Topo

Esse conteúdo é antigo

Corrupção ainda é o 'cupim da República', diz Fachin

Desde que o ministro Celso de Mello se aposentou em outubro, Fachin se tornou o principal contraponto ao governo Bolsonaro no STF - Nelson Jr./SCO/STF
Desde que o ministro Celso de Mello se aposentou em outubro, Fachin se tornou o principal contraponto ao governo Bolsonaro no STF Imagem: Nelson Jr./SCO/STF

Rafael Moraes Moura

Brasília

29/01/2021 13h15

O relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, disse ontem ao Estadão que a "corrupção parece triunfar novamente como cupim da República" brasileira, citando célebre discurso de Ulysses Guimarães, no Congresso, em defesa da promulgação da Constituição de 1988 e contra a ditadura militar.

"Se, após 30 anos de Constituição, a democracia brasileira evidencia crise, é também porque faltou (e ainda falta) ao poder público dar respostas aos crimes impunes: mostrar o que de fato aconteceu e responsabilizar as condutas desviantes", afirmou Fachin por meio de nota. "É possível (e necessário) na democracia apurar e (quando couber) punir a corrupção. Com 'nojo da ditadura', como afirmou Ulysses Guimarães, os males da corrupção devem ser enfrentados dentro da proteção da legalidade constitucional."

Fachin decidiu se pronunciar após o Estadão mostrar que o ministro Nunes Marques deve dar o voto decisivo que vai definir o placar do julgamento que discute se o ex-juiz federal Sérgio Moro agiu com parcialidade ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá (SP). A discussão, iniciada em dezembro de 2018, ganhou força após hackers divulgarem mensagens privadas trocadas por Moro e integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Fachin já votou para rejeitar o habeas corpus movido pela defesa do petista, mas ainda faltam os votos de Nunes Marques, Ricardo Lewandowski e do presidente da Segunda Turma, Gilmar Mendes. Foi Gilmar quem pediu vista (mais tempo para análise) no início do julgamento do caso há dois anos. A expectativa que a discussão do processo seja concluída neste semestre.

Nunes Marques já se alinhou a Gilmar e Lewandowski para impor reveses à Lava Jato na Segunda Turma. Com o apoio dele, o colegiado arquivou inquérito contra o ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE), determinou a soltura de um promotor denunciado por corrupção e manteve a decisão de retirar a delação do ex-ministro Antonio Palocci da ação penal sobre o Instituto Lula.

"A questão não se circunscreve a um julgamento, ainda a ser concluído. Ocorre que o sistema de justiça criminal no Brasil é mesmo injusto e seletivo. Acolá e aqui estão ressurgindo casos clássicos de corrupção. A corrupção parece triunfar novamente como 'cupim da República', agravando a seletividade e a exclusão social", afirmou Fachin. "Como advertia Ulysses no discurso da promulgação, 'a República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos que a pretexto de salvá-la a tiranizam'."

Desde que o ministro Celso de Mello se aposentou da Corte, em outubro, Fachin se tornou o principal contraponto ao governo de Jair Bolsonaro no Supremo. O ministro tem, reiteradas vezes, defendido a democracia, os direitos individuais e alertado para os riscos do autoritarismo.

Na segunda-feira, Lewandowski determinou a abertura de um inquérito para apurar a atuação do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no colapso da rede de saúde em Manaus. O presidente da República, por sua vez, é investigado no STF em inquérito que apura interferência indevida na Polícia Federal. Para Fachin, "a ninguém se pode negar um julgamento justo e imparcial. Essa é uma garantia do Estado de Direito democrático. Cabe ao colegiado, onde há debates e eventuais dissensos, contrabalançar direitos e integridade pública, bem como enfrentar eventuais erros com justiça e espírito público. Não devemos nos conformar com respostas fáceis que ora atribuem culpa ao mensageiro, ora normalizam o desvio".

Resistência

Fachin também é vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, onde tem sido visto por aliados de Bolsonaro como expoente da ala "punitivista" e maior foco de resistência ao chefe do Executivo no TSE.

Em 2018, o ministro pediu vista no julgamento de uma ação que investigava suposto abuso do poder econômico por parte do empresário Luciano Hang, que teria coagido seus funcionários a votarem no então candidato do PSL. Fachin concordou com os colegas no arquivamento do caso, mas o pedido de vista foi interpretado por auxiliares do presidente Bolsonaro como uma tentativa de revirar a ação em busca de indícios.

O ministro do STF também liderou a corrente de votos que determinou a realização de uma perícia para apurar o ataque cibernético ao grupo "Mulheres unidas contra Bolsonaro".

No início deste mês, veio de Fachin a reação mais contundente no Poder Judiciário contra a invasão do Capitólio e em defesa do processo eleitoral brasileiro: "Quem desestabiliza a renovação do poder ou que falsamente confronte a integridade das eleições deve ser responsabilizado em um processo público e transparente. A democracia não tem lugar para os que dela abusam".