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Os mitos que cercam a franco-atiradora que mais matou soldados nazistas na 2ª Guerra

Muitos especialistas acreditam que a história de Lyudmila Pavlichenko tem mais de lenda do que realidade - Reprodução
Muitos especialistas acreditam que a história de Lyudmila Pavlichenko tem mais de lenda do que realidade Imagem: Reprodução

Redação - BBC Mundo

20/03/2018 07h42

Quando Lyudmila Pavlichenko chegou a Washington, em agosto de 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, já era considerada a franco-atiradora mais mortífera da história, carrasca implacável da Alemanha nazista. Com apenas 25 anos, a tenente do Exército Vermelho de Moscou já tinha sido responsável por 309 mortes, a maioria de soldados de Adolf Hitler.

Porém, não são poucos os especialistas que duvidam desses números e acreditam que Pavlichenko teria sido, na verdade, uma lenda forjada pela União Soviética.

De fato, Pavlichenko foi enviada aos Estados Unidos como heroína soviética, em nome do Alto Comando Soviético, para tentar ganhar apoio americano na frente da Europa ocidental, aberto pelos nazistas em 1940 ao invadir a Noruega, Dinamarca e França.

Stalin tentava desesperadamente que os Aliados invadissem o continente, para forçar os alemães a dividir suas forças e, assim, aliviar a pressão sobre as tropas soviéticas na frente oriental.

Com essa missão em mente, Pavlichenko pisou na Casa Branca - foi a primeira soviética a fazê-lo - onde foi recebida pelo presidente Franklin Roosevelt. Em seguida, embarcaria em um giro pelo país com a primeira-dama, Eleanor Roosevelt, para contar aos americanos suas experiências no combate.

Do clube de tiro ao Exército Vermelho

O primeiro contato de Pavlichenko com as armas foi aos 14 anos em Kiev, cidade para onde sua família se mudou após deixar Bélaia Tsérkov, uma pequena localidade na atual Ucrânia. Segundo Henry Sakaida, autor do livro "Heroínas da União Soviética", a garota trabalhava em uma fábrica de munições e decidiu se inscrever na associação de tiro Osoaviajim, onde foi instruída em manejo de armas.

Não passaria muito tempo para que ela pudesse demonstrar suas habilidades com as armas. Em junho de 1941, a Alemanha rompeu o pacto de não agressão com a União Soviética e lançou a Operação Barbarossa. Frente a isso, Pavlichenko abandonou o curso de História na Universidade de Kiev e se juntou ao exército para defender seu país.

A princípio, foi rejeitada, mas, quando mostrou sua credencial de atiradora, a ofereceram uma espécie de audiência com o Exército Vermelho. Ali, deram a ela um rifle e apontaram, à distância, para dois soldados romenos que trabalhavam para os alemães. Pavlichenko os atingiu com facilidade. Com isso, conseguiu ingressar na divisão de fuzileiros.

'Os nazistas mortos são inofensivos'

Já no Exército, Pavlichenko foi mandada para as frentes de batalha da Grécia e da Moldávia. Logo se destacou. Em seus primeiros 75 dias na guerra, teria matado 187 militares nazistas. Em seguida, ganhou nome na batalha de Odessa, ao sul da atual Ucrânia.

Depois, foi enviada para a Crimeia, para combater na batalha de Sebastopol. Lá, foi ferida em várias ocasiões, mas só largou a frente de batalha quando o exército nazista bombardeou sua posição, fazendo com que um estilhaço se instalasse em seu rosto.

Robert Jackson, Lyudmila Pavlichenko e  Eleanor Roosevelt em 1942 - Library of Congress - Library of Congress
Robert Jackson, Lyudmila Pavlichenko e Eleanor Roosevelt em 1942
Imagem: Library of Congress

A partir daí, começou a formar franco-atiradores. E logo foi enviada a Washington.

Durante seu giro pelos Estados Unidos, falou frases como: "Cada alemão que permaneça vivo matará mulheres, crianças e velhos. Os alemães (nazistas) mortos são inofensivos. Para tanto, ao matar um deles, eu estou salvando vidas".

Também se mostrou impaciente com a imprensa local. Quando um jornalista questionou se usava maquiagem nos campos de batalha, Pavlichenko respondeu: "Não havia nenhuma regra que proibisse (maquiagem). Mas quem tem tempo de pensar o quanto brilha o seu nariz no meio de uma batalha?"

Em outra situação, referiram-se ao comprimento de sua saia. "Visto meu uniforme com honra. Nele vejo a Ordem de Lênin - a segunda mais importante condecoração nacional da União Soviética - e foi coberto de sangue na batalha", retrucou.

"Se vê que, para os americanos, o importante é se as mulheres vestem roupa íntima de seda por baixo do uniforme. Mas o significado verdadeiro do uniforme, isso eles (os americanos) precisam aprender", afirmou em 1942 para a revista Time.

Finalizada a guerra, terminou sua formação na Universidade de Kiev e começou sua carreira de historiadora. Morreu em 1974, aos 58 anos.

Perguntas

Sua personagem passou para a história cercada de dúvidas. "É muito estranho que ela não tenha recebido nenhuma medalha em Odessa, apesar de dizerem que tenha acabado com 187 inimigos", escreveu a historiadora Lyuba Vinogradova.

"Aos franco-atiradores era concedida uma medalha para cada dez inimigos mortos ou feridos. E a Ordem da Estrela Vermelha para cada vinte. Se bastavam 75 baixas para receber o título de Heroi da União Soviética, por que ela não recebeu nada (naquele momento)?", pergunta.

Outros autores também duvidam que Pavlichenko tenha sofrido feridas no rosto, já que em fotografias posteriores não se veem cicatrizes.

O certo é que Pavlichenko era uma figura exaltada pela União Soviética. Na visita a Washington, foi acompanhada pelo também atirador de elite Vladimir Pchelíntsev. "Por que escolheram dois atiradores, em vez de pilotos ou comandantes de carros de combate?", perguntou Vinogradova.

"Porque os franco-atiradores eram algo a se exibir. Eram temidos pelos alemães e receberam grande atenção da imprensa soviética".