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Especialistas veem 'esgotamento' criativo em obras de Niemeyer

REUTERS/Ueslei Marcelino
Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino

06/12/2012 06h18

Especialistas em arquitetura contemporânea são unânimes em dizer que Oscar Niemeyer foi o grande nome da arquitetura brasileira no século 20. Mas muitos lamentam que os trabalhos mais recentes do arquiteto tenham sido ofuscados pela repetição de uma fórmula esgotada.

"Oscar Niemeyer foi um dos grandes 'inventores' da arquitetura e, por isso, qualquer obra dele pode ser imediatamente identificada por quem a vê", diz o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) Rodrigo Queiroz.

"Por isso, qualquer tentativa de fazer obras ao estilo dele acabam resultando em caricaturas", acrescenta o acadêmico, cujos temas de mestrado e doutorado foram o trabalho de Niemeyer.

Para Paulo Bruna, professor titular de história da arquitetura da FAU, Niemeyer deixa um legado muito complexo. Ele observa que o arquiteto teve um "período brilhante" de trabalho, principalmente entre meados dos anos 1940 e o início da construção de Brasília.

"Niemeyer foi um trabalhador fantástico, que fez obras muito interessantes a partir de 1946", afirma. "Sozinho, ele conseguiu criar características arquitetônicas e de estilo que até hoje têm muita influência na formação de arquitetos no Brasil."

Críticas

Apesar do status de "gênio" que Niemeyer alcançou, Bruna conta que era estudante de arquitetura na FAU quando Brasília estava sendo construída e que já naquela época as obras chegaram a receber algumas críticas.

"Alguns edifícios de Brasília, como o prédio do Ministério das Relações Exteriores, são fenomenais, mas me lembro de diversas palestras de arquitetos estrangeiros na FAU (no fim dos anos 1950 e início dos ano 1960) que criticavam a exorbitância e o exagero das obras", recorda.


Em seus trabalhos mais recentes, Niemeyer também despertou observações menos elogiosas.


"Os princípios modernistas que guiaram as criações de Niemeyer levavam em consideração muito mais os critérios estéticos do que a funcionalidade", avalia Rodrigo Queiroz. "É um princípio que já não desperta mais nenhum interesse na arquitetura de hoje."

"Hoje existe uma 'marca Niemeyer' na arquitetura, tanto que quase todas (suas obras recentes) são encomendas de memoriais ou homenagens sem grande função prática", acrescenta. "O que muitas autoridades e empresas querem é apenas ter uma obra de um dos grandes arquitetos da história recente, não importando muito para quê."

Um dos projetos recentes de Niemeyer que mais sofreram críticas é o novo centro administrativo do governo de Minas Gerais, encomendado pelo ex-governador Aécio Neves e construído nos arredores de Belo Horizonte.

"O gigantesco centro administrativo em Belo Horizonte é um bom exemplo de obras que não acrescentam nada de muito novo ou positivo à obra de Niemeyer", diz Paulo Bruna.

Ideologia e integração

Para o professor de história da arquitetura, a discussão ilustra o que ele considera uma "contradição ideológica" no trabalho de Niemeyer.

"Embora Niemeyer seja um militante comunista histórico no Brasil, quase todas os seu trabalhos são obras gigantescas encomendadas pelo Estado", diz Paulo Bruna. "Parece, para mim, que existe uma contradição grande aí."

Rodrigo Queiroz observa, no entanto, que Niemeyer sempre deixou claro que não acreditava na arquitetura como instrumento de justiça social.

"É verdade que Niemeyer nunca projetou, por exemplo, um conjunto de habitação popular. Mas, ao mesmo tempo, o Edifício Copan (no centro de São Paulo) é um exemplo perfeito de arquitetura social", diz o professor da FAU.

"O andar térreo é completamente integrado à cidade e há seis diferentes tipos de unidades habitacionais lá dentro, misturando todas as classes sociais", acrescenta.

Queiroz afirma também que as obras de Niemeyer trouxeram uma nova maneira de trabalhar a integração da arquitetura ao ambiente. "Os projetos dele passam a fazer parte do horizonte", diz o estudioso. "Não são apenas objetos colocados no chão."