'Corrupção se combate com educação', diz Ordine
Por Ana Ferraz SÃO PAULO, 30 MAR (ANSA) - Traduzido em 19 línguas e já best-seller na Itália, França, Grécia, Alemanha e Espanha, o novo livro do professor italiano Nuccio Ordine, "A Utilidade do Inútil - Um Manifesto" chega com força e entusiasmo no Brasil. No começo deste mês, o professor da Universidade da Calábria, na Itália, e ocasional palestrante de renomadas faculdades italianas, francesas e norte-americanas visitou os estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo para comemorar a tradução de um de seus mais recentes trabalhos para português. O escritor, especialista na obras do renascentista Giordano Bruno (1548 - 1600), também trata em seus trabalhos assuntos como a importância da educação e da cultura para a formação de um jovem, o perigo do uso exacerbado de tecnologias digitais e redes sociais, a função de um bom professor e porque as universidades devem manter línguas "mortas" e literatura antiga nos seus currículos. Em "A Utilidade do Inútil - Um Manifesto", é trazida uma noção de uma sociedade marcada pelo utilitarismo onde todas as trocas são baseadas no seu valor econômico e na sua importância imediata e que o conhecimento, a cultura e filologia são as chaves para mudar esse tipo de pensamento e de ação.
Em entrevista exclusiva para a ANSA Brasil, o italiano também falou sobre corrupção, a violência e o papel da educação para o fim desse cenário. ANSA: Como foi a experiência de lançar seu livro aqui no Brasil? Ordine: A posição dos estudantes e a reação das pessoas com as quais me encontrei me comoveram. Neste momento, o Brasil vive uma crise econômica notável, as universidades sofrem com os cortes e, principalmente, com a pressão da famosa pergunta 'para que elas servem?'. Essa é uma pressão que pode provocar danos enormes nas escolhas que as universidades fazem. Isso por que, se nós tiramos os recursos delas e da educação, nós cortamos as raízes nas quais se sustenta um país. De todos os lados eu encontrei um acolhimento muito caloroso. O momento mais comovente para mim foi a palestra em Porto Alegre.
Na minha vida eu nunca tinha visto uma aula magna com quase 1,5 mil pessoas, que estavam ali para me ouvirem. Eu atribuo isso aos temas dos quais o meu livro trata, temas de grande interesse atualmente.
ANSA: Por que o senhor defende o ensino da literatura clássica europeia e das chamadas línguas mortas? Ordine: Esse é um tema muito importante. Eu acredito que o estudo das línguas antigas oferece uma postura, uma cultura, um conhecimento que te permite ter vários outros campos do saber. Agora, se nós transformarmos as escolas e universidades em empresas, é claro que esse raciocínio não funcionará mais. Por que a empresa universitária corta os galhos que não produzem, como por exemplo um curso de grego para apenas três alunos que não é considerado lucrativo. Mas esse é um erro enorme, por que, se nós cortarmos as línguas antigas, clássicas, o que acontecerá daqui a 100 anos quando tiverem morrido os últimos conhecedores do grego, latim e sânscrito, por exemplo? O que acontecerá é que no final não teremos mais um ser humano que, em frente a uma descoberta arqueológica, saiba ler uma inscrição, um papiro e consiga entender um manuscrito. Significa que nós teremos renunciado o contato com o passado e assim perderemos a sua memória. E perder a memória significa perder qualquer possibilidade de entender o presente e prever o futuro.
Porque, se eu não sei de onde eu venho, não tenho consciência da minha identidade, sendo assim a perco.
ANSA: O senhor poderia explicar por que "a cultura realiza milagres e pode colocar em crise as leis do mercado"? Ordine: Hoje a cultura pode ser um modo de resistência às leis do mercado por ao menos três razões. A primeira razão: a cultura pode ser um modo de resistência, porque, com dinheiro, pode se comprar tudo. E é verdade, na Itália se compram juízes, parlamentares, televisões, sucesso, qualquer coisa. Mas uma coisa escapa disso: é o conhecimento. O saber pede um esforço individual que ninguém pode fazer no nosso lugar.
Segunda razão: Quando nós olhamos as leis que dominam o mercado, sabemos que em cada troca comercial se tem um ganho e uma perda.
Se você for comprar uma caneta, perderá o dinheiro dela, mas ficará com ela. E o comerciante perde a caneta, mas ganha o dinheiro. Todos os dias, em uma pequena classe de uma escola perdida na África, em Nova York,ou em outro grande centro econômico acontece um grande milagre: o de um professor entrar na sala, ensinar o teorema da relatividade de Einstein e não perder nada, porque o bom professor sabe que não aprende só quem recebe, mas também quem ensina, o professor pode aprender muito com seus alunos.
E a terceira razão: Imaginemos dois estudantes de uma escola brasileira que saem de casa cada um com uma maçã cada. Eles se encontram na sala de aula e depois trocam as maçãs. De tarde, quando voltarem para casa, voltarão sempre cada um com uma maçã.
Vamos tentar imaginar um outro cenário. Dois estudantes brasileiros que saem de casa cada um com uma ideia. Depois, eles se encontram na universidade, trocam essas ideias e de tarde voltarão para casa sempre cada um com duas ideias. O saber, a cultura, nunca empobrecem ninguém, mas enriquecem todos os protagonistas. E a música, a literatura, a arte, a beleza, podem mudar a vida dos jovens, podem fazem com que a humanidade se torne mais humana.
ANSA: Pensando dentro do universo do jornalismo, como é possível dar ao leitor uma notícia fazendo com que ele se aprofunde mais no assunto tendo em vista a superficialidade e a rapidez com as quais devemos trabalhar? (Continua) (ANSA)Veja mais notícias, fotos e vídeos em www.ansabrasil.com.br.
Em entrevista exclusiva para a ANSA Brasil, o italiano também falou sobre corrupção, a violência e o papel da educação para o fim desse cenário. ANSA: Como foi a experiência de lançar seu livro aqui no Brasil? Ordine: A posição dos estudantes e a reação das pessoas com as quais me encontrei me comoveram. Neste momento, o Brasil vive uma crise econômica notável, as universidades sofrem com os cortes e, principalmente, com a pressão da famosa pergunta 'para que elas servem?'. Essa é uma pressão que pode provocar danos enormes nas escolhas que as universidades fazem. Isso por que, se nós tiramos os recursos delas e da educação, nós cortamos as raízes nas quais se sustenta um país. De todos os lados eu encontrei um acolhimento muito caloroso. O momento mais comovente para mim foi a palestra em Porto Alegre.
Na minha vida eu nunca tinha visto uma aula magna com quase 1,5 mil pessoas, que estavam ali para me ouvirem. Eu atribuo isso aos temas dos quais o meu livro trata, temas de grande interesse atualmente.
ANSA: Por que o senhor defende o ensino da literatura clássica europeia e das chamadas línguas mortas? Ordine: Esse é um tema muito importante. Eu acredito que o estudo das línguas antigas oferece uma postura, uma cultura, um conhecimento que te permite ter vários outros campos do saber. Agora, se nós transformarmos as escolas e universidades em empresas, é claro que esse raciocínio não funcionará mais. Por que a empresa universitária corta os galhos que não produzem, como por exemplo um curso de grego para apenas três alunos que não é considerado lucrativo. Mas esse é um erro enorme, por que, se nós cortarmos as línguas antigas, clássicas, o que acontecerá daqui a 100 anos quando tiverem morrido os últimos conhecedores do grego, latim e sânscrito, por exemplo? O que acontecerá é que no final não teremos mais um ser humano que, em frente a uma descoberta arqueológica, saiba ler uma inscrição, um papiro e consiga entender um manuscrito. Significa que nós teremos renunciado o contato com o passado e assim perderemos a sua memória. E perder a memória significa perder qualquer possibilidade de entender o presente e prever o futuro.
Porque, se eu não sei de onde eu venho, não tenho consciência da minha identidade, sendo assim a perco.
ANSA: O senhor poderia explicar por que "a cultura realiza milagres e pode colocar em crise as leis do mercado"? Ordine: Hoje a cultura pode ser um modo de resistência às leis do mercado por ao menos três razões. A primeira razão: a cultura pode ser um modo de resistência, porque, com dinheiro, pode se comprar tudo. E é verdade, na Itália se compram juízes, parlamentares, televisões, sucesso, qualquer coisa. Mas uma coisa escapa disso: é o conhecimento. O saber pede um esforço individual que ninguém pode fazer no nosso lugar.
Segunda razão: Quando nós olhamos as leis que dominam o mercado, sabemos que em cada troca comercial se tem um ganho e uma perda.
Se você for comprar uma caneta, perderá o dinheiro dela, mas ficará com ela. E o comerciante perde a caneta, mas ganha o dinheiro. Todos os dias, em uma pequena classe de uma escola perdida na África, em Nova York,ou em outro grande centro econômico acontece um grande milagre: o de um professor entrar na sala, ensinar o teorema da relatividade de Einstein e não perder nada, porque o bom professor sabe que não aprende só quem recebe, mas também quem ensina, o professor pode aprender muito com seus alunos.
E a terceira razão: Imaginemos dois estudantes de uma escola brasileira que saem de casa cada um com uma maçã cada. Eles se encontram na sala de aula e depois trocam as maçãs. De tarde, quando voltarem para casa, voltarão sempre cada um com uma maçã.
Vamos tentar imaginar um outro cenário. Dois estudantes brasileiros que saem de casa cada um com uma ideia. Depois, eles se encontram na universidade, trocam essas ideias e de tarde voltarão para casa sempre cada um com duas ideias. O saber, a cultura, nunca empobrecem ninguém, mas enriquecem todos os protagonistas. E a música, a literatura, a arte, a beleza, podem mudar a vida dos jovens, podem fazem com que a humanidade se torne mais humana.
ANSA: Pensando dentro do universo do jornalismo, como é possível dar ao leitor uma notícia fazendo com que ele se aprofunde mais no assunto tendo em vista a superficialidade e a rapidez com as quais devemos trabalhar? (Continua) (ANSA)
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