Petróleo e Cuba ajudam EUA a retomar protagonismo na América Latina
Três meses após assumir a Presidência dos Estados Unidos, Barack Obama afirmou, em sua primeira Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago, que inauguraria um novo capítulo nas relações entre seu país e a América Latina.
Seis anos depois e encerrada no sábado (11) a primeira edição da cúpula com a presença de Cuba, no Panamá, Obama parece mais próximo de cumprir o objetivo, segundo analistas e diplomatas.
Eles afirmam que a reaproximação entre Washington e Havana, que culminou, no sábado, na primeira reunião entre os presidentes norte-americano e cubano em mais de meio século, esfriou uma das principais contendas entre os Estados Unidos e nações latino-americanas.
Na mesma semana, a Casa Branca ainda consolidou acordos que fortalecem sua posição na América Central e no Caribe e, ao anunciar a visita de Dilma Rousseff a Washington em 30 de junho, afastou a crise com a segunda maior economia das Américas, o Brasil.
Embora avaliem que Obama mereça créditos pelos feitos, especialistas afirmam que seus gestos foram facilitados por mudanças no cenário econômico das Américas: enquanto Brasil e Venezuela enfrentam problemas na economia e reduzem suas operações na vizinhança, os Estados Unidos voltam a crescer e ganham mais tração para atuar na região.
Efeitos em cadeia
Presidente do Inter-American Dialogue, um centro de pesquisas e debates em Washington, Michael Shifter diz que a retomada do diálogo entre Cuba e Estados Unidos ajudará a melhorar as relações do governo norte-americano com a maior parte da América Latina.
"Por décadas, a questão cubana foi bastante problemática, causando muito desgaste nos assuntos interamericanos", diz Shifter, que acompanhou o evento no Panamá.
Especulava-se que Obama pudesse anunciar na cúpula a retirada de Cuba da lista norte-americana de Estados patrocinadores do terrorismo, o que não ocorreu. Mesmo assim, os afagos trocados entre o norte-americano e o líder cubano, Raúl Castro, ao longo do encontro, sinalizam que os dois estão empenhados em aproximar seus países.
Shifter afirma, porém, que a mudança na política norte-americana para Cuba "não significa que a relação de Washington com a região será livre de tensões e desconfiança". "Suspeitas e ressentimentos antigos não desaparecem da noite para o dia."
Na cúpula, muitos líderes esquerdistas --entre os quais Nicolás Maduro (Venezuela), Rafael Correa (Equador) e Daniel Ortega (Nicarágua)-- celebraram a presença de Cuba no evento, mas fizeram duros discursos contra os Estados Unidos, destacando seu histórico de intervenções na região.
O maior alvo das críticas, endossadas inclusive por líderes mais moderados, como Dilma e Juan Manuel Santos (Colômbia), foram as sanções que Washington aplicou no mês passado a sete autoridades venezuelanas. Segundo o governo norte-americano, os funcionários sancionados violaram direitos humanos.
Shifter diz que criticar os Estados Unidos em eventos como esse ainda rende dividendos políticos a líderes latino-americanos, e que o tema venezuelano mostra que ainda há muitas diferenças entre Washington e a América Latina. Ele diz acreditar, no entanto, que o acerto com Cuba deve ajudar a diminuir essas diferenças.
Queda no petróleo
Analistas avaliam que os ganhos norte-americanos na vizinhança também refletem a queda nos preços do petróleo e seus impactos na Venezuela, um dos seus maiores desafetos na região.
Dona das maiores reservas petrolíferas do mundo e valendo-se dos altos preços da matéria-prima na última década, Caracas forjou uma aliança com vizinhos caribenhos, entre os quais Cuba, baseada na venda subsidiada do bem.
Em 2013, essa aliança, batizada de Petrocaribe, se associou à Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), bloco fundado uma década antes pelo então presidente venezuelano Hugo Chávez e que se tornara o principal bastião antiamericano da região.
A drástica queda no preço do petróleo nos últimos dez meses, porém, afetou a assistência venezuelana aos vizinhos e fragilizou a lealdade deles ao projeto político de Caracas, diz Ted Piccone, analista da Brookings Institution, em Washington.
Em artigo publicado em fevereiro, ele diz que a crise na Venezuela facilitou a reaproximação entre Cuba e Estados Unidos ao forçar Havana a buscar alternativas a sua aliança econômica com Caracas. A Venezuela vende a Cuba cerca de 100 mil barris de petróleo ao dia por preços preferenciais.
Segundo um relatório do Banco Barclays, o colapso econômico na Venezuela também tem afetado o envio de petróleo subsidiado a outras nações caribenhas.
Atentos ao cenário, os Estados Unidos mexem suas peças. Em janeiro, o vice-presidente norte-americano recebeu líderes caribenhos em Washington para discutir segurança energética. E na véspera da cúpula no Panamá, Obama anunciou na Jamaica programas para financiar e transferir tecnologias em energia limpa e reduzir a dependência por combustíveis fósseis entre países da região.
Além de minar a "diplomacia petroleira" de Caracas, a iniciativa se alinha com uma das principais bandeiras do presidente norte-americano: a necessidade de combater as mudanças climáticas e privilegiar fontes de energia limpa.
Acredita-se ainda que o fraco desempenho da economia brasileira nos últimos anos e a desaceleração na China tenha facilitado a superação das diferenças entre Brasília e Washington, causadas pelas denúncias de que Dilma fora espionada pela agência de segurança norte-americana.
O episódio fez com que Dilma cancelasse uma visita que faria aos Estados Unidos em 2013, agora reagendada para o fim de junho de 2015. Entre empresários brasileiros, vinham crescendo as cobranças para que o país se virasse para os Estados Unidos para voltar a crescer.
O governo brasileiro chegou a condicionar a remarcação da visita a um pedido de desculpas da Casa Branca, mas acabou cedendo na posição.
Mudanças demográficas
Segundo um diplomata brasileiro nos Estados Unidos, a mudança da política norte-americana para a região reflete ainda mudanças demográficas no país.
Há 50 anos, havia poucos milhões de hispânicos ou latinos nos Estados Unidos. Por causa da imigração e de taxas de natalidade acima da média, o grupo hoje soma 57 milhões, ou 17% da população total. E o número deve continuar a crescer.
Esse movimento interno, diz o diplomata, força os Estados Unidos a olhar mais para a América Latina, apesar de preocupações mais urgentes no Oriente Médio, na China e no Chifre da África.
Outra transformação demográfica que favorece a nova postura da Casa Branca, diz ele, é o envelhecimento da geração de cubanos que migraram para os Estados Unidos e tradicionalmente defende uma linha dura contra Havana para forçar uma mudança de governo.
Essa visão, que influenciou gerações de políticos norte-americanos, tem dado lugar às posições mais conciliatórias adotadas por cubano-americanos mais jovens e imigrantes latinos em geral.
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