As questões 'espinhosas' que Alexandre de Moraes poderá enfrentar na sabatina do Senado
Cercado de polêmicas, o indicado pelo presidente Michel Temer para ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, enfrenta na próxima terça-feira uma sabatina no Senado, na qual responderá a questionamentos dos parlamentares antes de ter seu nome aprovado para a mais alta corte do país.
Dada a grande base de apoio que o governo tem hoje no Congresso, sua aprovação pela maioria da Casa é tida como certa. Após a sabatina e aval da Comissão de Constituição e Justiça, a indicação precisa ser confirmada em plenário pela maioria dos senadores.
O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), disse à BBC Brasil que se a sabatina acabar cedo, pretende colocar a indicação em votação ainda na terça-feira. Do contrário, ficará para quarta.
"Já está muito claro que o nome de Alexandre de Moraes vai ser aprovado. Acho que a maioria dos senadores está interessada em fazer com que as coisas corram rapidamente. Temos que ver se vão conseguir, pois na prática temos visto sabatinas cada vez mais longas", afirma o professor Ivar Hartmann, coordenador do Supremo em Números, da FGV-Direito Rio.
A sabatina do último indicado, o ministro Edson Fachin, durou mais de 12 horas, em 2015. Antes dele, o ministro Luís Roberto Barroso foi sabatinado por 9 horas, em 2013.
Apesar do apoio da maioria dos senadores, Moraes deve ser confrontado com acusações incômodas sobre suas qualificações acadêmicas e ligações políticas, como esperam alguns juristas.
"A oposição é minoritária, mas vai tentar desgastar a um só tempo o governo Temer e o ministro entrante", acredita Antonio Lavareda, professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Entenda abaixo qual o objetivo da sabatina e as principais polêmicas que Moraes poderá ter que responder.
Para que serve a sabatina?
É muito raro que o Senado rejeite os nomes indicados pelos presidentes ao Supremo. Há mais de cem anos isso não acontece. O normal é que haja uma negociação política antes garantido que o escolhido tenha apoio da maioria dos senadores.
Nesse sentido, mais do que avaliar a aprovação do indicado, a sabatina tem outra função, que é gerar informação pública sobre o futuro ministro. E, segundo juristas, é nesta tarefa que os senadores mais têm falhado, pois os interrogatórios costumam ser fracos.
"A sabatina deve sujeitar o candidato a expor sua visão geral de Constituição, sua visão sobre problemas concretos do país e sua biografia profissional. É um importante momento para estabelecer os termos em que ele poderá ser chamado a prestar contas no futuro", explicou à BBC Brasil, em 2015, o professor de Direito Constitucional da USP Conrado Hubner, quando o Senado sabatinou o hoje ministro do STF Edson Fachin.
Que questionamentos poderão vir a ser feitos a Alexandre de Moares?
1) Acusações de plágio e falha no currículo acadêmico
Um dos requisitos para ser ministro do Supremo é ter notável saber jurídico. Como professor da Universidade de São Paulo (USP), uma das mais prestigiadas instituições de ensino do país, e autor de livros de sucesso no meio jurídico, Moraes reúne as qualificações para preencher esse requisito. No entanto, sua reputação acadêmica vem sendo questionada com acusações de plágio e falha no seu currículo acadêmico.
No caso mais rumoroso, uma reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que o livro de autoria de Moraes Direitos Humanos Fundamentais contém trechos idênticos aos de uma obra do jurista espanhol Francisco Rubio Llorente (1930-2016), Derechos Fundamentales y Principios Constitucionales. Em resposta ao jornal, Moraes disse que "o livro espanhol mencionado é expressamente citado na bibliografia".
Apesar disso, como os trechos são reproduzidos sem aspas e referência direta à obra original, deputados do PT apresentaram uma ação no Conselho de Ética da USP solicitando que Moraes seja desligado da instituição. Eles também pediram à Procuradoria-Geral da República que denuncie Moraes ao STF por crime de violação de direito autoral.
Para Hartmann, a acusação de plágio é a mais grave contra Moraes e deveria ser a primeira pergunta ao potencial ministro.
"A explicação que ele deu até agora não foi satisfatória. A falta de aspas na citação é algo muito objetivo. É preciso perguntar por que não tem, se foi uma falha, que medidas tomou para retificar isso", afirmou.
Já o site Justificando mostrou que o currículo Lattes (segundo plataforma do CNPq) de Moraes indicava a realização de um pós-doutorado entre 1997 e 2000, simultâneo a seu doutorado. Em resposta, Moraes reconhece que não fez o pós-doutorado e atribuiu a informação a um erro de sua secretária ao preencher o currículo.
2) Ligações políticas e suposto vínculo com o PCC
Além de questionar as qualificações acadêmicas do indicado, a sabatina também é o momento de revisar a biografia do indicado. É esperado que o indicado seja questionado sobre seu passado, para que fique claro a que instituições ele foi ligado as quais estaria impedido de julgar em eventuais processos.
Dentro dessa linha, o senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) disse à BBC Brasil que pretende questionar Moraes sobre sua "imparcialidade" para julgar políticos do PSDB, partido do qual acaba de se desfiliar, e o próprio presidente Michel Temer, do qual seria "amigo pessoal", além de ministro da Justiça licenciado.
"Seria importante perguntar se ele vai julgar antigos aliados políticos ou se vai se declarar suspeito em eventuais processos", observa o professor da FGV.
Randolfe disse também que vai aproveitar a sabatina para perguntar a visão do ministro sobre a operação Lava Jato e a atuação do Ministério Público nessas investigações. O assunto tende a gerar constrangimentos, já que 12 senadores são investigados pela operação, entre eles o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Edson Lobão (PMDB-MA), responsável por conduzir a sabatina.
Outro assunto polêmico, mas que talvez não seja abordado por gerar constrangimentos aos próprios senadores, é a "sabatina informal" realizada com Moraes por alguns parlamentares logo após sua indicação ao Supremo, na chalana Champagne, casa flutuante do senador Wilder Morais, do PP, local conhecido por abrigar festas.
Moraes afirmou por meio de nota que foi convidado e apenas ao chegar ao endereço soube que o encontro ocorreria em um barco.
"Compareci e fui surpreendido que a reunião ocorresse em um barco atracado nessa residência. Tivemos uma conversa séria e respeitosa, assim como venho fazendo em todas reuniões com os demais senadores", disse.
"Esse caso gera mais constrangimento ao Senado do que ao indicado, que apenas atendeu o convite", acredita Randolfe.
Mais uma controvérsia que acompanha Moraes é ter sido advogado da Transcooper, uma cooperativa de vans investigada por ligações com a organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
O indicado ao STF chegou a ganhar na Justiça um processo para retirada de matérias em blogs que o chamavam de "advogado do PCC".
Quando sua atuação com advogado da Transcooper foi revelada pelo jornal Estado de S. Paulo em 2015, Moraes respondeu que havia atuado apenas em processos civis e administrativos e que "não houve qualquer prestação de serviços advocatícios às pessoas citadas em possível envolvimento com o crime organizado, em 2014". "O contrato se referia estritamente à pessoa jurídica da cooperativa", reforçou.
3) Posições jurídicas
A princípio, o indicado não deve antecipar seus votos em casos que poderá julgar em breve, no entanto, juristas consideram importante que ele seja questionado sobre debates jurídicos atuais para que fique claro que áreas do Direito serão impactadas pela indicação e em que sentido.
Uma questão que tem despertado polêmica no meio jurídico, por exemplo, é a recente decisão do Supremo de permitir que pessoas condenadas em segunda instância passem a cumprir pena mesmo antes de as possibilidades de recursos serem esgotados.
Essa decisão, que acabou em placar apertado de 6 a 5, ainda pode ser modificada pelo Supremo. O falecido ministro Teori Zavascki foi um dos seis que votaram pelo cumprimento da pena após a condenação em segunda instância.
Notícias da imprensa brasileira indicam que Moraes vem sendo questionado informalmente por senadores sobre essa questão e tem se recusado a antecipar seu entendimento. No entanto, segundo o portal de notícias G1, ele já se manifestou em um de seus livros a favor do cumprimento das penas antes da conclusão do processo e é provável que seja instado a esclarecer melhor sua posição nesse tema durante a sabatina.
Outro caso importante que pode vir a ser julgado pelo Supremo é o pedido de cassação de Michel Temer devido a supostas ilegalidades na campanha eleitoral de 2014, que ele venceu ao lado de Dilma Rousseff.
Conforme a BBC Brasil mostrou, Moraes afirma no livro Direito Constitucional, que eventual anulação da votação que elegeu Dilma automaticamente anularia também a eleição de seu vice, Temer. O presidente, porém, tenta convencer a Justiça Eleitoral a separar suas contas de campanha das de Dilma.
Moraes poderá ser questionado na sabatina sobre se manterá o entendimento expresso em seu livro em eventual processo contra Temer que chegue ao Supremo.
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