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'Decisão de Nunes Marques pôs em xeque sinalização do TSE de combater fake news', diz especialista

Ministro Kassio Nunes Marques, do STF - Carlos Moura/SCO/STF
Ministro Kassio Nunes Marques, do STF Imagem: Carlos Moura/SCO/STF

Levy Teles

07/06/2022 17h25

A determinação do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender a cassação dos mandatos de dois deputados que apoiam o presidente Jair Bolsonaro é vista com preocupação pelo advogado especialista em direito eleitoral Fernando Neisser.

Para ele, a decisão de Marques pôs "em xeque" a legitimidade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de combater fake news no processo eleitoral. "Havia ali (na decisão do TSE) uma sinalização clara de que acusações fantasiosas ao sistema de votação não seriam toleradas e que condutas como aquela seriam punidas duramente", afirmou Neisser, fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral (Abradep).

Confira a entrevista:

É usual e juridicamente adequado um ministro derrubar a decisão de um colegiado do TSE?Infelizmente não é raro. A gente se acostumou nos últimos 10, 15 anos, a essa postura de ministros do Supremo, que têm esse poder, de monocraticamente, de reverter decisões de um tribunal inteiro, no caso, como foi com o TSE. Houve tentativa recente de mudar o regimento do Supremo para que essas decisões monocráticas não fiquem por meses ou até anos segurando uma decisão que havia sido tomada. Não dá para dizer que é raro, mas é uma situação muito ruim do ponto de vista de segurança jurídica no Brasil.

O que prevê a lei eleitoral para punir fake news?
A legislação eleitoral tem muitas regras em relação à desinformação e fake news. Você tem desde regras que levam a aplicação de multa até regras criminais no código eleitoral, de divulgar fato sabidamente inverídico, e você tem uma possibilidade que isso seja enquadrado, a depender da repercussão que essa informação tiver, da infração ser de abuso de poder, seja econômico ou seja dos meios de comunicação. Nesses casos, quando você tem um fato sabidamente inverídico, e que ele tem gravidade suficiente para constituir abuso, isso leva à cassação daquela candidatura que se valeu disso, se foi eleita, e leva a inelegibilidade do responsável por oito anos.

Como o sr. avalia o argumento de Nunes Marques de que redes sociais não podem ser equiparadas a veículos/meios de comunicação?
Não concordo com essa leitura. Não acho que houve propriamente uma alteração da jurisprudência do TSE. Um dos principais fundamentos da decisão do ministro foi que o TSE mudou o seu entendimento. E essas mudanças do entendimento do TSE só podem valer para casos futuros e não para casos passados. Um tribunal muda o seu posicionamento quando o plenário daquele tribunal analisou o caso e disse que mudou o entendimento. Em outro caso, ele senta num caso idêntico e diz que tem outro entendimento. Não foi isso que aconteceu.

Por que?
Não existia outra decisão anterior do TSE que tivesse afirmado que redes sociais não são meio de comunicação para dizer que houve mudança de posição. Houve uma novidade e o tribunal teve de se debruçar por esse ponto. Dizer que isso é uma alteração do posicionamento não é correto. Seguindo no mérito da decisão, me parece bastante óbvio que redes sociais são meios de comunicação naquilo que importa para o direito eleitoral. O direito eleitoral sempre lançou olhos para rádios, televisões, jornais e revistas. Esses eram os meios de comunicação que existiam à época que a legislação foi aprovada. As pessoas eram influenciadas por esses meios. Isso mudou. As fontes de informação estão muito alocadas para as redes sociais. São os algoritmos das redes sociais que determinam o que os usuários veem. O entendimento do TSE de passar a olhar com cautela as redes sociais a ponto de ter algo muito grave, muito abusivo pode levar à cassação é uma decorrência natural da mudança tecnológica.

Que tipo de efeitos práticos no mundo político tem uma decisão como esta?
Me preocupo muito porque a decisão do TSE que cassou o delegado Francischini tem um simbolismo muito importante para as eleições porque terão um grau de tensão muito alto. O que passou de recado não só para o réu, mas para a sociedade? Que a Justiça Eleitoral não vai tolerar fake news em relação à própria democracia. Havia uma compreensão meio difusa de que fake news é só aquela contra um adversário. A Justiça Eleitoral só estaria preocupada se o candidato A divulgar informação falsa sobre a candidata B. Essa decisão mostra para todos que a missão da Justiça Eleitoral não é só proteger o equilíbrio dos candidatos. A Constituição diz que ela deve proteger aquilo que ela chama de legitimidade e normalidade do processo eleitoral. Essa legitimidade do processo eleitoral não pode ser colocada em xeque por acusações infundadas, fantasiosas, relativas ao sistema de votação. Havia ali uma sinalização clara que isso não seria tolerado e que condutas como aquela seriam punidas duramente. A decisão de Nunes Marques põe isso em xeque, ainda que a gente não saiba se reflete a posição de outros ministros do Supremo.

A decisão pode ser revertida? Como?
Ela pode ser revertida. Toda vez que um ministro do Supremo dá uma decisão monocrática, cabe recurso da parte que se sentir lesada contra essa decisão monocrática pedindo que isso seja levado ao plenário. A princípio, o ministro relator que deu a decisão monocrática não tem um prazo fixado para levar isso a plenário. Caso exista uma situação de urgência e o ministro relator não encaminhar para a apreciação do plenário aquela decisão democrática, existem meios de entrar com uma outra ação, um mandado de segurança, que cairia na mão de outro ministro ali sorteado para que resolva essa questão e leve a plenário. A decisão de Nunes Marques não necessariamente vai ser confirmada ou vai ficar como decisão monocraticamente indefinidamente. Pela repercussão do caso e do fato que alguns deputados que herdaram a cadeira vão ser retirados do cargo, não tenho dúvidas que vão fazer chegar ao Supremo o inconformismo por meio de recursos e isso vai ser levado a plenário.