Marina sobre Randolfe coordenar campanha de Lula: 'sempre teve proximidade com PT'
A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede) afirmou, em entrevista ao Estadão, que "as forças políticas do campo democrático" precisam "debater um projeto de país, não apenas de poder". Segundo ela, a decisão do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) de participar da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é pessoal e não reflete um apoio da legenda ao PT.
Marina também cobrou discussões programáticas e disse considerar fundamental que os pré-candidatos à Presidência digam com o que estão se comprometendo num futuro governo. Crítica do que chama de "polarização perversa" entre petistas e bolsonaristas, a ex-ministra comparou o orçamento secreto a um "mensalão institucionalizado".
Como a sra. avalia o cenário eleitoral deste ano?
Um cenário muito difícil, com várias realidades que se sobrepõem. De uma grave crise sanitária, econômica, social, ambiental, política e de valores. No contexto de uma crise internacional, em que o mundo volta aos tempos da Guerra Fria com repercussões que nem sequer temos condições de avaliar neste momento. Vamos fazer uma eleição na qual temos um verdadeiro desgoverno em que todas as políticas públicas estão sendo soterradas na área de educação, saúde, meio ambiente, direitos humanos e política econômica. Sem falar em graves denúncias de corrupção em que o antigo mensalão foi institucionalizado através do orçamento secreto. É fundamental que as forças políticas do campo democrático estejam dispostas a debater um projeto de país, não apenas de poder. Não é só mudar de governo, é mudar de realidade. É fundamental que os candidatos digam claramente com o que eles estão se comprometendo. Estão se comprometendo em continuar a velha política da polarização e do sequestro do orçamento público pelo Centrão no que eu chamo de mensalão institucionalizado pelo orçamento secreto?
A sra. será candidata? A qual cargo?
Estou avaliando como é a melhor contribuição. Eu já fui senadora por 16 anos. Agora, várias pessoas, não só da Rede, têm manifestado desejo de que eu volte para o Parlamento, dizendo que eu poderia sair candidata a deputada federal. Não tenho essa decisão e não é uma decisão fácil.
Como está a negociação para uma federação partidária com o PSOL?
A Rede tem feito essa discussão. Começamos fazendo com vários partidos, no início era uma articulação com Rede, PSB, Cidadania, PDT e PV. Depois tivemos uma reconfiguração na cena política brasileira. Nós estamos agora em um diálogo com o PSOL, já que o Cidadania disse que para eles era mais interessante uma federação com o PSDB. No caso do PT, está fazendo um debate com PSB, PCdoB e PV. É um diálogo (da Rede) de natureza programática, nós somos partidos diferentes, com trajetórias diferentes, mas que têm pontos de contato.
O senador Randolfe Rodrigues será um dos coordenadores da campanha do ex-presidente Lula. É uma decisão pessoal ou a Rede cogita apoiar o petista?
A Rede tem seu programa e, principalmente no seu estatuto, a ideia do consenso progressivo, que nós trabalhamos para que as coisas não precisem ir o tempo todo para votação. Quando isso não é possível e não fere os princípios do pacto fundante da Rede, a gente costuma liberar aqueles que têm uma posição diferente da maioria. Foi assim que aconteceu durante o processo de impeachment, em que o senador Randolfe Rodrigues sempre teve proximidade com o PT. Com base nisso, Randolfe manifestou uma posição pessoal, porque isso não foi debatido dentro da Rede, que tem uma parte pró-Ciro Gomes (do PDT), outra parte defendendo a candidatura do ex-presidente Lula. Esse é o momento de mais do que as pessoas ficarem declarando apoio. É fundamental que os candidatos digam qual é o seu compromisso. Se continuarmos apoiando a polarização perversa que levou o Brasil para essa guerra de fragmentação de ódio na política, não vamos a lugar nenhum. Não basta derrotar Bolsonaro, é preciso derrotar o bolsonarismo.
Quando a sra. diz que o antigo mensalão foi institucionalizado no orçamento secreto, há uma crítica ao governo passado e ao atual, que hoje representam a polarização da campanha eleitoral. Há chances reais para uma alternativa da chamada terceira via?
Venho trabalhando por uma alternativa. A gente não precisa repetir o passado nem se tornar refém deste presente que está destruindo o nosso futuro. Mas eu tenho a clareza de que neste momento todos devemos defender a democracia. Bolsonaro é um risco para a democracia. É uma pessoa que não contribui para os avanços que a humanidade precisa. Quando eu faço essa menção ao antigo mensalão com o orçamento secreto (...), se tiveram erros no passado, precisam ser reconhecidos. Eu nunca generalizei em relação ao PT. A democracia exige que a gente faça uma mudança na realidade. Não cabe a ideia de uns que se veem como o supremo bem e outros como o supremo mal, isso não leva a lugar nenhum.
Por que partidos com bandeiras do meio ambiente têm dificuldade de crescer no País?
No caso da Rede, somos um partido muito jovem, que passou por uma pressão enorme já no nosso processo de fundação, ao não conseguirmos os registros. Nós tínhamos as assinaturas, mas elas foram invalidadas, para que eu não concorresse em 2014 pela Rede. Aquilo foi uma perda, porque eu tinha 26% das intenções de voto. Foi ali que encontrei com Eduardo (Campos, então presidenciável do PSB, que morreu em acidente aéreo), aconteceu aquela tragédia, e veio toda aquela violência que aconteceu durante o processo das eleições de 2014. E vamos agora enfrentar o desafio da cláusula de barreira, que não é fácil. No Brasil, os partidos que defendem a sustentabilidade, diferentemente do que acontece na Europa, de fato não têm tido desempenho eleitoral que deveria estar em compatibilidade com aquilo que é a sensibilidade das pessoas.
Presidenciáveis como Sérgio Moro, do Podemos, e Lula têm se mobilizado para atrair lideranças evangélicas para as suas pré-campanhas. Como avalia essas tratativas e qual é o peso do voto evangélico na eleição deste ano?
Os evangélicos têm um peso. O erro é essa forma de querer instrumentalizar a fé para a política ou a política para a fé. Todos sabem que sou cristã evangélica da Assembleia de Deus. Fui católica e, por quase 30 anos, fui filiada ao PT e sempre tive uma postura de não fazer essa instrumentalização. Não podemos aprofundar cada vez mais essa forma de fazer com que o debate em torno de propostas para o conjunto da sociedade brasileira seja apenas para esse ou aquele segmento. Os evangélicos têm direitos plenos para a sua cidadania como qualquer cidadão brasileiro, e é assim que eles devem ser tratados com respeito. É um segmento relevante como são relevantes todas as pessoas. Não podemos olhar apenas para a quantidade dos diferentes contingentes.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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