De zika à paz com as Farc: o que está em jogo no megaencontro de líderes latino-americanos
Mais de 20 presidentes e primeiros-ministros e 33 delegações nacionais participam nesta quarta-feira da 4ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em Quito, no Equador.
O encontro, que conta com a participação da presidente brasileira, Dilma Rousseff, ocorre em momento delicado para a América Latina em razão da desaceleração econômica da região.Incertezas políticas em países como Brasil, Venezuela e Haiti também são fonte de preocupação, bem como o avanço do vírus zika no continente.
O principal desafio dos países do grupo é encontrar uma "voz comum", já que todas as decisões são tomadas por consenso. Os 33 Estados-membros da Celac têm realidades distintas e são politicamente heterogêneos. Este ano, ainda há o risco de a recente troca de farpas entre os governos venezuelano e argentino roubar a cena do encontro.
Abaixo, confira cinco pontos que explicam o que está em jogo nessa cúpula:
1) Zika vírus
Após reunir-se com o presidente equatoriano, Rafael Correa, nesta terça-feira, Dilma admitiu que o zika é um problema continental e prometeu empenho do Brasil na busca por uma vacina.
"Nós todos, desta região do mundo, estamos preocupados com o zika vírus. O presidente Rafael Correa, o presidente da Colômbia, todos estamos", afirmou a presidente.
"Agora no Brasil vamos iniciar um verdadeiro combate ao vírus da zika. Se ainda hoje não temos uma vacina, temos certeza de que iremos ter, mas vai levar um tempo. A melhor vacina é o combate de cada um de nós, do governo, mas também da sociedade."
A cooperação no combate ao vírus não está na agenda oficial do evento. Ministros e autoridades de saúde também não participam do encontro.No entanto, segundo afirmou à BBC Brasil uma fonte ligada ao Itamaraty, "nada impede que um dos presidentes levante o tema, já que ele está ganhando importância na região".Nesta semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) disse ser "provável que o vírus zika se estenda por todos os países do continente americano".
2) Crise econômica
A economia de alguns países da região sofre com a queda dos preços das commodities e o desaquecimento chinês.
Grandes produtores de petróleo, como Venezuela e Equador, também passam por dificuldades econômicas pela queda do preço do produto no mercado internacional.
Originalmente, a Celac foi criada para ser um mecanismo de coordenação política.
Para ajudar os países da região a superar problemas econômicos, porém, há quem defenda uma expansão da agenda do grupo para temas como integração, comércio e investimentos.
"O Brasil não consegue restabelecer condições sustentáveis de crescimento nesse contexto internacional sem o crescimento dos demais países da América Latina", disse Dilma.
Um passo rumo à ampliação da pauta do grupo foi a realização, em 2015, do fórum Celac-China, em Pequim, com o objetivo de atrair investimentos chineses para a região. Também foi realizada no ano passado a primeira reunião com a União Europeia.
A crise econômica será o tema de fundo e não deverá ficar de fora dos debates do encontro este ano. Há dúvidas, porém, sobre a capacidade dos países-membros da Celac de chegar a consensos sobre respostas práticas ao problema.
"O que podemos fazer e estamos fazendo (na Celac) é discutir a situação no mundo hoje e criar, estreitar mecanismos de cooperação que nos ajudem a desenvolver e superar as crises", disse o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, que acompanha a presidente no encontro.
"O objetivo da Celac não é criar mercados e exportar nem promover exportações, mas criar consensos e desenvolver a cooperação."
3) Desarmamento na Colômbia
A pedido da Colômbia, o Conselho de Segurança da ONU aprovou nesta semana o envio de uma missão de paz para supervisionar o cessar-fogo com a guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Também ficou estabelecido que essa missão será formada por especialistas dos Estados-membros da Celac. É possível que a reunião desta quarta-feira defina prazos e a configuração da missão.
O subsecretário-geral do Itamaraty para América Latina, Paulo Estivallet, disse que o Brasil é um dos países dispostos a colaborar.
"Haverá necessidade de verificação de desarmamento, o que requer tropas ou policiais em condições de fazer isso", afirmou Estivallet em entrevista coletiva sobre os temas que devem dominar a Celac.
"E uma coisa que o Brasil vem fazendo há muito tempo é colaborar com a desminagem (do território colombiano)."
4) Pobreza e desigualdade
Evitar que a crise econômica cause aumento da pobreza e da desigualdade na região é um dos desafios comuns dos países latino-americanos.
"Precisamos de cooperação regional para sempre melhorar as condições de vida de nossos povos", disse Dilma.
O encontro pode criar um ambiente que favoreça o avanço de iniciativas pontuais de colaboração entre países na área social.A Colômbia, por exemplo, tem procurado conhecer os programas de financiamento à agricultura familiar desenvolvidos pelo Brasil.
Há divergências, porém, sobre o que é possível fazer conjuntamente nessa área.
O governo equatoriano pressiona pela aprovação do que classifica como Agenda 2020, plano de ação com metas para erradicação da pobreza extrema e redução de desigualdades sociais, entre outros pontos.
Na visão de alguns países, porém, a proposta pode ser redundante em relação à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, que também inclui objetivos nessas áreas.
"Estamos discutindo o que fazer para não haver uma multiplicação de fóruns. Existe uma Agenda 2030 das Nações Unidas. Não faz sentido criar padrões próprios para a região e mecanismos específicos. Vamos aproveitar o que existe e trazer para o nosso convívio", disse uma fonte ligada ao governo brasileiro.
ublicamente, Dilma elogiou a iniciativa do Equador ao discursar ao lado de Correa.
"O fato de estar aqui (...) também é um reconhecimento da importância que o Brasil atribui esse ano a essa Agenda 2020 que o presidente Correa apresentou", disse.
5) Crise venezuelana
A crise política venezuelana é um dos temas que mais podem motivar polêmica na Cúpula - há quem defenda que, diante da falta de consenso, o ideal é que ele seja evitado.
Alguns membros da Celac são favoráveis à não-interferência em assuntos internos venezuelanos - entre eles Equador e Bolívia.
Outros, como o Brasil, preferem que o tema seja abordado de forma sutil, para que países e fóruns regionais não percam o papel de mediação junto ao governo e a oposição venezuelana.
Um terceiro grupo, liderado pelo presidente da Argentina, Maurício Macri, defende uma pressão forte e direta sobre Caracas. O grupo critica o governo venezuelano pela manutenção de presos políticos e por medidas que minariam instituições democráticas do país para contornar o fato de a oposição ter conseguido maioria no Legislativo nas últimas eleições.
Na última reunião do Mercosul, no Paraguai, Macri exigiu que o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, liberte opositores presos, batendo de frente com a chanceler da Venezuela, Delcy Rodríguez, que o acusou de "ingerência política".
No sábado, ao confirmar sua presença na Celac, Maduro disse que pretendia ir "com tudo" contra o governo argentino e seus colegas "de direita" na região.
Como o mandatário argentino cancelou sua participação em Quito alegando motivos médicos - ele fraturou uma costela em um acidente doméstico - evitou-se um confronto direto. O tema, porém, deve ser tratado nos bastidores. E há sempre o risco de um discurso mais explosivo do lado venezuelano ou argentino roubar a cena.
"A Celac existe para criar consensos e acho que os temas são todos debatidos com muita clareza e espontaneidade, mas tenho certeza que o objetivo maior, que é a integração, vai se sobrepor a qualquer diferença", disse Vieira.
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