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'É preciso dilatar o prazo para criar o juiz de garantias', diz Moraes

21.mar.2019 - O ministro Alexandre de Moraes durante sessão no STF - Pedro Ladeira/Folhapress
21.mar.2019 - O ministro Alexandre de Moraes durante sessão no STF Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Fausto Macedo, Paulo Roberto Netto e Rafael Moraes Moura

São Paulo e Brasília

30/12/2019 12h00

Idealizador do pacote anticrime sancionado por Jair Bolsonaro, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes celebrou a aprovação da lei e rebateu críticas sobre a criação do juiz de garantias, responsável pelo controle da investigação penal, mas não pela sentença contra o investigado.

A nova figura provocou divergências dentro e fora dos tribunais superiores. Enquanto o decano da Corte, ministro Celso de Mello, considerou o juiz de garantias uma "conquista da cidadania", duas associações que representam a magistratura pediram ao Supremo a suspensão do novo cargo.

Nos bastidores, o caso é tratado como um "Frankenstein", que ganhará vida própria em 30 dias. "Há muitas críticas sobre o juiz de garantias, sem, contudo, se procurar entender do que se trata", disse Moraes ao jornal O Estado de S. Paulo. Para o ministro, diferentemente do que se afirma, a lei anticrime não prejudica o andamento de casos como a Lava Jato ou as investigações contra o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz. Leia a entrevista:

Qual ponto o sr. reputa como o mais importante e de imediata colocação em prática do pacote?

O mais importante do pacote aprovado será a mudança de mentalidade, com o fortalecimento da Justiça Criminal, tanto do ponto de vista da Segurança Pública, quando da questão penitenciária, com a priorização e previsão de fortes instrumentos para o combate à criminalidade organizada e aos crimes violentos, com maiores sanções, maior tempo de cumprimento de pena (40 anos), necessidade de 50% do cumprimento da pena para progressões, para os primários condenados em crimes hediondos, chefia de organização criminosa e milícias privadas; chegando a 70% do cumprimento da pena se for reincidente e houver resultado morte no crime hediondo. Além disso, estabeleceu-se um rígido regime disciplinar para a criminalidade organizada, principalmente para os líderes.

Como será possível priorizar os crimes graves? De que forma o grande volume de ocorrências será solucionado por transação?

Desde meus tempos como promotor de Justiça, sempre repeti que o sistema penal brasileiro prende muito, mas prende mal. Porque a mesma estrutura policial e judicial é compartilhada de forma idêntica para, por exemplo, processos de roubo a mão armada com fuzil e tentativa de furto simples de objeto de pequeno valor. Há inquérito, denúncia, processo com audiências, sentença, recurso para o tribunal, depois para os tribunais superiores, inúmeros habeas corpus. Após anos de processo, se houvesse condenação a regime fechado, em ambos os casos o condenado poderia progredir após cumprir um sexto da pena. Não é razoável, nem tampouco eficaz, você não priorizar delitos mais graves. Com as alterações, na tentativa de furto simples de objeto de pequeno valor, imediatamente poderá ocorrer a transação e, na mesma semana do crime, seu autor estará prestando serviços em hospitais públicos, por exemplo. Será aplicada uma sanção proporcional ao delito, que, se desrespeitada, acarretará a prisão. Toda a sociedade sentirá a efetividade da Justiça Criminal. Com isso, será possível redirecionar a maior parte da estrutura das polícias, MP e Judiciário para combater a criminalidade organizada e os crimes realmente graves e reduzir os inúmeros roubos a mão armada, inclusive com fuzis. Esses crimes passaram a ser hediondos e obrigarão o condenado a cumprir no mínimo 50% da pena, se for primário, ou 60%, se reincidente, para pleitear progressão de regime. Hoje, bastava para o roubo a mão armada o cumprimento de um sexto. E o cumprimento dessa pena será em regime disciplinar rigoroso. Ou seja, houve uma priorização no combate à criminalidade organizada.

Como se dará a reestruturação da Justiça Criminal e o combate à criminalidade organizada de forma regionalizada?

A previsão de transação penal para os delitos praticados sem violência ou grave ameaça possibilitará rápida solução de mais de 65% dos crimes. Com a priorização do combate a ela e a destinação da infraestrutura e recursos humanos será possível criar Varas Judiciais Colegiadas, que, além de garantirem maior segurança aos magistrados no combate às facções criminosas, atuarão de forma regionalizada, com uma visão maior do fenômeno criminal, permitindo interligação de dados entre essas varas, com a criação de um sistema de inteligência judicial, com dados dos inquéritos e processos envolvendo a criminalidade organizada no País.

O juiz de garantias acirra o debate sobre o pacote anticrime. O ministro Celso de Mello diz que é "uma conquista da cidadania". Procuradores alegam que ele trava investigações como a Lava Jato. Qual a posição do sr. com relação ao juiz de garantias?

Importantes sugestões apresentadas pelos parlamentares foram incorporadas ao texto final pelo Congresso, entre elas, a criação do juiz de garantias. Trata-se, portanto, de uma legítima opção feita pelo Congresso e sancionada pelo presidente que, de modo algum, desde que bem implementada, afetará o combate à criminalidade organizada e à corrupção. Há muitas críticas sobre o "juiz de garantias", sem, contudo, se procurar entender do que se trata. Haverá, como em vários países, uma divisão de competências entre juízes. Um atuará na fase de investigação e outro, no processo e julgamento. Ora, ambos serão juízes independentes e com as garantias da magistratura. Parece-me que afirmar que a divisão de competências atrapalhará as investigações é considerar que um juiz pode ser melhor que o outro; ou seja, é fazer um juízo valorativo entre magistrados. E mais, um juízo valorativo futuro, sem saber quem atuará.

Juízes alertam que 40% das comarcas contam com apenas um juiz. Como será o juizado de garantias nessas áreas?

Haverá necessidade de uma reestruturação organizacional do Judiciário. Mas isso não só é possível, como menos problemático do que alguns apontam. Tome-se o exemplo da maior comarca do Brasil, o município de São Paulo, onde algo semelhante ao "juiz de garantias" existe há 40 anos. Em São Paulo, há uma juíza coordenadora e 12 juízes, no Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais), que tem competência para atuar nos inquéritos policiais e procedimentos de investigação do Ministério Público. São esses juízes que analisam os pedidos cautelares (prisões, buscas e apreensão, interceptações telefônicas), além de realizarem as audiências de custódia. Só após o término da investigação criminal e com o oferecimento da denúncia é que o processo será distribuído para um dos 67 magistrados das 32 Varas Criminais e das duas varas especializadas em crimes tributários, organização criminosa e lavagem de bens. Em outras palavras, há 40 anos há essa divisão de competência entre magistrados, onde, atualmente, 13 atuam na fase de investigação e 67 no processo e julgamento. Os números mostram que, em novembro de 2019, estavam em andamento no Dipo 84.490 inquéritos e investigações criminais, tendo sido arquivados 4.180, além de realizadas 1.518 audiências e proferidas 4.681 decisões. Nunca se alegou prejuízo a investigações. É possível replicar esse modelo para o restante do Estado e mesmo para os demais Estados e para a Justiça Federal, cada qual com suas peculiaridades, regionalizando os juízos de garantia. Obviamente, não é razoável nem necessário criar para cada comarca com vara única outro cargo para um juiz de garantias. Parece-me que a regionalização é o segredo, não só para o combate à criminalidade organizada, mas também para a rápida e eficiente implantação do juízo de garantias. Tomo, novamente, São Paulo como exemplo. Há dez regiões administrativas judiciárias, cada uma com um Deecrim (Departamento de Execução Criminal). Junto a esses podem ser criados dez juízos de garantias que terão competência em todas as comarcas da região e atuarão rapidamente no processo digital, como já é feito na questão de execução penal. Levando-se em conta os números da capital São Paulo e do interior, é provável que nesses dez juízos de garantias regionalizados sejam necessários de 25 a 30 magistrados.

Nos bastidores dos Tribunais Superiores o pacote é chamado de "Frankenstein jurídico".

Toda e qualquer alteração legislativa está sujeita a críticas e a aperfeiçoamento.

O sr. celebrou que a aprovação da lei iria "revolucionar o combate ao crime organizado", mas há questionamentos sobre como ela vai afetar a Lava Jato e outras investigações, como o caso Queiroz. Como encara essas críticas?

Não me parece que nenhum dispositivo legal traga prejuízo ao combate efetivo da corrupção e da criminalidade organizada. O pacote fortaleceu o Ministério Público.

As mudanças são possíveis até 23 de janeiro? Será possível dilatar esse prazo?

Principalmente em relação ao juízo de garantias, me parece ser necessário uma dilação de prazo, para que seja instalado de maneira consciente, razoável e nacionalmente.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.