Em SP e RJ, esquerda se divide entre 'voto ideológico' e 'voto útil'
Faltando menos de 24 horas para a votação do primeiro turno, eleitores de partidos de esquerda ainda debatem se devem votar em seus candidatos favoritos ou optar pelo "voto útil", aquele endereçado a postulantes com ideias afins - porém com mais chances de ir para o segundo turno.
Em São Paulo, a maioria do eleitorado de esquerda se divide entre o atual prefeito Fernando Haddad (PT) e a deputada Luiza Erundina (PSOL).
Segundo a última pesquisa Datafolha, ela tem 5% das intenções de voto, enquanto Haddad aparece bem mais à frente, com 11% - abaixo de Celso Russomano (PRB) tecnicamente empatado com Marta Suplicy (PMDB), disputando com ambos o acesso ao segundo turno.
No Rio de Janeiro, em cenário parecido, Marcelo Freixo (PSOL) briga pelo segundo lugar com Pedro Paulo (PMDB), com 10% das intenções de voto - mas o eleitorado de esquerda também vota em Jandira Feghali (PCdoB), que tem 7%, segundo o Datafolha.
Nas redes sociais, apoiadores dos que estão na dianteira pregam a adoção do "voto útil", enquanto muitos também pregam "coerência ideológica", indepentendemente do resultado.
Especialistas consultados pela BBC Brasil apontam para uma tendência histórica de divisão entre partidos de esquerda brasileira e a necessidade enfrentada por partidos novos se afirmarem nas urnas para ganharem visibilidade.
Mas o que Erundina, Feghali, Freixo e Haddad pensam sobre o debate do voto útil? A BBC Brasil procurou os quatro - só o candidato petista à reeleição em São Paulo se negou a comentar.
O que dizem os candidatos
Para Erundina, a insistência de apoiadores do PT pela transferência de votos a Haddad é "estranha". Já Feghali classifica o voto útil como um "desrespeito ao processo democrático". Freixo, por sua vez, entende o assunto como um "processo natural às vésperas da eleição".
"É estranho que o PT agora esteja cobrando que a gente tire a candidatura para apoiá-los. Em nenhum momento ele nos procurou. Se era importante na avaliação deles que essas forças caminhassem juntas, poderiam ter procurado há mais tempo. Por que agora, no finalzinho da campanha?", questionou Erundina à BBC Brasil.
Jandira Feghali, apoiada por Lula e Dilma Rousseff, aponta diferenças que seriam intransponíveis pelo voto útil.
"Esse papo de voto útil é conversa", disse a candidata à reportagem. "A minha base é predominantemente popular, ela não migra para um candidato que não tem a ver com ela. Meus eleitores votam em mim pela minha história, votam em mim porque sou mulher, isso não se transfere."
Questionada, entretanto, se pensa da mesma forma sobre o pleito em São Paulo - onde apoia Haddad -, Jandira reconsidera.
"Respeito muito a Erundina, mas acho que foi um erro ela ter saído com a candidatura dela. Haddad é um grande gestor, fez uma gestão à esquerda em São Paulo, que é uma cidade muito polarizada e tem a máquina do PSDB. Precisava ter tido o reconhecimento dela."
Para o psolista Marcelo Freixo, a disputa com o PCdoB, de Feghali, é "legítima e bem-vinda".
"Encaro com naturalidade. E não acho que seja exclusivamente a esquerda que defende a tese do voto útil", afirma, citando a enorme audiência do debate da TV Globo, realizado na última quinta-feira.
"O debate mostrou que (o pleito) está polarizado entre mim e Pedro Paulo (PMDB). O fato de termos ido ao enfrentamento consolidou a ideia de que agora 'é um ou outro'. Hoje, eleitores do Osório (PSDB) e do Índio (PSD) vieram declarar seus votos a mim, simplesmente porque não querem mais o PMDB. E eles não estão na esquerda."
Sobre São Paulo, Freixo afirmou torcer por um "candidato progressista no segundo turno", sem citar nomes.
"Eu não sei como estão os números em São Paulo, é impossível saber daqui, mas torço muito para que um candidato progressista chegue ao segundo turno por lá também, seja como for."
'Esquerda, pelamor'
As candidaturas de Erundina e Feghali foram festejadas por eleitores de seus partidos, mas chegaram a ser acusadas por adversários de "roubar votos" de Haddad e Freixo.
O caso mais emblemático foi um texto publicado pelo psolista Jean Wyllys, que afirmou que "a candidatura da Jandira tem como única finalidade disputar parte do eleitorado de esquerda que vota no PSOL e ajudar Pedro Paulo, candidato do PMDB, a passar para o segundo turno".
O texto gerou enorme repercussão e muitas críticas - a definição de Wyllys sobre Feghali foi vista, especialmente por mulheres, como simplista e agressiva. "Jandira Feghali é relatora da Lei Maria da Penha e, durante seus 30 anos de vida pública, defendeu uma agenda feminista, diante de um Congresso majoritariamente masculino", disse a escritora Daniela Lima.
"Esse histórico é constantemente apagado: o único ponto da trajetória política de Jandira que parece ter alguma relevância é o seu apoio ao PMDB no Rio de Janeiro", completou.
No debate das redes sociais, muitos paulistanos e cariocas tentam forjar uma aliança entre as candidaturas, mesmo à revelia dos partidos que apoiam.
"Erundina buscando votos de Haddad. Lamentável, esquerda dividida", diz eleitora do atual prefeito paulistano no Twitter.
"Camarada Jandira Feghali, retire a candidatura para salvar o Rio da direita! Está nas suas mãos!", diz um eleitor de Freixo.
Outros mantêm-se firmes em seu voto original. "Não tô entendendo esses caras de esquerda bem intencionados pedindo pra Erundina abrir mão da candidatura em nome do Haddad e do voto útil (desculpa, não vi mulheres com essa bandeira). Em nenhum momento notei a direita pedindo pra Marta desistir pra ajudar o Doria", disse uma eleitora da psolista.
Há, ainda, os que encaram a divisão como algo normal: "Se esquerda não é dividida, para mim nem esquerda é".
Tradição
O embate entre candidatos de esquerda, no entanto, não parece ser específico do atual momento político brasileiro - com o avanço do antipetismo após as implicações do PT na Lava Jato e o impeachment de Dilma Rousseff.
Segundo o cientista político Renato Perissinotto, UFPR (Universidade Federal do Paraná), esta divisão sequer surpreende. "É uma tradição da esquerda se dividir por questões, inclusive, ideológicas", disse à BBC Brasil.
"Partidos que surgem com projeto marcadamente ideológico são passíveis de divisão interna, porque se trata de como se interpreta o credo principal. Qualquer desvio da orientação inicial é fruto de conflito. Isso acontece com partidos de esquerda e também de extrema direita", afirma.
No caso de partidos mais centrais, como são a maioria dos partidos brasileiros, segundo Perissinotto, é menos comum ver estas divisões.
"Esses partidos têm grande flexibilididade, adesão à ideologia mais tênue, a atuação política é mais pautada por resultados. O que se quer no fundo é ganhar a eleição e ocupar as posições", diz.
De acordo com Perissinotto, o PSOL também precisa lançar suas candidaturas por um motivo mais importante do que tirar votos de outras legendas de esquerda - o partido precisa se legitimar nas urnas.
"O PSOL nasceu no parlamento, da costela do PT. Mas o PT, apesar de sua burocratização e guinada à direita, ainda tem muita inserção nos movimentos sociais e no sindicalismo", explica.
"O PSOL precisa se afirmar eleitoralmente, não tem saída. Senão, tende a desaparecer. No seu início, o PT era acusado da mesma coisa quando lançava Lula como candidato em pleitos em que a esquerda do PMDB tinha chance de vitória."
O cientista político e especialista em política municipal Marco Antônio Teixeira, da FGV-SP, diz que o período pré-primeiro turno é o momento que "os diferentes partidos têm para mostrar o que têm de diferente uns dos outros".
"Nesse sentido, do ponto de vista ideológico, essa divisão é boa. Mas é preciso lembrar que alguém vai para o segundo turno, e os outros ficarão para trás. Ao fragmentar e dividir o eleitorado, corre-se o risco de não ter competidor."
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