em sua casa de praia em Delaware (nordeste).

O ex-presidente Barack Obama, de quem Biden foi vice, o qualificou de "patriota" e sua vice-presidente, Kamala Harris, elogiou o "ato desinteressado e patriótico" de Biden.

De todo modo, trata-se de um final cruel para um homem que está na política há meio século.

Nos últimos tempos, ele passava a imagem de ancião. Os balbucios e as frases inacabadas no debate com Trump no fim de junho pioraram as coisas e ele acabou se tornando um estorvo para o Partido Democrata, diante de um Trump implacável.

Nascido na cidade operária de Scranton, na Pensilvânia (leste), Biden é um exemplo de superação. Desde a infância, lutou contra a humilhação. As pessoas debochavam dele por sua gagueira, que ele combateu recitando poesia.

"Nunca se submeta, nunca se renda", dizia-lhe sua mãe, descendente de imigrantes irlandeses.

- 'Dignidade' -

Seu pai, que era empresário, o fez entender a "dignidade" da classe média e as dificuldades para se chegar ao fim do mês.

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Joe Biden entrou na política durante a Guerra do Vietnã, que marcou toda uma geração, mas na qual ele não se engajou. Como estudante de direito, pôde evitar participar dos combates.

Profundamente centrista, Biden sempre preferiu os ternos às estampas psicodélicas e observou com desdém as manifestações pacifistas.

Anos depois, este grande partidário de Israel pediu o retorno à "ordem" perante as mobilizações pró-palestinas em alguns campi universitários americanos.

Em 1972, então com 30 anos, este homem alto e sorridente foi eleito senador.

Pouco depois, sua esposa, Neilia, e sua filha ainda bebê morreram em um acidente de carro.

O novo senador prestou juramento no hospital, ao lado de seus dois filhos sobreviventes, Beau e Hunter.

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Os Estados Unidos também se lembram da imagem triste de um Joe Biden devastado pela dor em 2015, no enterro de Beau, que morreu de câncer.

Diante das provações da vida e dos reveses políticos, Biden sempre demonstrou grande resiliência.

"Vai chegar o dia em que a lembrança do ente querido que você perdeu te fará sorrir antes que as lágrimas [surjam] nos olhos. Vai chegar. Eu lhe prometo", diz, compassivo, às famílias enlutadas com as quais se encontra.

- 46º presidente -

Seu pilar se chama Jill, sua segunda esposa e mãe de sua filha, Ashley.

Esta professora universitária, a primeira a exercer uma atividade profissional como primeira-dama, o reconforta.

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Em 2024, foi ela quem compareceu aos tribunais quando o filho mais novo de Joe Biden, Hunter, um ex-dependente de crack, foi julgado por posse ilegal de arma de fogo.

Senador por 36 anos, vice-presidente durante oito anos, Joe Biden sempre quis as chaves da Casa Branca.

Em Washington, muitos o consideravam compreensivo, mas desajeitado demais.

Em 1988, ele se candidatou, mas teve que desistir por acusações de plágio.

Em 2008, voltou a fracassar diante de Barack Obama, que o escolheu para ser seu vice.

O racismo e a violência política o levaram a disputar as presidenciais para "salvar a alma" dos Estados Unidos contra Donald Trump.

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Depois de uma campanha marcada pela pandemia de covid-19, venceu as eleições de 2020.

O 46º presidente dos Estados Unidos, que tornou Kamala Harris a primeira mulher e primeira pessoa negra a ser vice-presidente, lançou um programa de vacinação, reativou a economia e renovou as alianças internacionais.

Mas, no verão de 2021, o relativo estado de graça que desfrutava evaporou devido à retirada caótica do Afeganistão e, mais tarde, pelo aumento histórico da inflação.

Seu índice de popularidade despencou.

- 'Terminar o trabalho' -

Por mais que tenha realizado reformas importantes, orquestrado a resposta ocidental à invasão russa da Ucrânia e limitado os danos nas eleições legislativas de meio de mandato em 2022, o país deixou de acreditar em sua promessa de prosperidade e reconciliação. 

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Aos 78 anos, Donald Trump contra-ataca com uma retórica de decadência. Ele também divaga, se confunde e chegou a ser condenado criminalmente, algo inédito para um ex-presidente, mas o empresário projeta uma imagem de força que contrasta com a fragilidade de Biden.

Apesar do caminhar rígido e de sua perda de eloquência, embora a oratória nunca tenha sido seu ponto forte, Biden se empenhou para "terminar o trabalho" e anunciou sua candidatura para um segundo mandato em abril de 2023. 

Naquele dia, sua promessa de campanha de 2020, a de ser "uma ponte" para uma nova geração de líderes, ficou para trás. Até hoje, quando finalmente anunciou sua desistência de disputar a reeleição.

aue/aem/erl/val/mvv/rpr

© Agence France-Presse

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