Por que Kim Jong-un decidiu agora suspender os testes nucleares da Coreia do Norte?
O anúncio feito pelo líder norte-coreano Kim Jong-un de que vai suspender os testes nucleares pode, à primeira vista, trazer alívio temporário ao mundo, mas basta um olhar mais apurado sobre a história do país para esmorecer toda e qualquer esperança.
Em primeiro lugar, Kim deixou claro que está congelando os testes nucleares e fechando a base de Punggye-ri - que abrigou todos os seis testes nucleares realizados pela Coreia do Norte desde 2006 -porque sente que seu país passou a dominar a tecnologia de produção desses armamentos.
Embora seja difícil verificar tal suposição, ela não é, evidentemente, um exagero.
Em 1998, Índia e Paquistão, por exemplo, haviam realizado cada um seis testes nucleares e agora fazem parte do seleto grupo de países detentores desses armamentos, apesar de não realizarem mais testes.
A Coreia do Norte, beneficiada por oito anos de acesso ao conhecimento disponível em material de código aberto, pode se sentir confortável com seus seis testes nucleares.
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'Marcos importantes'
Além disso, o quinto e sexto testes nucleares realizados pela Coreia do Norte - em setembro de 2016 e 2017 respectivamente - representaram marcos importantes. O teste de setembro de 2016, segundo a imprensa estatal norte-coreana, envolveu um equipamento nuclear compacto e construído em série, que pode ser adaptado a vários tipos de mísseis balísticos de pequenos a intercontinentais.
O potencial explosivo estimado dessas armas seria da ordem de duas a três vezes a de que os Estados Unidos usaram contra Nagasaki nos últimos dias da 2ª Guerra Mundial - mas para os objetivos da Coreia do Norte isso já é bastante poderoso.
Na verdade, o teste nuclear mais recente realizado pelo país demonstrou que Pyongyang tinha a capacidade de gerar explosões nucleares extremamente potentes.
Enquanto peritos independentes e agências de inteligência ocidentais têm opiniões distintas sobre se a Coreia do Norte realmente domina a concepção de bombas termonucleares, como Pyongyang costuma defender, dados sísmicos coletados em 3 de setembro de 2017 forneceram informação suficiente ao mundo para concluir que o país tem, sim, dispositivos capazes de destruir cidades inteiras.
Além disso, a recente viagem de Kim Jong-un a Pequim (China) foi uma demonstração de força, um sinal de que ele sente que seu poder no país está suficientemente consolidado para cruzar a fronteira.
O anúncio de interromper os testes nucleares também pode ser interpretado como um sinal de confiança renovada.
Outros planos?
Além de congelar testes nucleares, Kim disse que não irá mais testar mísseis balísticos intercontinentais.
E isso, por um lado, é surpreendente.
A Coreia do Norte realizou apenas três testes de mísseis que poderiam carregar ogivas nucleares em direção aos Estados Unidos.
Nenhum destes testes envolveu um míssil com uma trajetória de voo necessária para um ataque nuclear contra os EUA. Isso indica que mais testes são necessários para garantir a capacidade do país de atingir o solo americano.
Mas a Coreia do Norte pode ter outros planos.
Embora o país tenha conseguido dominar a maior parte do que é tecnicamente necessário para ameaçar os Estados Unidos, as capacidades do país ainda são limitadas pelo seu pequeno número de lançadores.
Atualmente, a Coreia do Norte tem provavelmente apenas seis veículos de lançamento para seus mísseis intercontinentais.
Apesar de que Kim Jong-un tenha declarado, no Ano Novo de 2017, que suas forças nucleares estavam "completas", há boas razões para acreditar que ele queria aumentar a quantidade de lançadores e até mesmo investir em componentes de sistemas de comando e controle nucleares.
Do ponto de vista tático, então, esse freio autoimposto nos testes de mísseis teria custos bastante limitados.
Fácil de romper
Em última análise, o congelamento desses testes não significa que Pyongyang não nos surpreenderá novamente.
A suspensão dos testes nucleares poderia ser mais crível se fosse feito um gesto de boa fé em relação à base de Punggye-ri.
A Coreia do Norte, por exemplo, poderia demolir os túneis de teste, mas o anúncio divulgado no sábado assinala que apenas o local será "desmantelado".
Enquanto detiver seu arsenal, o país pode romper sua autoimposta proibição sem qualquer aviso. Em 1999, a Coreia do Norte aceitou uma trégua em seus testes com mísseis, mas acabou rompendo o acordo em 2006.
Kim Jong-un também usou a última reunião do Comitê Central para promover o sucesso de seu projeto estratégico nacional, resumido pelo que chamou de linha byungjin.
O conceito refere-se à combinação entre o desenvolvimento de uma força nuclear estatal poderosa e de economia mais próspera.
Neste sábado, Kim afirmou claramente que, com a interrupção dos testes nucleares, concentrará todos os seus esforços em "construir uma economia socialista poderosa e melhorar significativamente a qualidade de vida da população".
É de se pressupor, portanto, que a Coreia do Norte busque alívio das sanções internacionais nas próximas cúpulas para alcançar tal objetivo, como uma espécie de moeda de troca pela decisão tomada.
Cúpulas importantes
As concessões anunciadas pelo líder norte-coreano ocorrem às vésperas de duas cúpulas importantes, uma com o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, e outra com a dos Estados Unidos, Donald Trump.
O encontro entre Kim e Trump acontecerá apenas alguns meses depois que eles trocaram insultos.
Muitos podem se questionar por que o líder norte-coreano toparia se encontrar com o presidente americano.
A resposta é simples: para Kim Jong-un, o encontro é por si só uma vitória - algo que nem seu avô nem seu pai conseguiram alcançar durante seus mandatos.
No final, o que a Coreia do Norte perde ao desmontar seu local de testes nucleares e submeter-se a uma moratória unilateral no lançamento de mísseis balísticos intercontinentais é inteiramente tolerável comparado ao que Kim Jong-un ganha ao sentar-se junto com Trump.
Vale lembrar que, no anúncio oficial deste sábado, não há nenhuma indicação sobre quaisquer intenções de "desnuclearização" por parte do país.
Embora Trump tenha elogiado a iniciativa de Kim como "um grande progresso", quanto mais rápido ele reconhecer os reais objetivos do líder norte-coreano, melhor.
*Ankit Panda é editor-sênior na revista The Diplomata e membro da Federação de Cientistas Americanos.
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