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De publicitária a balconista: A vida dos imigrantes brasileiros que decidiram recomeçar em Israel

Publicitária Daniela Mosseri Nehmad com a família quando chegou a Israel; seu primeiro emprego foi de funcionária de uma creche  - BBC
Publicitária Daniela Mosseri Nehmad com a família quando chegou a Israel; seu primeiro emprego foi de funcionária de uma creche Imagem: BBC

Daniela Kresch - De Tel Aviv para a BBC Brasil

Em Tel Aviv

23/10/2017 12h54

Há quatro anos, o designer paulista Bernardo Bromberg deixou para trás sua própria empresa ao imigrar para Israel com a esposa e os três filhos.

Uma semana depois de desembarcar, recebeu uma proposta para trabalhar na segunda maior importadora de autopeças israelense, a ABC.

Bromberg não hesitou em aceitar a vaga.

Só que o posto não era de gerência ou direção e, sim, nos armazéns da empresa, para contagem e etiquetagem de produtos.

Nos últimos anos, cada vez mais brasileiros, a maioria de classe média alta, vêm trocando o Brasil por Israel. Entre os motivos, estão a violência e a crise econômica.

Mas, uma série de obstáculos faz com que a grande maioria, assim como Bromberg, tenha que aceitar empregos de menor qualificação, tendo de recomeçar do zero.

"Antes da viagem, já sabia que teria dificuldades de encontrar trabalho qualificado por não falar hebraico (a língua local)", diz Bromberg à BBC Brasil.

"Por isso, vim com a cabeça aberta. Afinal, tenho família e preciso trabalhar. Decidi que faria o que aparecesse", completa.

'Subempregos'

Desde sua fundação, em 1948, Israel vinha recebendo uma média de 150 a 200 imigrantes brasileiros por ano.

Mas um recorde foi registrado em 2016, quando o número chegou a 1 mil, e neste ano a marca deve ser superada.

Além disso, verificou-se também uma mudança no perfil do imigrante brasileiro.

No passado, jovens com menos de 30 anos representavam a maior parte dos chamados "novos imigrantes" (conhecidos como "olim chadashim", em hebraico). Eles tinham origem judaica e defendiam a ideologia sionista - a de que Israel é a casa dos 14 milhões de judeus do mundo.

Muitos optavam pela vida comunitária em vilarejos de economia compartilhada - os chamados kibutz.

Outros privilegiavam estudar nas universidades israelenses, pois imigrantes de ascendência judaica recebem benefícios com base na chamada "Lei do Retorno" (segundo a qual judeus da Diáspora têm direito de receber imediatamente cidadania israelense).

Já os mais recentes não se mudaram para Israel por motivação puramente religiosa ou sionista. Tampouco têm necessariamente origem judaica - são convertidos ou casados com judeus.

Todos os imigrantes, recentes ou não, recebem uma "cesta básica" que inclui universidade gratuita para jovens, auxílio financeiro de até um ano, seguro saúde por seis meses e subsídios temporários para moradia, compra de carro e financiamento de imóveis.

Mas a ajuda nem sempre cobre o alto custo de vida no país.

Neste sentido, se trabalhar como garçom ou telefonista de telemarketing era, antes, uma opção temporária para os estudantes, se tornou uma necessidade para muitos dos imigrantes de meia-idade e com crianças para sustentar.

Um ponto positivo, contudo, é a receptividade dos israelenses. Diferentemente de muitos países europeus, os novos imigrantes não são mal vistos pela sociedade - diante da noção de que, em geral, são judeus que "retornam" à Terra Prometida.

'Volta por cima'

Hoje, Bromberg é gerente de logística da empresa de importação na qual começou como etiquetador.

Mas não se esqueceu das dificuldades do início e já empregou mais de 70 conterrâneos recém-chegados, alguns à espera da validação de seus diplomas profissionais, outros em busca de postos mais qualificados.

"Recebo pelo menos duas ou três ligações por semana de brasileiros procurando trabalho. Quando não consigo trazer para a ABC, indico para a Superpharm (rede de drogarias) e para o Chetzi Chinam (rede de supermercados)", afirma.

A maior parte dos empregos disponíveis é de operador de telemarketing, caixa de supermercado e de farmácias, faxineiro, professor de creche, operário de fábricas e segurança.

Mas essas opções nem sempre são bem recebidas.

"A frase que mais escuto é 'estou disposto a tudo'. Mas, na hora H, eles hesitam", diz Gládis Berezowsky, de 60 anos, há 15 trabalhando com imigrantes brasileiros em Israel.

"Muitos dizem: 'mas eu não vim para Israel para fazer faxina ou ser caixa de supermercado!'."

Segundo Gládis, que fundou recentemente uma ONG de ajuda aos imigrantes brasileiros, a Organização Olim do Brasil - Aliá e Klita (Imigração e Integração), os brasileiros que chegam com ilusões são os que mais se decepcionam.

Cerca de 15% dos imigrantes acabam voltando ao Brasil, taxa semelhante à de outros países.

A necessidade de recomeçar do zero é um dos motivos mais citados.

"A palavra 'subemprego' virou quase um tabu. Mas não é vergonha alguma trabalhar em postos mais simples. Para imigrar, os valores devem mudar", opina Gládis.

"As pessoas se esqueceram de que, há um séculos, muitos de seus antepassados chegaram sem nada ao Brasil e foram crescendo ao poucos. Você pode, hoje, ser faxineiro e, com o tempo, se tornar um gerente ou até um sócio de empresa. Basta ser uma pessoa com ambição, com vontade de vencer e boa atitude", acrescenta.

Obstáculos

O maior obstáculo dos olim brasileiros em Israel é o idioma.

É o caso da publicitária Daniela Mosseri Nehmad, de 39 anos, que chegou a Israel há pouco mais de um ano com dois filhos e o marido, que é fotógrafo.

Se, no Brasil, ela trabalhava em agências de propaganda e marketing, no novo país começou como funcionária de um berçário.

Mas, como a dona do berçário também era brasileira e só falava com ela em português, acabou decidindo deixar o trabalho para aprender hebraico "na marra".

"A língua é um grande problema. Quero voltar ao ambiente corporativo assim que der, mas não dá para ficar sem trabalhar", conta Nehmad, que conseguiu trabalho como caixa numa filial da Superpharm.

"No Brasil, eu não trabalharia em uma farmácia, pois lá isso é visto como um subemprego. Mas não tenho preconceitos e acho que todo trabalho é digno. Viver em um novo país é uma mudança radical. Tudo o que já conquistei profissionalmente ficou para trás. Mas não vim para cá por motivos profissionais", explica.

A opinião é compartilhada por muitos imigrantes brasileiros, que dizem buscar qualidade de vida e segurança em Israel.

Outro obstáculo para os olim do Brasil é a revalidação de diplomas profissionais.

O processo pode levar anos. Mas isso não parece desmotivar o engenheiro civil Allan Ciobotariu, de 33 anos, que se mudou para Israel em abril deste ano com a esposa e os três filhos.

Enquanto aguarda a revalidação do diploma de engenheiro, ele trabalha atendendo clientes em uma lavanderia.

"Antes de vir, eu já sabia que não conseguiria me encaixar no mercado de trabalho imediatamente. Mudar de país é uma oportunidade para me reinventar", relata Allan, que, paralelamente, faz curso intensivo de hebraico e de programação e se prepara para frequentar o Gvahim, um programa de ajuda a pessoas graduadas e experientes que buscam posições de maior qualidade no mercado local.