2016,o ano em que a Itália voltou a ser Itália
SÃO PAULO, 28 DEZ (ANSA) - Por Lucas Rizzi - Se 2016 ficará marcado em diversos cantos do mundo pelas incertezas em relação ao que está por vir, na Itália, um dos países politicamente mais instáveis da Europa, não será diferente. Conhecida pela facilidade com que troca de governo, a nação da bota vivia um raro período de relativa estabilidade sob o comando de Matteo Renzi, mas bastou um "não" em um referendo para tudo mudar.
No último dia 4 de dezembro, 59,12% dos eleitores - 19,4 milhões de pessoas - rejeitaram uma reforma constitucional que reduzia drasticamente as funções e o tamanho do Senado e aumentava as competências de Roma em relação às 20 regiões italianas. Mais do que recusar essa concentração de poder na figura do primeiro-ministro, os cidadãos do país deram uma clara manifestação de desaprovação a Renzi.
Assim, o premier de centro-esquerda, chefe do quarto governo mais longevo da República da Itália, com 1.024 dias de duração, foi forçado a renunciar. "Esse referendo, a proposta de reforma legislativa, vinha na direção de atender a uma demanda popular por mais agilidade no legislativo. Só que o caminho apresentado por essas reformas colocava em risco o funcionamento pleno da democracia", diz o professor de relações internacionais Arnaldo Francisco Cardoso, da Universidade Mackenzie.
Renzi passou boa parte de 2016 prometendo abandonar o cargo em caso de derrota no referendo. Já nas semanas anteriores à votação, tentou suavizar o discurso, viu que não daria certo e voltou a dizer que se demitiria se a reforma fosse rechaçada. A postura do primeiro-ministro seria uma forma de sublinhar a importância da votação e até de facilitar a aprovação do projeto no Parlamento - o que ocorreu em abril -, mas acabou personalizando o referendo. O que antes parecia um argumento a seu favor, acabou se virando contra ele, e a oposição baseou toda a sua campanha na possibilidade de mandar Renzi para casa.
Do moderado Força Itália (FI), de Silvio Berlusconi, à ultranacionalista Liga Norte, passando pelo antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S), os principais partidos oposicionistas bateram insistentemente na tecla da renúncia e antes mesmo do referendo já falavam em eleições. Renzi ainda tentou concentrar o debate na reforma, mas em vão.
Com sua renúncia, todas as atenções se voltaram ao presidente do país, Sergio Mattarella, político experiente e ex-juiz da Corte Constitucional que se via frente ao maior desafio em quase dois anos como chefe de Estado. Pressionado pela oposição mais radical para dissolver o Parlamento e convocar eleições, Mattarella saiu em defesa das instituições e da estabilidade e deu a entender que não pretende antecipar o fim da atual legislatura, previsto para 2018.
Para isso, nomeou o discreto chanceler de Renzi, Paolo Gentiloni, como primeiro-ministro e deu a ele a tarefa de guiar o 64º governo em 70 anos de República Italiana. Ex-comunista e membro de família nobre, o novo premier tem 62 anos - 21 a mais que seu antecessor - e perfil moderado e pertence ao Partido Democrático (PD), liderado por Renzi.
Em seu primeiro discurso no Parlamento, prometeu governar enquanto tiver a confiança da Câmara e do Senado, ainda que M5S e Liga Norte prometam não lhe dar descanso enquanto o país não for às urnas. Contudo, a Itália possui hoje sistemas eleitorais diferentes para os dois ramos do Congresso, e as regras que valem para a Câmara estão sub judice na Corte Constitucional, que se pronunciará sobre o tema em 24 de janeiro.
Sendo assim, um dos maiores desafios de Gentiloni será aprovar uma lei eleitoral homogênea para as duas casas do Parlamento, que é dividido entre três forças antagônicas - centro-esquerda, centro-direita e M5S -, principalmente no Senado. Quando isso acontecer, a pressão para antecipar eleições será ainda maior, e o primeiro-ministro precisará mostrar habilidade se quiser concluir o mandato. O próprio Renzi, desde já candidato, defende convocar um pleito legislativo o mais rápido possível.
"A derrota de Renzi traz um cenário complicado porque sabemos que quem vai se beneficiar desse quadro é o Movimento 5 Estrelas. Há uma tendência de o movimento ganhar mais força na cena política italiana, o que é temeroso", afirma Cardoso. Uma das propostas do M5S é realizar um referendo sobre a permanência do país na zona do euro, algo que deixaria a União Europeia, já às voltas com a "Brexit", de cabelo em pé. Embora o partido não defenda o rompimento total com Bruxelas, um eventual risco de retorno à lira poderia ter efeitos catastróficos para o bloco.
Mais do que um membro de peso, a Itália é um dos países fundadores da UE e participou ativamente da construção política da integração europeia.
"O perigo de uma mudança da situação na Itália tem poder de abalo ainda maior do que a saída britânica do bloco", acrescenta o professor do Mackenzie. No entanto, se quiser chegar ao Palácio Chigi, o M5S terá primeiro de resolver seus problemas internos. Sua suposta vitória no referendo de 4 de dezembro foi eclipsada menos de duas semanas depois pela prisão de um dos assessores mais próximos da prefeita de Roma, Virginia Raggi, uma das estrelas do partido.
Essa sucessão de acontecimentos no último mês do ano mostra que, em termos de política italiana, convém viver um dia de cada vez.
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No último dia 4 de dezembro, 59,12% dos eleitores - 19,4 milhões de pessoas - rejeitaram uma reforma constitucional que reduzia drasticamente as funções e o tamanho do Senado e aumentava as competências de Roma em relação às 20 regiões italianas. Mais do que recusar essa concentração de poder na figura do primeiro-ministro, os cidadãos do país deram uma clara manifestação de desaprovação a Renzi.
Assim, o premier de centro-esquerda, chefe do quarto governo mais longevo da República da Itália, com 1.024 dias de duração, foi forçado a renunciar. "Esse referendo, a proposta de reforma legislativa, vinha na direção de atender a uma demanda popular por mais agilidade no legislativo. Só que o caminho apresentado por essas reformas colocava em risco o funcionamento pleno da democracia", diz o professor de relações internacionais Arnaldo Francisco Cardoso, da Universidade Mackenzie.
Renzi passou boa parte de 2016 prometendo abandonar o cargo em caso de derrota no referendo. Já nas semanas anteriores à votação, tentou suavizar o discurso, viu que não daria certo e voltou a dizer que se demitiria se a reforma fosse rechaçada. A postura do primeiro-ministro seria uma forma de sublinhar a importância da votação e até de facilitar a aprovação do projeto no Parlamento - o que ocorreu em abril -, mas acabou personalizando o referendo. O que antes parecia um argumento a seu favor, acabou se virando contra ele, e a oposição baseou toda a sua campanha na possibilidade de mandar Renzi para casa.
Do moderado Força Itália (FI), de Silvio Berlusconi, à ultranacionalista Liga Norte, passando pelo antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S), os principais partidos oposicionistas bateram insistentemente na tecla da renúncia e antes mesmo do referendo já falavam em eleições. Renzi ainda tentou concentrar o debate na reforma, mas em vão.
Com sua renúncia, todas as atenções se voltaram ao presidente do país, Sergio Mattarella, político experiente e ex-juiz da Corte Constitucional que se via frente ao maior desafio em quase dois anos como chefe de Estado. Pressionado pela oposição mais radical para dissolver o Parlamento e convocar eleições, Mattarella saiu em defesa das instituições e da estabilidade e deu a entender que não pretende antecipar o fim da atual legislatura, previsto para 2018.
Para isso, nomeou o discreto chanceler de Renzi, Paolo Gentiloni, como primeiro-ministro e deu a ele a tarefa de guiar o 64º governo em 70 anos de República Italiana. Ex-comunista e membro de família nobre, o novo premier tem 62 anos - 21 a mais que seu antecessor - e perfil moderado e pertence ao Partido Democrático (PD), liderado por Renzi.
Em seu primeiro discurso no Parlamento, prometeu governar enquanto tiver a confiança da Câmara e do Senado, ainda que M5S e Liga Norte prometam não lhe dar descanso enquanto o país não for às urnas. Contudo, a Itália possui hoje sistemas eleitorais diferentes para os dois ramos do Congresso, e as regras que valem para a Câmara estão sub judice na Corte Constitucional, que se pronunciará sobre o tema em 24 de janeiro.
Sendo assim, um dos maiores desafios de Gentiloni será aprovar uma lei eleitoral homogênea para as duas casas do Parlamento, que é dividido entre três forças antagônicas - centro-esquerda, centro-direita e M5S -, principalmente no Senado. Quando isso acontecer, a pressão para antecipar eleições será ainda maior, e o primeiro-ministro precisará mostrar habilidade se quiser concluir o mandato. O próprio Renzi, desde já candidato, defende convocar um pleito legislativo o mais rápido possível.
"A derrota de Renzi traz um cenário complicado porque sabemos que quem vai se beneficiar desse quadro é o Movimento 5 Estrelas. Há uma tendência de o movimento ganhar mais força na cena política italiana, o que é temeroso", afirma Cardoso. Uma das propostas do M5S é realizar um referendo sobre a permanência do país na zona do euro, algo que deixaria a União Europeia, já às voltas com a "Brexit", de cabelo em pé. Embora o partido não defenda o rompimento total com Bruxelas, um eventual risco de retorno à lira poderia ter efeitos catastróficos para o bloco.
Mais do que um membro de peso, a Itália é um dos países fundadores da UE e participou ativamente da construção política da integração europeia.
"O perigo de uma mudança da situação na Itália tem poder de abalo ainda maior do que a saída britânica do bloco", acrescenta o professor do Mackenzie. No entanto, se quiser chegar ao Palácio Chigi, o M5S terá primeiro de resolver seus problemas internos. Sua suposta vitória no referendo de 4 de dezembro foi eclipsada menos de duas semanas depois pela prisão de um dos assessores mais próximos da prefeita de Roma, Virginia Raggi, uma das estrelas do partido.
Essa sucessão de acontecimentos no último mês do ano mostra que, em termos de política italiana, convém viver um dia de cada vez.
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