Mauro Cid volta a ser preso por ordem de Moraes; delação pode ser anulada

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República, voltou a ser preso nesta sexta-feira, 22, por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Após a divulgação de áudios pela revista Veja em que Cid diz que o inquérito da Operação Tempus Veritatis é uma "narrativa pronta", ele foi convocado para uma audiência com o desembargador Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete de Moraes.

A oitiva foi realizada para que o ex-ajudante de ordens confirmasse os termos de sua delação premiada. Ao ser informado da nova detenção, Cid desmaiou na sala de audiências do Supremo e precisou ser atendido por socorristas. Depois, saiu andando do local.

O STF informou que a validade da colaboração premiada de Cid "está sob análise". Para justificar a nova ordem de prisão, o mandado expedido por Moraes, com caráter preventivo, cita descumprimento de medidas cautelares e obstrução da Justiça. A Corte não disse quais medidas cautelares teriam sido descumpridas nem como ele obstruiu a Justiça.

O tenente-coronel também foi alvo de mandado de busca e apreensão cumprido pela Polícia Federal. Ele havia sido colocado em prisão domiciliar quando Moraes homologou sua delação no âmbito do inquérito das milícias digitais.

As revelações do militar abasteceram uma série de inquéritos que miram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados, em especial a investigação sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado tramada pela cúpula do governo anterior e oficiais de alta patente das Forças Armadas.

Nos áudios, Cid afirma que o ministro do STF já tem pronta uma sentença dos investigados. Em uma das gravações, ele diz que os investigadores "não queriam saber a verdade" sobre a suspeita de tentativa de golpe, e, sim, confirmar uma "narrativa pronta".

O diretor-geral da PF, Andrei Passos Rodrigues, fez uma representação no Supremo contra o tenente-coronel.

'Desabafo'

O advogado Cezar Bittencourt, responsável pela defesa de Cid, admitiu que a voz nas gravações divulgadas é do militar, mas alegou que as declarações foram "mero desabafo". "Mauro César Babosa Cid em nenhum momento coloca em xeque a independência, a funcionalidade e a honestidade da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República ou do Supremo Tribunal Federal na condução dos inquéritos em que é investigado e colaborador, aliás, seus defensores não subscrevem o conteúdo de seus áudios", disse o advogado, em nota.

"Referidos áudios não passam de um desabafo em que relata o difícil momento e a angústia pessoal, familiar e profissional pelos quais está passando, advindos da investigação e dos efeitos que ela produz perante a sociedade, familiares e colegas de farda, mas que, de forma alguma, comprometem a lisura, a seriedade e a correção dos termos de sua colaboração premiada firmada perante a autoridade policial", completou o defensor.

As medidas cautelares foram impostas a Cid em setembro do ano passado, quando Moraes concedeu liberdade provisória a ele. Foram listadas sete determinações que o tenente-coronel deveria respeitar: uso de tornozeleira eletrônica e limitação para sair de casa aos fins de semana e à noite; afastamento das funções do cargo no Exército; comparecimento à comarca de origem todas as segundas-feiras; proibição de deixar o País e cancelamento de todos os passaportes; suspensão de documentos de porte de arma de fogo e de licenças de colecionador, atirador desportivo e caçador (CAC); proibição de uso de redes sociais; e proibição de se comunicar com os demais investigados, à exceção da mulher, Gabriela Cid, da filha Beatriz Cid e do pai, Mauro Lourena Cid.

O depoimento de Cid, no Supremo, ocorreu dez dias depois de o delator comparecer à PF para ser ouvido - pela sexta vez - no processo de seu acordo de colaboração premiada. A oitiva durou mais de nove horas. Na ocasião, o tenente-coronel confirmou detalhes de uma série de encontros com a presença de Bolsonaro para que fosse debatido um plano de golpe de Estado. Ele, porém, afirmou não ter participado das discussões entre o ex-presidente da República e o alto escalão das Forças Armadas sobre o mesmo tema.

Indiciados

Na terça-feira passada, 19, Bolsonaro foi indiciado por associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação na investigação sobre fraude em carteiras de vacinação contra a covid-19. De acordo com o relatório final do inquérito da Operação Venire, Cid imprimiu a carteira de vacinação falsa do ex-presidente dentro do Palácio da Alvorada.

O delator narrou que "recebeu a ordem" de Bolsonaro para fazer as inserções de dados falsos e depois entregou nas mãos do ex-chefe do Executivo o documento falsificado. Cid também foi incriminado pela PF, não só pelos delitos ligados aos documentos falsos do ex-presidente, mas também pelas investidas para conseguir comprovantes de imunização contra a covid-19 para sua mulher, Gabriela, e suas filhas. Para o advogado do ex-ajudante de ordens, o indiciamento violou o acordo de colaboração premiada.

A volta de Cid para a prisão estimulou ontem mais um confronto polarizado entre representantes do bolsonarismo e apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A deputada e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), publicou no X (antigo Twitter) que Cid tentou "fazer jogo duplo". A petista classificou o tenente-coronel como "mais um abandonado pelo inelegível", em referência ao fato de Bolsonaro não poder se candidatar até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O senador Humberto Costa (PT-PE) disse em seu perfil na rede social que, se ficar comprovado que Cid ficou "ressentido de entregar a quadrilha que tentou acabar com a democracia", ele deve perder os benefícios da delação premiada.

'Policialesco'

Aliados de Bolsonaro, por sua vez, questionaram a legalidade da medida determinada por Moraes. O senador Carlos Portinho (PL-RJ) sugeriu a não observância do processo legal na prisão de Cid. "Num Estado policialesco, primeiro prendem e torturam. Ou vice-versa. E deixam preso até confessar o que querem ouvir. Além dos prazos legais ou razão."

O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) questionou se a prisão não confirma as declarações de Cid nos áudios vazados, nos quais o militar diz que a investigação sobre uma tentativa de golpe de Estado é "narrativa pronta". "A prisão do Cid não seria uma confirmação da veracidade do conteúdo do áudio dele?", perguntou o parlamentar. (COLABORARAM JULIA CAMIM, KARINA FERREIRA E RAYANDERSON GUERRA)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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