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Padre católico relata vida sob cativeiro do Estado Islâmico

01/11/2015 15h26

Um padre católico sírio que foi sequestrado e ameaçado de morte pelo grupo que se autodenomina Estado Islâmico escapou após três meses sob o domínio dos extremistas e relatou à BBC o que viveu nesse período.

Jack Murad fora capturado em maio, na cidade síria de al-Qaryatain, junto com Botros Hannah, um voluntário do antigo Monastério de Mar de San Elián.

O padre conta que teve os olhos vendados e as mãos amarradas e que o colocaram em um carro que acelerou rumo a um lugar desconhecido nas montanhas ao redor de Qaryatain.

Depois de quatro dias, voltaram a vendar seus olhos e amarrar suas mãos e mais uma vez o levaram para uma viagem, só que desta vez para um destino mais distante.

Eles acabaram em uma cela em algum lugar em Raqqa, bastião do EI, onde foram mantidos por 84 dias. O padre conta que foram bem alimentados, receberam tratamento médico e que nunca foram torturados.

No entanto, Murad e Hannah ouviram com frequência que eram "infiéis" e estavam "longe da verdadeira religião" do Islã e, particularmente, da "interpretação do Estado Islâmico sobre o Islã".

Mas o padre afirma que, apesar disso, os carcereiros pareciam ter curiosidade sobre suas crenças cristãs.

"Perguntavam para mim sobre teologia, Deus, a Santíssima Trindade, Cristo e a Crucificação"; disse.

Murad achava inútil responder. "De que servirá debater com alguém que te coloca na prisão e te aponta uma arma na cabeça?", questiona. "Quando me forçavam a responder, eu dizia: 'Não estou preparado para mudar minha religião'."

Ameaça de morte

Os extremistas que Murad conheceu assustavam os prisioneiros dizendo que os matariam se eles se recusassem à conversão ao islã.

"Para eles, a minha fé e o fato de eu me recusar a me converter era a morte. Para nos assustar, eles descreviam com detalhes como morreríamos. Eles são realmente talentosos para usar as palavras e as imagens para te aterrorizar", recorda o padre.

Ele conta que achava que realmente iriam decapitá-lo.

"No 84º dia que eu estava ali, chegou um deles e nos disse: 'Os cristãos de Qaryatain estão nos incomodando por causa de vocês e os querem de volta, então vamos, movam-se'."

"Passamos por Palmira e Sawwaneh (na Síria), depois o carro desapareceu em um túnel. Tiraram-nos do carro e um deles me tomou pelas mãos diante de uma porta enorme de ferro. Quando ele a abriu, vi dois homens da minha paróquia ali parados."

Murad abraçou os dois e depois virou a cabeça e viu todos os que estavam ali detidos. "Todos os cristãos de Qaryatain, toda a minha paróquia, meus filhos, estavam ali. Fiquei emocionado. Todos se aproximaram e me abraçaram."

No período em que Murad havia estado preso pelo EI, toda a cidade de al-Qaryatain foi tomada pelo grupo extremista. Todos ficaram detidos por mais 20 dias.

Finalmente, no dia 31 de agosto, o padre Murad foi convocado para se apresentar diante de vários clérigos do EI.

Eles queriam lhe contar que o líder do grupo, Abu Bakr al Baghdadi, havia tomado uma decisão sobre os cristãos de Qaryatain.

Entre as opções apresentadas estavam planos de assassinar os homens e escravizar as mulheres.

Em vez disso, porém, o líder do EI escolheu dar aos cristãos "o direito de viver como cidadãos em território controlado pelo Estado Islâmico", o que significava deixá-los voltar para suas terras em troca da proteção condicional do grupo.

"Terra de blasfêmia"

Murad respondeu a tudo o que perguntaram sobre a igrejas e o monastério de Qaryatain, mas optou por não falar sobre a tumba de San Elian, com a esperança de que pudesse salvá-la da destruição. Mas era difícil enganar os extremistas do EI.

"Eles sabem tudo, cada detalhe. Nós tendemos a pensar que eles são beduínos incultos. Mas, na verdade, é exatamente o contrário. Eles são inteligentes, educados, têm graduação universitária e são meticulosos no planejamento", afirma o padre.

No tempo que ele ficou preso, o monastério foi confiscado pelo EI como "espólio de guerra" durante a batalha pelo controle de Qaryatain e acabou destruído. Os clérigos do grupo extremista leram os termos do acordo entre os cristãos da cidade e o "Estado Islâmico".

Pelo acordo, os cristãos podiam viajar a qualquer lugar dentro do território do EI até Mossul, mas não a Homs ou Mahin (duas cidades próximas a Mossul, mas fora do controle do grupo), "porque para eles aquilo era a terra da blasfêmia".

Ainda assim, Murad conseguiu fugir do território controlado pelo EI. Botros Hanna, o voluntário, também escapou.

"Aquela área agora é um campo de batalha. De um lado, vem sofrendo com ataques aéreos. Do outro, não nos sentimos seguros em Qaryatain. Senti que quanto mais permanecesse ali, mais as pessoas ficariam. Então decidi fugir para encorajar os outros a fazer o mesmo".

Mas nem todos seguiram os passos do religioso.

"Na verdade, muitos decidiram ficar porque não têm para onde ir. Alguns não aceitam a ideia de ficarem desabrigados e preferem morrer na própria casa. Outros estão convencidos de que o EI, com quem têm um acordo, vai protegê-los".

Murad diz que ainda há cerca de 160 cristãos em Qaryatain.

"Eles ficaram porque quiseram. Pedimos a Deus para protegê-los porque nossa cidade é um campo de batalha perigoso. Não há abrigo, nenhum lugar é seguro".