Corregedoria da PM investiga morte de garoto de 12 anos no interior de SP
A Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo investiga denúncia da mãe de uma garoto de 12 anos de que o filho foi morto com dois tiros durante uma ação policial, quando já havia se rendido, em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, interior do Estado.
Segundo a denúncia, o autor dos disparos, um cabo da PM, teria mandado a mãe comprar um caixão para o filho dias antes do fato. A PM apresentou o caso como resistência seguida de morte, pois o menino estava em um carro roubado e teria apontado uma arma para os policiais. Os PMs foram afastados das ruas.
O cabo Thiago Santos Sudré, que atirou em Miguel, alegou ter agido em legítima defesa. O boletim de ocorrência cita "homicídio decorrente de intervenção policial, amparado em causa justificante, em relação ao policial militar".
De acordo com o registro, Miguel e outros três garotos teriam roubado um automóvel Fox Vermelho por volta das 18 horas. Localizado o veículo, os policiais iniciaram uma perseguição que terminou quando o condutor entrou com o carro num descampado onde havia um parque de diversões e bateu na grade do carrossel. Os garotos saíram com as mãos para cima e atenderam a ordem para se deitarem no chão. Miguel teria saído com uma arma em punho e foi alvejado por dois disparos, segundo o registro.
Outros três menores, um jovem de 17 anos que dirigia o veículo e dois adolescentes de 13 e 14 anos, foram detidos e encaminhados à Fundação Casa. A mãe alega que, avisada da morte, foi ao local e, quando um policial disse que Miguel tentou atirar neles, várias pessoas que estavam ali gritaram que era mentira. Segundo disseram a ela, seu filho não estava armado e desceu do banco de trás do veículo com as mãos levantadas, quanto tomou o primeiro tiro próximo à axila.
A mãe relata que, duas semanas antes, o cabo Thiago, conhecido na região como "Carioca", foi à sua casa e disse para "comprar um caixão bem pequeno, porque se pegar seu filho na rua de novo o mataria".
Miguel era negro, franzino e tinha 1,33 m de altura. Ela conta que deixou o local e foi ao plantão policial perguntando quem tinha matado seu filho, quando se deparou com o cabo e gritou. "Parabéns, você conseguiu, estou indo comprar o caixão". Segundo o relato, ele a chamou de louca e disse que o filho "não era boa coisa", pois estava em um carro roubado. "Ele é uma sementinha do mal", teria dito.
Procurado, o cabo não retornou os contatos feitos pela reportagem. O comando da PM de São José dos Campos informou que o garoto morto estava com um revólver calibre 32 nas mãos e escondia um simulacro de pistola sob o tapete do veículo. A dona do automóvel não reconheceu nenhum dos garotos como autores do roubo do veículo. A investigação teria apontado que os menores seriam receptadores do carro roubado.
Andréia, que é cuidadora de idosos e tem dois filhos mais velhos empregados em empresas do setor aeronáutico, disse que Miguel era dependente de drogas.
O menino, estudante da Escola Estadual José Frederico Marques, começou a fumar maconha com dez anos e foi "recrutado" pelo tráfico como "aviãozinho" - vendedor de drogas em "biqueiras". A mãe conta que o internou durante 27 dias em uma clínica de recuperação e procurou ajuda de um serviço ambulatorial para tratamento de dependência química de adolescentes, mas não adiantou.
Depois de ter se rebelado contra a ação policial, Andréia passou a receber ameaças e, no dia 15, à noite, teve seu apartamento invadido. A porta foi arrombada e os armários revirados. Numa parede, foi gravado com objeto pontudo os nomes dos seus filhos - o de Miguel aparece cruzado com um risco.
Os familiares passaram a serem alvos de ataques em redes sociais. A família se viu obrigada a mudar do bairro.
No último dia 18, Andréia fez denúncia formal à Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, que abriu procedimento para apurar a ação do PM. Atendendo pedido do ouvidor Benedito Domingos Mariano, a corregedoria geral da PM instaurou investigação.
"Estive em São José e obtive mais detalhes do caso. Solicitei da Polícia Técnica laudos do local, exames de balística das armas e laudo necroscópico. Assim que receber, terei condições de fazer um relatório preliminar para anexar à investigação", disse Mariano.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública do Estado informou que todas as circunstâncias relativas aos fatos são apuradas pelo 3º DP de São José dos Campos e pela Polícia Militar por meio de IPM (Inquérito Policial Militar), que é acompanhado pela corregedoria da corporação.
"As armas dos policiais foram encaminhadas para perícia, assim como o revólver calibre 32 e um simulacro utilizado pelos suspeitos. Os envolvidos seguem afastados da atividade operacional, cumprindo expediente administrativo, enquanto durarem as investigações", disse a pasta.
Dados da Ouvidoria mostram que 432 pessoas foram mortas por policiais em serviço ou fora dele, no primeiro semestre deste ano, no Estado de São Paulo. O aumento geral foi de 2,5%, mas se consideradas apenas as mortes por policiais em serviço, o aumento é de 11,5%. As mortes por policiais, segundo Mariano, já representam 24% de todos os homicídios dolosos no Estado, porcentual que sobe para 34% na capital.
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