Rede social move feira do rolo virtual
Ninguém é enganado. Todos sabem o que estão fazendo. Esses veículos têm um nome: são os "carros só para rodar". Ou seja, o dono sabe que corre o risco de ter o carro apreendido, caso seja parado pela polícia, e não tem interesse em regularizar a situação do veículo.
A análise dessas comunidades mostra que é um mercado que atrai cada vez mais pessoas - em quatro dias, só uma dessas comunidades ganhou 2 mil novos inscritos e atingiu 106,7 mil integrantes. No dia 7 de março, Rafael, de 26 anos, postou 13 fotos de um Audi A3 que ele queria vender por R$ 6,5 mil: "Só pra rodar, tenho papel puxado. Não respondo quanto tem de doc (multas, imposto e licenciamento)!! Ar gelado. Rolo só com volta em dinheiro". Papel puxado é como nesse ramo se diz que o carro não tem queixa de roubo ou furto - o papel é o documento obtido com despachante, mostrando ao comprador que o carro é um problema da área cível e não criminal.
"Uso o A3 para trabalhar. O negócio é na base da confiança", afirmou. As comunidades se transformaram em uma espécie de feira do rolo virtual. "Já me ofereceram TV, celulares. Até drone aparece. Mas eu estou interessado em outro carro ou em dinheiro", contou. Para se proteger de quem oferece carro roubado como troca, Rafael diz pedir laudo. Seu Audi tem R$ 7 mil em multas e impostos atrasados. "Não compensa quitar. O risco é do comprador."
Robson estava desempregado em 2015 quando começou a administrar uma dessas páginas. "Não fui eu que comecei ela. Fui moderador. Para mim nunca rendeu dinheiro." Robson afirmou que deixou a comunidade depois que percebeu que tinha "muita bagunça". "Tinha gente aproveitando o anonimato até para vender drogas." Segundo ele, a maioria que participa da comunidade quer fazer rolo. A gente olhava a postagem e, quando via que era produto roubado, a gente bania. "A maioria dos participantes tinha menos de 30 anos."
No dia 12, Mereira anunciou um HB20 por R$ 14 mil. "Carro só para rodar. Sem papo furado, só chame se tiver dinheiro para comprar." O anúncio alertava que se tratava de um "NP" ou "Ninguém Paga". Os NPs são carros financiados cujo dono deixou de pagar e resolve vendê-lo. Quem compra sabe que não vai poder regularizá-lo. "Muitas vezes, o carro é financiado no nome de um laranja. O golpe é contra o banco. Já descobrimos NP blindado sendo usado por ladrões de caixas eletrônicos. Se a polícia para o carro, a documentação é quente e antes que o banco se queixe - o que demora -, não temos o que fazer", disse o delegado Emydio Machado Neto, diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
O Estado procurou a Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef), mas a entidade não se manifestou. O Facebook informou, por meio de sua assessoria, que retira do ar toda comunidade ou página de usuário quando constata o conteúdo postado é ligado a uma atividade ilícita. "Contamos com a nossa comunidade para denunciar", informou a empresa.
Grave. Não há, diz o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), "impedimentos legais para compra e venda de veículos com débitos". Crime só existiria no caso de roubo, furto ou fraude contra financeiras.
"A legislação, no entanto, obriga o comprador a realizar a transferência do veículo para seu nome em até 30 dias. Para fazer isso, ele terá de quitar os débitos. Descumprir o prazo é infração grave", disse o Detran. Além disso, para fazer o licenciamento, o dono do veículo precisa quitar os débitos. "Todo veículo não licenciado está sujeito a ser apreendido e removido ao pátio. E o dono recebe multa de R$ 293,47." PM e Polícia Rodoviária fazem a fiscalização.
O receio de perder o carro não impede que o negócio siga a todo vapor. Biel, de 27 anos, postou no dia 13 em um dos grupos as fotos de um Siena "só para rodar". Ele diz usar o comércio desse tipo de carro como "complemento de renda". "Hoje, cerca de 20% dos carros rodando em São Paulo estão assim." O número dado por Biel pode não estar muito longe da realidade. De fato, segundo o Detran, só no ano passado 6,4 milhões de carros que deviam ser licenciados não o foram no Estado. Biel pediu R$ 7 mil pelo carro e, em algumas horas, conseguiu vendê-lo pelo WhatsApp. "Usou o carro, cansou dele? É só trocar. É rolo, mas é legal."
Silva, que vendia um C3 no mesmo dia escreveu: "Atenção: carro só pra rodar. Por favor, não façam perguntas idiotas. Não vou responder." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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