Operações da Polícia Federal miram armas de CACs em sete Estados
As ações ocorrem em um contexto no qual o número de armas registradas nas mãos de caçadores, atiradores e colecionadores já passa da casa de 1 milhão, segundo levantamento dos Institutos Igarapé e Sou da Paz. Desde o início do governo Jair Bolsonaro, a quantidade de armas para esse grupo aumentou 287%. O número de CACs subiu 474%, passando de 117.467 em 2018 para 673.818 até 1º de julho deste ano. A categoria pode adquirir de revólveres a fuzil, com direito a 60 armas, sendo 30 de uso restrito. Para colecionadores não há limite. O País tem hoje mais de 2 mil clubes de tiro.
INVESTIGAÇÃO
Ontem, a Operação Zona Cinza cumpriu 37 mandados de busca e apreensão e 11 ordens de suspensão de atividades econômicas, atingindo clubes de tiros e lojas de armas em três Estados: Pernambuco, Alagoas e São Paulo.
Os mandados foram expedidos pela Justiça Federal de Caruaru (PE), onde as investigações tiveram início, em 2021. Na ocasião, apurou-se que um clube de tiro e uma loja de armas de um mesmo grupo davam cursos, serviços de conserto, manutenção e customização de armas de fogo sem licença da PF para atuar como armeiros.
Conforme a PF, durante a investigação foi identificada uma grande organização criminosa que falsificava documentos de CACs, dando aparência legal tanto para o comércio, quanto para o porte ilegal de armas de fogo. "O grupo utilizava pessoas jurídicas como instrumentos para produzir entrevistas, vídeos e outros conteúdos para difundir o nome da empresa, sobretudo por meio da internet, com publicidades ilegais para a venda. Com isso, estimulava o uso indiscriminado de armas de fogo e incitava a prática de crimes", disse, em nota. Ainda segundo a PF, a operação vai prosseguir para identificar outros envolvidos e apurar a execução de fraudes contra os sistemas dos órgãos públicos de fiscalização e controle.
FUZIS
Na Operação Oplá (arma, em grego), em Mato Grosso do Sul, um homem com registro de CAC foi preso no dia 5 de outubro, em Campo Grande, com quatro fuzis calibre 7.62, três pistolas 9 mm de fabricação americana com kit rajada, coletes balísticos e identificações falsas da Polícia Civil. As armas, achadas no porta-malas do carro, eram roubadas e seriam entregues a uma quadrilha suspeita de assaltos a bancos. Após a prisão, a Justiça Estadual expediu sete mandados de prisão na capital e em Maracaju, no interior, contra integrantes da quadrilha, incluindo outro CAC supostamente laranja.
Em julho, a PF prendeu em Uberlândia (MG) um homem que conseguiu, com documentos falsos de CAC, comprar sete armas, entre elas um fuzil e duas carabinas, para entregar à facção criminosa PCC. O acusado comprou o arsenal mesmo sendo réu ou investigado em 16 processos e inquéritos criminais. Entre as ações, ele respondia por homicídio qualificado, roubo, tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo.
No mês passado, a Operação Registro Armado cumpriu mandados de apreensão contra despachantes do Exército brasileiro que fraudavam o sistema para conseguir registro para atiradores e caçadores de forma ilegal, em Goiânia (GO). Conforme o Exército, que colaborou com a operação, os despachantes foram suspensos e os CACs perderam os registros.
Já a Operação Confessio, realizada em fevereiro deste ano, no Rio de Janeiro, desarticulou um esquema de fraude documental para burlar a fiscalização e o controle na comercialização de armas de fogo. A quadrilha falsificava, inclusive, documentos usados no processo de compra de armas de fogo e munição pelos CACs em estabelecimentos comerciais.
FORNECIMENTO
Para a especialista Carolina Ricardo, diretora do Instituto Sou da Paz, a maior facilidade dada pelo governo para a aquisição de armas pelos CACs criou um canal de fornecimento de armas que pode ser usado para abastecer o crime organizado. "Temos visto uma certa recorrência de casos de operações em que são identificados desvios de armas feitos a partir da possibilidade de se registrar como CAC. Não estamos criminalizando a categoria", aponta.
Ela reforça que o número de armas liberado para a categoria atrai interesses de criminosos. "A quantidade de armas que um atirador desportivo pode comprar, incluindo fuzil semiautomático, e a quantidade que os colecionadores podem comprar, tudo isso passou a ser visto como uma facilidade por alguns grupos criminais."
Segundo a especialista, os fraudadores só conseguem fazer o registro como CAC porque o Exército, a quem compete fiscalizar, não tem estrutura para fazer uma fiscalização eficaz. "O banco de dados é muito frágil, tanto que a gente (ONG) solicitou esses dados e não conseguiu saber quantas pistolas 9 mm estão cadastradas, por exemplo, por município. Essa inteligência, sobre os dados que o Exército poderia gerar e não gera por falta de estrutura, é necessária." O Ministério da Justiça e o Exército não comentaram o tema ontem. Em outras oportunidades, o Exército destacou o esforço de fiscalização e a colaboração com autoridades investigativas em casos de transgressão das normas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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