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Os pontos da condenação de Lula por Moro que serão julgados pelo TRF-4

Mariana Schreiber - @marischreiber - Enviada especial da BBC Brasil a Porto Alegre

23/01/2018 16h52

A sentença do juiz Sergio Moro que condena o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro é "tecnicamente irrepreensível", como afirmou presidente do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), Carlos Eduardo Thompson, ou "precária e dissociada da prova dos autos" como diz o governador do Maranhão, Flavio Dino, ex-juiz federal?

As opiniões em torno da decisão de Moro são muitas, mas nesta quarta-feira caberá a três desembargadores do TRF-4 validá-la ou não. João Pedro Gebran Neto (relator do caso), Leandro Paulsen e Victor Luis dos Santos Laus decidirão se mantém a condenação ou se absolvem o petista.

Na sentença, Lula é condenado a nove anos e meio de prisão por ter recebido e ocultado a propriedade de um tríplex no Guarujá (SP) da empreiteira OAS, como parte de propina em contratos com a Petrobras. A defesa de Lula recorreu pedindo absolvição, enquanto o Ministério Público Federal quer que a pena seja aumentada.

A BBC Brasil destaca os principais pontos da sentença que passarão pelo crivo do tribunal. Se Lula for condenado, poderá ser barrado da disputa presidencial pela Lei da Ficha Limpa, a não ser que consiga um recurso em tribunais superiores suspendendo a inelegibilidade.

O tríplex pertence a Lula?

A defesa de Lula sustenta que o tríplex no Guarujá até hoje pertence a OAS, nunca esteve no nome do ex-presidente e que ele jamais usou o imóvel. Já a sentença de Moro concluiu que o apartamento continuou como propriedade da OAS justamente para ocultar o crime de corrupção passiva, que seria a doação do imóvel a Lula em retribuição a contratos fraudulentos obtidos junto à Petrobras. Por isso, o condenou também por lavagem de dinheiro. O TRF-4 terá que decidir se de fato o tríplex pertencia ao ex-presidente.

Marisa Letícia, mulher de Lula falecida no ano passado, adquiriu na planta um apartamento simples, de número 141, em um empreendimento no Guarujá da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop), em 2005. Em outubro de 2009, diante das dificuldades financeiras da cooperativa, esse e outros empreendimentos da Bancoop foram repassados para a OAS.

Com isso, foi dado o direito aos compradores de desistirem dos imóveis e receberem o dinheiro já investido de volta, ou de continuarem pagando as prestações, mas agora diretamente para a empreiteira. Os proprietários tinham um prazo de poucos meses para se decidir.

No processo, segundo a sentença de Moro, ficou provado que Lula e Marisa foram os únicos donos que não fizeram nem uma coisa nem outra. A OAS acabou por revender o apartamento 141. Já o tríplex 164-A ficou reservado e foi o único do empreendimento jamais posto à venda, segundo documentos internos da OAS juntados no processo, como um arquivo com tabela de vendas periciado pela Polícia Federal.

Em fevereiro de 2014, Lula e Marisa fizeram uma visita ao tríplex junto com o presidente da OAS, Léo Pinheiro. Em depoimento, o ex-presidente disse que foi avaliar se estava interessado na compra do imóvel, mas que acabou por ver "quinhentos defeitos no apartamento" e nunca mais falou com Pinheiro sobre o assunto. Já Marisa teria ainda pensando em adquirir o tríplex para "fazer negócio" (revender).

A partir daí, a OAS realizou uma ampla reforma no apartamento, com instalação de elevador privativo, de cozinha planejada e mudança da estrutura do apartamento, como retirada da sauna e alteração do deque da piscina, entre outras intervenções. Marisa ainda retornou ao apartamento com seu filho, em agosto de 2014. Segundo Lula, depois dessa visita, ela também desistiu da compra.

Testemunhas ouvidas, como funcionários da OAS e um zelador que trabalhou no condomínio do triplex, se dividiram: parte disse que o apartamento era considerado de Lula e parte que ele era visto como potencial comprador.

Para Moro, apenas os depoimentos que indicam ser Lula proprietário de fato do imóvel são consistentes com as provas materiais apreendidos na OAS e na casa de Lula, como um documento rasurado em que o número do tríplex foi sobreposto pelo do apartamento simples. O juiz também considerou que a defesa não deu uma justificativa crível para o presidente não ter decidido formalmente se desistia do imóvel 141 em 2009, como os demais cotistas da Bancoop tiveram que fazer.

Léo Pinheiro, réu no processo, contou, em depoimento ao longo da negociação de colaboração premiada, que lhe foi dito por João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT e ex-presidente da Bancoop, que o tríplex era de Lula em 2009 quando a OAS assumiu o empreendimento.

Segundo ele, posteriormente, ficou decidido com Vaccari que a diferença de valor entre o tríplex e o apartamento originalmente adquirido por Marisa, assim como o custo das reformas, no total R$ 2,252 milhões, seriam abatidos de uma conta informal de créditos e débitos que o PT tinha com a OAS, abastecida por propinas provenientes de contratos fraudulentos com a Petrobras e outras obras do governo federal.

O presidente da OAS disse também em depoimento que nunca tratou do assunto diretamente com Lula, mas que Vaccari afirmou que o ex-presidente sabia que o dinheiro sairia da conta do PT com a OAS. Segundo Pinheiro, foi sua prisão em novembro de 2014 que frustrou a transferência de propriedade do tríplex para Lula. Ele diz, porém, que nunca chegou a ser discutido como essa transferência seria concretizada.

A jurista Gisele Cittadino, professora da PUC-Rio e uma das coordenadoras do livro Comentários a uma sentença anunciada: o processo Lula, diz que a palavra de Pinheiro não é suficiente para comprovar que havia esse suposto acerto.

"A única coisa que eles têm é isso, um depoimento de Léo Pinheiro após dois anos preso, em que diz que Lula sabia e que o imóvel era para ele. O depoimento é na qualidade de réu, e quando você é réu não é obrigado a dizer a verdade", ressaltou.

Na sua visão, a OAS realizou melhorias no apartamento para "puxar saco do presidente", mas Lula não quis adquirir o imóvel.

Já a procuradora da República e professora da FGV Silvana Battini diz que a condenação se baseia não apenas na fala de Léo Pinheiro, mas em depoimentos de testemunhas e nas provas documentais. Na sua visão, é irrelevante que Lula não tenha usado o imóvel ou tenha a posse formal.

"A acusação é de lavagem de dinheiro, de ocultação do patrimônio. Então, se ele estivesse ostensivamente lá, com escritura do imóvel, não teria o crime de lavagem", afirmou.

Está provado o crime de corrupção passiva?

Segundo a sentença de Moro, Lula, quando presidente (2003 a 2010), foi responsável por nomear diretores da Petrobras que, com sua ciência, realizaram contratos fraudulentos, gerando propinas para partidos e políticos.

O juiz também conclui que o dinheiro que cobriu a diferença entre o valor do tríplex e do apartamento originalmente adquirido por Marisa, além dos custos da reforma, saíram de um conta informal que o PT tinha com a OAS, abastecida por desvios de dinheiro público dos contratos entre empreiteiras e Petrobras. Mais especificamente, o contrato relacionado à Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, gerou R$ 16 milhões a essa conta, diz a sentença.

O TRF-4 terá que avaliar se há provas que sustentem essa condenação. Para fundamentar sua decisão, Moro cita outras sentenças suas, já confirmadas pela segunda instância, em que condena executivos e políticos por esquema de corrupção envolvendo a Petrobras. Ele se refere também aos depoimentos do delator Delcídio Amaral (ex-senador do PT) e do réu condenado Pedro Corrêa (ex-deputado do PP) afirmando que Lula sabia do esquema.

"Parece, aliás, um pouco estranho que, diante da magnitude do esquema criminoso, ilustrado pelo fato da Petrobras ter reconhecido cerca de R$ 6 bilhões em perdas contábeis com corrupção no balanço de 2015, não tivesse o ex-Presidente qualquer conhecimento", escreve Moro na sentença.

Além disso, destaca como elemento probatório encontro "inusitado" entre Lula e o ex-diretor da Petrobras Renato Duque em 2014 no aeroporto de Congonhas. Tanto Lula quanto Duque confirmam o encontro. Segundo a versão do ex-presidente, ele questionou Duque sobre notícias na imprensa de que haveria contas no exterior relacionadas a Petrobras, ao que Duque negou.

Já na versão de Duque, em depoimento a Moro depois de sua prisão, Lula havia sido informado pela então presidente Dilma Rousseff da existência de contas de propina de diretores da Petrobras no exterior e teria pedido a conversa para instruir o diretor a extingui-las.

Moro destaca também, na sua sentença, a controvérsia que existe no direito brasileiro sobre se, para condenar por corrupção, é necessário apontar um ato de ofício específico do acusado em favor da empresa que lhe deu vantagem. Ele defende que não e diz que a vantagem (recursos para a conta informal do PT que beneficiaram Lula) foi recebida em troca de "atos de ofício indeterminados" que favoreceriam a OAS futuramente.

A defesa de Lula sustenta que a fala de réus e delatores não é suficiente para provar a culpa de Lula.

O advogado criminalista Fábio Tofic Simantob, outro crítico da sentença de Moro, considera sua fundamentação insuficiente para condenar o petista. "A sentença não tem uma vírgula sequer mostrando que Lula sabia da corrupção. Apenas a demonstração de que ele participou da nomeação de diretores da Petrobras, que é um ato típico de presidente da República, não me parece um elemento", afirmou.

Já a procuradora Silvana Battini argumenta que "dolo" (consciência do crime) é algo que o juiz pode inferir a partir de um conjunto de "circunstâncias trazidas como elementos de prova".

"O que Moro fez? Ele examinou várias circunstâncias - qual o tamanho desses contratos? quem são esses servidores? qual o grau de proximidade? - e fez esse juízo de inferência: 'Olha, diante do que eu estou vendo, é impossível que o Lula não soubesse disso'. Esse juízo de valor qualquer juiz criminal faz quando avalia elementos subjetivos. Isso pode ser refeito pelo tribunal agora", ressaltou.

Moro poderia julgar essa ação?

Outro fator controverso é o fato de a sentença não apontar que o dinheiro que teria sido usado para pagar os custos do tríplex tem origem precisa em contratos fraudulentos da Petrobras.

Para a defesa de Lula, se isso não está provado, Moro não poderia julgar o caso, já que ele só tem prerrogativa sobre casos da Lava Jato relacionados à petroleira. Não havendo essa ligação, sustenta a defesa, o caso deveria ser julgado pela Justiça Federal em São Paulo, onde fica o tríplex.

"Não importa que a conta geral de propinas tenha sido formada por créditos de acertos de corrupção em outros contratos do Governo Federal. É suficiente para estabelecer o nexo causal que o contrato da Petrobras com a Construtora OAS, no âmbito do Consórcio CONEST/RNEST, tenha também originado crédito na conta geral", argumentou Moro na sentença.

É mais uma questão que terá que ser resolvida pelos desembargadores.