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Entre extremos, Catar vira 'ator importante' no O. Médio

25/08/2017 08h19

SÃO PAULO, 25 AGO (ANSA) - Por Tatiana Girardi - Pequeno país encrustado na Península Arábica, o Catar vem ganhado destaque nos últimos anos seja por motivos esportivos, políticos ou de crises regionais.   

Nação com uma das maiores rendas per capita do mundo, em valor que beira a US$ 144 mil, a monarquia árabe tem apenas 2,5 milhões de habitantes e uma economia baseada em gás e petróleo - o que garante uma riqueza extraordinária. O emirado conseguiu sua independência do Reino Unido apenas em 1971 e ficou por muitos anos sendo visto como um país que atraía investidores por conta de suas riquezas minerais. "Por ser um país pequeno e politicamente estável, isso acaba deixando o Catar em uma posição privilegiada, com um investimento permanente alto onde você não tem um risco de uma turbulência política. É uma soma, na realidade, de ter muito recurso natural, um tamanho pequeno [...] e uma estabilidade política que garante que os investimentos não saiam desse país", explica o professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Guilherme Casarões.   

Com esse roteiro de estabilidade, desde 2009, Doha tem feito uma política para tentar ser mais "independente" da força da Arábia Saudita na região, colocando-se como um "protagonista" da região - e isso começou a acarretar problemas.   

No início do mês de junho, a pequena nação virou alvo de um bloqueio econômico regional de seus vizinhos, em um boicote liderado pelos sauditas e seguido por Bahrein, Egito e Emirados Árabes Unidos. Essas nações ainda cortaram suas relações diplomáticas com o país e fizeram uma série de exigências para que tudo voltasse "à normalidade".   

Entre essas "exigências", estão o fim do patrocínio financeiro "a grupos terroristas" e um rompimento total das relações de qualquer tipo com o Irã. No entanto, os argumentos para esse boicote acabam sendo uma espécie de cortina de fumaça para uma crise mais profunda e que envolve desde questões políticas, internacionais e até de briga de poder dentro do Islã. E, como era esperado, gera visões opostas sobre o que ocorre de fato na região.   

"O argumento de patrocínio de terrorismo do Catar é muito frágil se a gente olhar o histórico de patrocínio a grupos extremistas por parte da Arábia Saudita. É aquela história sobre quantos que atacaram os EUA no 11 de setembro eram sauditas, o próprio Osama bin Laden era saudita... Mas é um argumento que, nas circunstâncias atuais, serve, é conveniente até porque hoje no Oriente Médio há uma grande luta contra grupos terroristas, contra o EI por exemplo", explica Casarões.   

Já o cientista político e diretor do Instituto Brasil Israel, André Lajst, destaca que essa aproximação com grupos considerados terroristas por alguns países é um dos principais problemas. "Quando ele começa um relacionamento com o Hamas, todo mundo que considera o Hamas um grupo terrorista ou um grupo radical, começa a questionar o Catar. Então, o Egito questiona o Catar, a Arábia Saudita questiona o Catar, e o Ocidente questiona o Catar", explica Lajst.   

"O que muda no Catar é uma tendência de trazer pessoas que tenham uma identidade com a Irmandade Muçulmana, com uma visão mais religiosa e menos secular, mesmo o Catar não sendo um estado tão religioso assim. E aí começa a ter posicionamentos antagônicos com vários governos da região", acrescenta o cientista político. O professor de Direito da FGV, Salem Nasser, ainda levanta outro ponto sobre a acusação de terrorismo que, pode parecer simples, mas que é muito complexa no panorama do Oriente Médio: quem são os terroristas e aos olhos de quem.   

"Desde o começo das revoltas árabes, o Catar fez a opção de apoiar a solução fundada na Irmandade Muçulmana. Também, em determinado momento, convidou o Hamas a instalar em Doha seu escritório político, saindo da Síria. Os outros países do Golfo tinham outras opções, como os salafistas e as forças armadas como, por exemplo, no Egito. Na Síria, todos eles apoiaram diversos grupos que lutaram ou lutam contra o governo. Nesse sentido, todos poderiam estão sujeitos às mesmas acusações", destaca Nasser. Neste cenário de posturas e interesses opostos, há ainda a opção da política externa no chamado "soft power", que promove o país em diversas frentes e que acaba por "incomodar" os outros. "Você não pode dizer que a ação do Catar atrapalha os outros, cada um faz o seu jogo. Mas, a política externa ela é condicionada por um conjunto de fatores. No caso do Catar, a disponibilidade hoje desse superávit de balança comercial, das receitas de exportações de gás e petróleo, financia uma ação externa com esses objetivos. Ele tem os recursos que financiam essa ação externa, que tem um vínculo com essa ideia de modernidade", enfatiza o professor de Relações Internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Arnaldo Francisco Cardoso. Um dos exemplos de "investimento" no soft power, por exemplo, foi a recente transferência do atacante brasileiro Neymar para o Paris Saint-Germain (PSG), que é gerido por um empresário do Catar, e, anos atrás, a "conquista" para sediar a Copa do Mundo de 2022. Mas, o uso desse poder não fica apenas na esfera esportiva. Há anos o Catar vem investindo em universidades e em pesquisas nos Estados Unidos e na Europa.   

"Hoje o Catar tem o investimento em universidades extremamente prestigiosas. Por exemplo, nos EUA, investem na Universidade de Georgetown. E se você fala em educação, em esporte, são imagens positivas", destaca ainda Cardoso. Lajst segua a mesma linha e ressalta que "essa entrada no meio esportivo, cultural, empresarial, a compra de grandes empresas, a compra da Catar Airlines, que é uma companhia considerada muito chique, isso é tudo um pouco de soft power, que eles compram para entrar e mostrar que é um grande reinado com muito dinheiro. Mas, o que acontece lá, é tudo que eles criticam nos países ocidentais e árabes, o que também é grave". (CONTINUA)
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