Bolsonaro sofre pressão para vetar lei de abuso
A aprovação na Câmara do projeto que endurece punição a juízes e procuradores por abuso de autoridade provocou ontem uma reação de deputados, entidades de classe e até do ministro da Justiça, Sergio Moro, que pressionam o presidente Jair Bolsonaro a vetar trechos do texto. A medida é vista como uma reação do mundo político à Operação Lava Jato, pois dá margem para criminalizar condutas que têm sido praticadas em investigações no País.
O jornal O Estado de S. Paulo apurou que integrantes do governo avaliam modificações em dez artigos do texto que passou pelo Congresso. Em dois pontos, os parlamentares da bancada da bala já receberam a sinalização que pode haver vetos. Entre eles, está o item que pune autoridades que iniciem investigação sem justa causa fundamentada ou que usem algemas de forma inadequada.
Outro trecho que deve ser alterado pelo Palácio do Planalto é o artigo 14, que prevê detenção de seis meses a dois anos para quem fotografar ou filmar preso, investigado ou vítima sem seu consentimento com o intuito de constranger a pessoa. Para parlamentares, o texto abre brecha para criminalizar o agente público que permitir que um preso seja fotografado. "Temos de garantir que o policial tenha segurança na hora de cumprir o seu dever", disse o deputado Capitão Augusto (PL-SP), coordenador da bancada da bala.
Ao ser questionado sobre o assunto ontem, Bolsonaro disse que ainda vai analisar possíveis vetos, mas defendeu a necessidade de se punir abusos.
"Existe abuso, somos seres humanos. Logicamente, não se pode cercear os trabalhos das instituições, mas a pessoa tem de ter responsabilidade quando faz algo e fazer baseado na lei", afirmou Bolsonaro. "Eu sou réu por apologia ao estupro. Alguém me viu dizendo que tinha que estuprar alguém no Brasil?", questionou.
Em 2015, o presidente foi condenado por ter afirmado, quando ainda era deputado federal, que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada porque a considerava "muito feia" e não fazia o "tipo" dele.
Um grupo de 20 parlamentares de ao menos quatro partidos - PP, DEM, PRB e Solidariedade - têm encontro marcado com Bolsonaro na terça-feira para tratar do assunto. O prazo para sanção do projeto é de 15 dias.
Jantar
Contrário à proposta, Moro acompanhou a votação em um jantar com parlamentares no apartamento do deputado federal João Roma (PRB-PE), conforme revelou ontem a Coluna do Estadão. Aos presentes, o ministro afirmou que a redação de alguns artigos deixava o texto dúbio e poderia inviabilizar o trabalho policial. O encontro contou com a presença, entre outros, do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do presidente do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto.
Em nota divulgada ontem, Moro disse que o projeto será "bem analisado" para verificar se a proposta não pode "prejudicar a atuação regular" da Justiça e das forças policiais e de investigação. "Ninguém é a favor de abusos, mas o projeto precisa ser bem analisado para verificar se não pode prejudicar a atuação regular de juízes, procuradores e policiais. O exame ainda será feito com o cuidado e o respeito necessários ao Congresso."
Também em notas, integrantes do Ministério Público Federal disseram ver ameaça a investigações caso a lei seja sancionada da forma como passou na Câmara. "O projeto intimida a atuação combativa dos agentes públicos, ao permitir que investigados e réus os acusem por crimes indefinidos, o que enfraquece a independência das instituições e, assim, o combate à corrupção e à criminalidade", diz texto assinado pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
Para a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, que reúne nove entidades e representa cerca de 40 mil profissionais, o texto aprovado "contém uma série de falhas e impropriedades", provocando, em última instância, "o avanço da impunidade".
'Excessos'
Parlamentares favoráveis às medidas defenderam o projeto. "A lei que pune o abuso de autoridade coíbe ação de agentes públicos que usam o cargo de acordo com suas posições pessoais, políticas ou partidárias", disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR). Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o objetivo da medida é evitar que agentes públicos "passem de suas responsabilidades".
Para o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, a lei de abuso representa um "remédio". "Quem exerce o poder tende a dele abusar e é por isso que precisa ter remédio desse tipo." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
(Colaboraram Julia Lindner e Mateus Vargas)
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