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Jovem de 24 anos morreu um mês após chegar a Pedrinhas, no Maranhão

13/01/2014 06h20

Quando a assistente social disse pelo telefone que tinha uma notícia para lhe dar, Concita Ferreira não deixou que ela fosse adiante: largou o celular e, sem se despedir da amiga que visitava, saiu correndo para a rua.

Desorientada e ofegante, a dona de casa foi encontrada depois pela mesma amiga. Esta portava o aparelho abandonado e a informação que, àquela altura, já correra o bairro de Fátima, em São Luís.


"Mataram o Juju", ela disse, envolvendo-a em seus braços.

Juju, ou Joarlison Paulo Neves Ferreira, era o filho caçula de Concita. Tinha 24 anos quando, em maio de 2013, foi encontrado estrangulado dentro da cela que dividia com outros dez detentos no Centro de Custódia de Presos de Justiça (CCPJ) do complexo penitenciário de Pedrinhas.

A unidade, a maior de São Luís, foi alçada à fama neste ano pela divulgação de um vídeo que mostra corpos decapitados numa de suas prisões.

Ferreira foi um dos 62 presos que, segundo a ONG Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, morreram em Pedrinhas desde 2013. Desde 2007, a organização diz que houve 173 mortes no presídio.

Concita recebeu a BBC Brasil na casa de parentes, no mesmo bairro em que soube da morte do filho. Vestia uma camiseta estampada com um retrato do caçula, envolto por um coração azul. Acima, a palavra "saudades".

O jovem, negro, posava sempre sorridente nas fotos. Embora alto, tinha a aparência de um adolescente. Usava brinco, pulseira e colar prateados.

Gostava de jogar futebol e de andar de moto, segundo a mãe.

Dois meses até a liberdade

Ferreira fora preso um ano e três meses antes de sua morte em Uberaba, no interior de Minas, por tráfico de drogas. Levado a São Luís para participar de duas audiências judiciais, deveria ficar em Pedrinhas pouco mais de um mês.


Depois, diz a mãe, voltaria a Uberaba e passaria só mais dois meses preso até ganhar a liberdade. "Ele não via a hora de sair, sentia muita falta dos filhos", conta Concita. Ferreira era pai de cinco crianças, que hoje têm entre 4 e 7 anos.

A mãe torcia para que o desejo de conviver com os meninos encorajasse o filho a "desistir do crime". Alguns anos após deixar os estudos ainda na sétima série, conta ela, o caçula se cansou de procurar emprego e passou a vender drogas, ignorando os apelos maternos.

No dia da sua última audiência em São Luís e na véspera do regresso a Uberaba, porém, Concita diz que seu caçula "amanheceu morto".

Ela diz que o filho estava com as mãos quebradas e tinha hematomas no rosto - sinais de que fora torturado ou de que tentara resistir ao ataque.

Concita afirma que o assassino de seu filho jamais foi identificado. "Queria muito saber quem fez."

Como compensação pela morte, diz que o Estado lhe deu um caixão - e nada mais. "Até o formol tive que pagar do meu bolso".

 

Bolachas e suco

A mãe tampouco soube o motivo do assassinato de seu filho. Segundo ela, o diretor do presídio lhe contou que Ferreira não tinha problemas com outros presos nem com agentes carcerários e que, portanto, a ordem para matá-lo provavelmente partira de fora dali.


Entre os detentos, conta ela, outras versões circulavam. A principal dava conta de que Ferreira não respeitara a ordem de uma facção criminosa para isolar um detento ao compartilhar com ele bolachas e suco - por quebrar a monotonia das quentinhas servidas na cadeia, esses itens, fornecidos pelas famílias dos presos, são tidos ali como iguarias.

Preso diz que transferências podem gerar mais ataques


Para Concita, porém, a administração do presídio foi a maior responsável pela morte. "Ele veio de outro Estado, não era para ficar misturado com os outros presos".

Ainda que tivesse crescido em São Luís, Ferreira já não vivia ali fazia alguns anos. E num presídio rachado entre gangues rivais e regido por códigos intrincados, detentos de outras cidades ou regiões se tornam especialmente vulneráveis.

Aconselhada por uma conhecida, Concita diz ter procurado um advogado para buscar uma indenização do Estado à família. Sua maior preocupação, diz ela, são os cinco órfãos deixados pelo filho - cada um de uma mãe diferente.

Os contatos, porém, não avançaram.

 

Órfão

Rafael Custódio, advogado da ONG Conectas, diz que a Constituição ampara a noção de que o Estado deve indenizar famílias de pessoas mortas em prisões, ainda que o tema jamais tenha sido regulamentado por lei.

"A Constituição estabelece que a tutela do preso é responsabilidade do Estado e, a partir do momento em que o preso é morto no presídio, imediatamente há o direito à indenização, porque o Estado falhou no que tem que fazer", diz Custódio.

A Conectas acompanhou processos judiciais em que a Justiça determinou que famílias de menores mortos na antiga Febem (hoje Fundação CASA, autarquia do governo de São Paulo vinculada à Secretaria estadual de Justiça) recebessem indenização de cerca de R$ 100 mil cada.

Para Custódio, há bases para que os mesmos princípios e valores se apliquem aos parentes de mortos em Pedrinhas ou em qualquer outro presídio brasileiro.

Entre organizações que monitoram o sistema carcerário maranhense, porém, desconhecem-se casos de indenizações a famílias de detentos mortos.

Agora, um grupo de parentes de presos de Pedrinhas se organiza para reverter o quadro. Com o apoio da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, eles pretendem contatar todas as famílias de pessoas mortas no presídio para ajudá-las a cobrar indenizações ao Estado e facilitar seu acesso a psicólogos.

Sentada na sala diante de um calendário que montou com as fotos do filho, Concita lembra o momento mais difícil por que passou desde a morte do caçula.

Há alguns meses, conta ela, seu neto de quatro anos - o órfão mais novo de Ferreira - se aproximou devagarinho. Ele perguntou à avó "por que mataram o pai dele, se o pai dele era tão bom".

Concita baixa os olhos e silencia por um longo instante. "É difícil".