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Ameaça de repressão a protestos aumenta tensão no Irã; entenda

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Imagem: AP

31/12/2017 11h37

Relatos apontam que o Irã vive seu quinto dia seguido de protestos, apesar de declarações do presidente do país afirmando que os conflitos "não são nada".

A Guarda Revolucionária Islâmica, braço das Forças Armadas do Irã, avisou que os manifestantes terão de enfrentar o "punho de ferro" do país se continuarem a promover manifestações contra o regime.

Os últimos dias já são considerados o maior protesto contra o regime iraniano desde 2009, quando foram realizados comícios pedindo reformas no país. Os manifestantes reclamam da queda no padrão de vida do país nos últimos anos.

Eles estão nas ruas desde a última quinta-feira. Tudo começou em Mashhad, inicialmente contra o aumento de preços e corrupção, no que agora tornou-se um protesto mais amplo, com muitas manifestações contra o governo.

O presidente hassan Rouhani afirmou que isso é "uma oportunidade, não uma ameaça" e prometeu combater os "baderneiros e criminosos". Já os Estados Unidos deu seu apoio aos manifestantes por sua "corajosa resistência". O presidente Donald Trump afirmou que o "grande povo iraniano é reprimido há muitos anos". "Eles têm fome de comida e liberdade."

Já a União Europeia fez um pedido ao Irã para garantir o direito de seus cidadãos protestarem pacificamente, afirmando estar em contato com autoridades do país e monitorando a situação.

Um comandante da Guarda Revolucionária disse que os protestos degeneraram em depredação do patrimônio público e em propaganda política. Manifestações estão acontecendo nas principais cidades iranianas desde a última quinta-feira.

Pelo menos dois manifestantes foram baleados no país e morreram. Na madrugada de 1º de janeiro, a onda de protestos deixou mais dez mortos, elevando o total de mortes para 12 desde quinta-feira.*

Autoridades da cidade de Dorud, no oeste do Irã, disseram que as forças de segurança não atiraram nos manifestantes. As mortes teriam sido provocadas por extremistas islâmicos sunitas e por países estrangeiros, segundo as autoridades.

Protestos nas cidades de Khoramabad, Zanjan e Ahvaz pediram o afastamento ou a morte do líder supremo do país, o Aiatolá Ali Khamenei.

A Guarda Revolucionária Islâmica, por sua vez, é ligada diretamente a Khamenei. Tem por função proteger a república islâmica instaurada no país com a Revolução Iraniana (1979), principalmente contra tumultos e grupos dissidentes.

"Se as pessoas foram às ruas para reclamar da alta de preços, não deveriam estar gritando slogans políticos e nem depredando automóveis e bens públicos", disse o general-brigadeiro Esmail Kowsari à agência de notícias ISNA.

O ministro do Interior do Irã, Abdolreza Rahmani-Fazli, disse que os manifestantes serão responsabilizados por seus atos.

"Aqueles que destruírem patrimônio público, subverterem a ordem e infrigirem as leis terão de pagar o preço", disse ele. "Vamos nos opor a quem tentar espalhar a violência, o medo e o terror", completou Rahmani-Fazli.

Para onde vão os protestos?

Análise de Kasra Naji, da BBC Persa

O descontentamento está crescendo no Irã - onde a repressão é onipresente e as dificuldades econômicas estão piorando - levantamento da BBC Persa mostra que, na média, os iranianos ficaram 15% mais pobres nos últimos 10 anos.

Por enquanto, os protestos estão restritos a grupos de homens jovens que pedem a derrubada do regime clerical que vigora no país. Mesmo assim, as manifestações já começam a chegar até mesmo às cidades menores e têm potencial para crescer.

As manifestações também não têm líderes óbvios. As principais figuras da oposição foram silenciadas ou mandadas para o exílio.

E, mesmo no exílio, não existem nomes de oposição com grande apelo. Alguns manifestantes pediram a volta da monarquia. O filho do antigo xá do Irã, Reza Pahlavi, que vive exilado nos EUA, emitiu nota em apoio aos protestos. Por enquanto, porém, ele parece também não entender qual direção as manifestações vão tomar.

O que está acontecendo?

Os protestos começaram na cidade de Mashhad, a segunda mais populosa do país, na quinta-feira. No dia seguinte, os protestos se espalharam para outras grandes cidades iranianas.

No sábado, um pequeno protesto na capital, Teerã, evoluiu para uma manifestação com milhares de pessoas. Houve confronto entre policiais e estudantes. Várias outras cidades também registraram episódios violentos durante as manifestações.

Entre os eventos recentes no Irã:

  • Em Abhar, manifestantes atearam fogo em um banner com a imagem do líder supremo Ali Khamenei;
  • Em Arak, manifestantes teriam sido responsáveis por atear fogo à sede local da milícia Basij, que apoia o governo;
  • Em Mashhad, manifestantes queimaram motociclet as da polícia, em um confronto registrado em vídeo;
  • O CEO do aplicativo de mensagens Telegram disse que uma conta do Irã foi suspensa por enviar mensagens defendendo ataques contra a polícia;
  • Vários relatos em todo o país de pessoas perdendo o acesso à internet em seus celulares.

Segundo o correspondente da BBC no Irã, Kasra Naji, a pauta comum às manifestações em todas as cidades é fim do comando religioso no país.

Há também descontentamento com as intervenções do Estado iraniano em outros países. Em Mashhad, por exemplo, alguns manifestantes usaram uma palavra de ordem que dizia "Nem Gaza, nem Líbano, minha vida pelo Irã". Segundo os manifestantes, o governo atual está mais focado na política externa que em resolver problemas internos do país.

O Irã é um aliado-chave do regime de Bashar al-Assad na Síria. Também é acusado de fornecer armas para rebeldes Houthis no Yemen, o que o governo iraniano nega. O país também é aliado do movimento xiita Hezbollah, no Líbano.

O serviço persa da BBC - que atua em TV, rádio e Internet a partir de Londres - está proscrito no Irã. Funcionários e seus familiares são continuamente assediados e questionados por autoridades naquele país.

Repercussão

Autoridades iranianas acusam forças anti-revolucionárias e governos estrangeiros de fomentar os protestos.

No sábado, milhares de manifestantes compareceram a protestos agendados para marcar os oito anos da repressão às manifestações anti-governo de 2009.

Os Estados Unidos têm expressado apoio aos manifestantes.

O presidente norte-americano, Donald Trump, tuitou a respeito. "Regimes opressivos não podem durar para sempre. Está chegando o dia em que o povo iraniano terá de fazer uma escolha. O mundo está observando!".

O ministro das Relações Exteriores iraniano disse que os comentários de Trump e de outras autoridades norte-americanas eram "oportunistas e enganosos".

Quem é a Guarda Revolucionária?

A Guarda Revolucionária Islâmica do Irã (IRGC,na sigla em inglês) foi criada pouco depois da revolução de 1979, com o objetivo de defender a República Islâmica recém-implantada no país.

A partir de então, tornou-se uma das principais forças na vida política, econômica e militar do país, assim como o exército, a marinha e a aeronáutica. A Guarda controla ainda uma milícia voluntária composta por milhares de pessoas, a Força de Resistência Basij.

A IRGC às vezes trabalha em conjunto com a polícia, e anunciou que fará o mesmo desta vez. O estatuto da IRGC diz que ela pode cooperar com autoridades policiais "quando necessário", mas há controvérsias sobre a abordagem de Guarda em relação aos civis.

*Esta reportagem foi atualizada na noite de 1º de janeiro de 2018