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Como um Congresso de oposição afeta o governo Obama?

Alessandra Corrêa

De Winston-Salem (EUA) para a BBC Brasil

05/11/2014 06h32

Com a conquista da maioria no Senado nas eleições legislativas desta terça-feira (4), o Partido Republicano passa a ter controle total do Congresso e deve tornar ainda mais difíceis os dois anos finais do democrata Barack Obama na Casa Branca.

Beneficiados pela baixa popularidade enfrentada por Obama, os republicanos conseguiram tirar Estados importantes das mãos dos democratas, ganhando o controle do Senado pela primeira vez desde 2006.

O Senado americano tem cem cadeiras. Destas, 36 estavam em jogo neste pleito. Para obter maioria, os republicanos precisavam ampliar sua bancada de 45 para no mínimo 51 senadores.

Mesmo sem os números finais, já que a disputa na Louisiana foi para o segundo turno -programado para 6 de dezembro-, já está claro que o Partido Republicano ultrapassou o mínimo necessário.

Os republicanos também ampliaram a maioria que já tinham na Câmara dos Representantes (equivalente a deputados federais), controlada pelo partido desde 2011.

O resultado, com a divisão entre republicanos no Congresso e democratas na Casa Branca, deve aprofundar ainda mais a polarização que já paralisa Washington.

"O último Congresso foi o que menos legislou em toda a história moderna dos Estados Unidos, realizando virtualmente nada", observa Allan Lichtman, professor de História na American University, em Washington.


"Então é pouco provável que haja qualquer mudança. Nada de importante sairá de um governo dividido", prevê.

 

Mudanças

Lichtman lembra que a divisão entre Casa Branca e Congresso não é inédita. "Foi o que Bill Clinton (democrata) enfrentou durante a maior parte de sua Presidência. Ronald Reagan, republicano, encarou um Congresso democrata durante parte de seu mandato", recorda.

O próprio Obama já vinha convivendo com uma Câmara republicana nos últimos quatro anos, que se opôs a quase todas as iniciativas do Executivo, inviabilizando a aprovação de medidas como a reforma nas leis de imigração ou aumento no controle da venda de armas.

Com a nova configuração, analistas preveem mais dificuldades para o presidente.

"Será muito mais difícil para Obama aprovar nomeações para cargos no Judiciário e para alguns postos em seu governo que precisam passar pelo Senado", diz o cientista político John Fortier, diretor do núcleo Democracy Project, do centro de estudos Bipartisan Policy Center, em Washington.

Ainda na terça-feira à noite, o presidente convidou os líderes dos dois partidos do Congresso para uma reunião na Casa Branca na sexta-feira a fim de discutir o relacionamento entre os dois Poderes a partir da próxima legislatura.

Para Lichtman, Obama já sinalizou que pretende recorrer a ordens executivas para contornar obstruções e conseguir levar adiante algumas de suas iniciativas. "O perigo é que, se os republicanos ganharem a Presidência em 2016, podem derrubá-las", diz.

Lichtman afirma que a única área em que pode haver alguma mudança mais significativa com um Senado republicano é na reforma das leis de imigração.

"Os republicanos têm resistido à reforma, mas haverá pressão política para que façam algo sobre o tema, porque não vão querer perder votos dos hispânicos nas eleições de 2016", diz.

"Ironicamente, acho que há maior possibilidade de haver reforma com os republicanos no controle das duas Casas do Congresso."

Ambos os analistas ressaltam, porém, que não haverá mudanças dramáticas em Washington. "Já temos um governo dividido", resume Fortier.

Popularidade em baixa

Uma das explicações para a conquista republicana é histórica. Tradicionalmente, nas eleições legislativas realizadas no meio do segundo mandato de um presidente, como é o caso desta, o partido opositor ao do ocupante da Casa Branca leva vantagem.

"As eleições de meio de mandato tendem a ir contra o partido que está na Casa Branca. Nós nunca estimamos que o partido do presidente ganhe mais cadeiras. Calculamos que perca", afirma Fortier.

Como nos Estados Unidos o voto não é obrigatório, também pesa o fato de que apenas cerca de 40% dos eleitores costumam votar nessas eleições, em que não está em jogo a Presidência. Esses eleitores costumam ser mais velhos e brancos, perfil mais identificado com o partido republicano.

Jovens e minorias, que costumam apoiar os democratas, geralmente preferem ficar em casa nas eleições legislativas.

No entanto, um dos principais motivos para o fraco desempenho dos candidatos democratas parece ter sido a baixa popularidade enfrentada por Obama, que tem taxa de aprovação de somente 40%.

Os americanos culpam Obama pelas dificuldades de uma recuperação econômica ainda cambaleante. Segundo pesquisas de boca de urna, apesar dos sinais recentes de melhora na economia do país, a visão do eleitorado sobre o tema permanece pessimista.

A imagem de Obama foi prejudicada ainda pelas falhas na implantação do chamado Obamacare, seu programa de saúde. Além disso, temas que preocupam o eleitorado, como a ameaça do Estado Islâmico e o avanço do ebola, também acabam tendo impacto negativo sobre a popularidade do presidente.

"Os americanos esperam que seu governo faça tudo por eles. Se as coisas não estão perfeitas, a culpa é do presidente", diz Lichtman.

"Há esse enorme paradoxo. As pessoas odeiam seu governo, acreditam em menos governo, responsabilidade individual, mas ainda assim esperam que seu governo faça tudo por elas."

Nesse cenário de hostilidade, muitos democratas preferiram se distanciar do presidente durante a campanha, para evitar o risco de contaminação pelo descontentamento popular.

Os republicanos, por sua vez, transformaram a campanha em um referendo sobre o governo Obama, criticando sua atuação em temas como a ameaça do Estado Islâmico e o avanço do ebola e afirmando que os problemas são prova de que os democratas não sabem governar.

Divisões internas

Mas apesar de terem saído vitoriosos nas urnas, os republicanos também não contam com tanta simpatia dos americanos.

Segundo pesquisa de boca de urna, 80% dos americanos dizem desaprovar a atuação do Congresso.

Os republicanos também enfrentam uma profunda divisão interna, que opõe alas mais moderadas aos políticos apoiados pelo movimento conservador Tea Party, que costumam adotar posições mais de extrema direita.

Segundo Fortier, há pelo menos três senadores republicanos que podem concorrer à Presidência: Ted Cruz, Rand Paul e Marco Rubio. O analista espera que eles dificultem ainda mais a vida do presidente Obama, usando seu poder de obstrução a medidas propostas pelo presidente como estratégia para se destacar.

Ambos os analistas afirmam, porém, que ainda é muito cedo para medir o impacto da vitória desta terça-feira sobre as eleições presidenciais de 2016.