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Ex-assessor da Casa Branca diz que Lava Jato precisará de ponto final: 'Será necessário perdoar os que erraram'

João Fellet - @joaofellet - Da BBC Brasil em Washington

23/03/2016 23h43

Os mesmos argumentos legais que levaram os Estados Unidos a punir dirigentes da Fifa por atos de corrupção praticados em outros países deverão ser usados pelo governo americano para processar empresas brasileiras condenadas na Operação Lava Jato, diz o ex-assessor da Casa Branca Joel Velasco.

Em entrevista à BBC Brasil, Velasco - que trabalhou com o ex-vice-presidente Al Gore e serviu como conselheiro sênior na embaixada americana no Brasil no governo Bill Clinton - afirma que a operação brasileira representa um caso sem precedentes para autoridades dos Estados Unidos.

Procuradores brasileiros e americanos têm trocado informações sobre a Lava Jato há algum tempo e, por enquanto, sabe-se que o Departamento de Justiça dos EUA investiga o papel da Petrobras no escândalo.

Mas Velasco também defende um ponto polêmico: que, em algum momento, coloque-se um "ponto final" nas investigações da Lava Jato.

"Assim como no fim da ditadura tivemos de reconhecer os erros, prometer nunca mais repeti-los e perdoar os que erraram, no caso da Lava Jato isso vai ser necessário. De chegar num momento em que se diga que investigamos o que deu, que certamente houve outros erros, mas que os maiores culpados estão pagando e é importante que o Brasil comece uma nova fase."

Para Velasco, é questão de tempo até que as autoridades americanas batam à porta de todas as subsidiárias da petrolífera e construtoras implicadas no caso. Dezenas de empresas estão envolvidas na operação, entre as quais algumas das maiores empreiteiras brasileiras. Várias delas já tiveram dirigentes presos e condenados pela Justiça no Brasil.

O Foreign Corruption Practices Act (legislação nos EUA que trata da corrupção de empresas no exterior) e outras leis permitem ao governo americano processar qualquer companhia estrangeira por atos de corrupção executados fora dos Estados Unidos, desde que a empresa tenha algum vínculo - ainda que mínimo - com o país.

A condição, segundo Velasco, se aplica a quase todas as companhias denunciadas na Lava Jato. As investigações, diz ele, deverão render às empresas multas altíssimas nos Estados Unidos, além das que, eventualmente, sejam condenadas a pagar no Brasil.

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Nascido nos EUA, Velasco é filho de brasileiros e passou boa parte da juventude no Brasil. Hoje ele é vice-presidente do Albright Stonebridge Group, uma consultoria baseada em Washington.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil - Como a Casa Branca está encarando a crise no Brasil?

Joel Velasco - Não posso falar pela Casa Branca, mas diria que há uma decepção enorme com o que está acontecendo no Brasil. Os EUA enxergam o Brasil como um grande aliado, um país que pelo menos nas últimas décadas era percebido como um líder emergente.

Hoje essa posição está questionada, e o Brasil é menos reconhecido por sua legitimidade moral e ética. O governo pode cair nas próximas semanas ou meses, mas juntar esses pedaços e reconstruir a credibilidade do Brasil vai levar anos.

BBC Brasil - Como a crise afeta a relação entre Brasil e Estados Unidos?

Velasco - Uma das grandes dificuldades que vai ficar para o próximo presidente americano é o fato de que quase todas as empresas brasileiras envolvidas com corrupção na Lava Jato têm ações, investimentos ou, no mínimo, negócios aqui nos EUA.

O Departamento de Justiça americano e a comissão de valores mobiliários dos EUA, estão investigando essas empresas e devem lhes propor multas absurdas em termos de valores. Até hoje, acho que a maior multa já dada nos EUA para um caso de corrupção fora do país foi de cerca de US$ 800 milhões. É bem possível que as multas que serão aplicadas sobre empresas brasileiras, no topo da lista a Petrobras, serão duas vezes maiores.

Em alguns desses casos a questão será delicada, porque há empresas quase estatais. E nesses casos valerá o doa a quem doer.

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O novo presidente ou presidenta dos EUA, já com todas as dificuldades para lidar com o Brasil, terá de ligar para o presidente brasileiro e dizer: "Tenho uma péssima notícia: uma de suas empresas terá de pagar um bilhão de dólares em multa ou será levada à Justiça aqui e pagará bem mais". Como um presidente no Brasil vai engolir que a Petrobras, que já está cheia de dívidas, pague mais uma multa?

BBC Brasil - Isso se aplica a todas as empresas brasileiras condenadas na Lava Jato?

Velaso - Qualquer uma das construtoras e qualquer uma das subsidiárias da Petrobras. O caso da Fifa deixou bem claro. Quem liderou grande parte das investigações sobre a corrupção na organização foi o governo americano, simplesmente porque o dinheiro da Fifa estava passando por contas americanas.

Qualquer dessas empresas brasileiras que fez negócios em dólar, usou contas nos EUA, tem escritório de representação no país pode ser acionada. Não precisa nem ter ações em bolsa aqui.

Segundo a legislação americana, essas questões podem levar certos executivos à cadeia se não houver um acordo. É um megaproblema, e quem acompanha isso nos EUA sabe que vai acontecer. Mas acho que no Brasil ainda não caiu a ficha.

BBC Brasil - Como funcionam esses procedimentos?

Velasco - Após investigações internas do governo americano, eles vão procurar as empresas e perguntar: "você quer que a gente entre num tribunal e conte tudo o que descobriu de vocês, com a possibilidade de cadeia?". Normalmente as empresas propõem um acerto e pagam multa. A outra opção é para lá de dramática. Se deixam a decisão na mão de um juiz, ninguém sabe o que pode acontecer.

É um capítulo que ainda será escrito. Desconheço outro caso tão complexo como este (baseado na Foreign Corruption Practices Act), envolvendo um país tão grande como o Brasil.

BBC Brasil - Qual a melhor solução para a crise no Brasil?

Velasco - Dentre os cenários possíveis, acho que impeachment seria o mais desejável. Mas em qualquer cenário surge a questão: como ficam as investigações? Acho importante as investigações continuarem, mas também reconheço que em algum momento a gente precise pôr um ponto final nessa história.

Assim como no fim da ditadura tivemos de reconhecer os erros, prometer nunca mais repeti-los e perdoar os que erraram, no caso da Lava Jato isso vai ser necessário. De chegar num momento em que se diga que investigamos o que deu, que certamente houve outros erros, mas que os maiores culpados estão pagando e é importante que o Brasil comece uma nova fase.

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Num cenário com um novo governo, seja quem for o presidente, possivelmente daqui a dois anos, o Brasil vai ter que ser governado por um pacto nacional. Vai exigir grandeza dos líderes políticos, e parte dessa grandeza vai ser aceitar um perdão.

Todo mundo no Brasil agora faz comparações com Watergate (escândalo que provocou a queda do presidente americano Richard Nixon em 1974). Uma das coisas mais importantes no pós-Watergate foi o fato de que o presidente que assumiu, Gerald Ford, perdoou Nixon e muitas pessoas (nos EUA, o presidente tem o poder de perdoar sentenças). Apesar de no momento ter sido muito impopular, isso foi importante para acalmar os ânimos e fechar o capítulo.

BBC Brasil - Um arranjo como esse não pode alimentar ainda mais a disputa política? Não dirão que a Lava Jato foi feita para punir alguns partidos e favorecer outros?

Velasco - Não é que o Brasil vá deixar de investigar, mas o Brasil não pode ficar nessa inércia, nesse processo de continuar investigando tanto que o país pare. Em algum momento terá de haver um pacto. O líder que fizer isso vai receber muitas críticas, mas o país aguenta outro governo sem capacidade de governar? Aguenta mais dois anos de investigações?