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Como são as 'jaulas' em que os EUA estão detendo filhos de imigrantes sem documentos

Autoridades publicaram esta imagem com imigrantes em uma espécie de jaula; jornalistas disseram ter visto crianças em condições semelhantes - Alfândega e proteção de fronteiras dos EUA
Autoridades publicaram esta imagem com imigrantes em uma espécie de jaula; jornalistas disseram ter visto crianças em condições semelhantes Imagem: Alfândega e proteção de fronteiras dos EUA

19/06/2018 15h35

"Nada menos que uma prisão".

Foi assim que o congressista democrata americano Peter Welch descreveu, em um tweet, um centro de detenção no Texas (EUA) em meio à polêmica sobre a política de imigração "tolerância zero", na qual os filhos são separados dos pais. O comentário foi feito após uma visita do parlamentar juntamente com outros deputados e alguns jornalistas.

A instalação do Texas é conhecida como Ursula, embora os imigrantes a chamem de "La Perrera" ("O Canil", em tradução livre), referindo-se às gaiolas instaladas no local que, além de imigrantes adultos, agora também são usadas ??para albergar crianças separadas de seus pais depois de tentar atravessar ilegalmente a fronteira.

As autoridades não permitiram que fotografias ou vídeos fossem feitos dentro do centro, mas o Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP, sua sigla em inglês) dos Estados Unidos publicou várias imagens.

"Acabei de sair de uma 'instalação de triagem' da patrulha fronteiriça, conhecida como 'geladeira'. É nada menos que uma prisão", disse Welch.

Gaiolas com cadeados

O congressista não foi o único que comparou o complexo a uma prisão.

A ex-primeira-dama Laura Bush, mulher de George W. Bush, disse que a estrutura se assemelha aos campos de detenção usados para prender nipo-americanos nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial.

"Numa das gaiolas havia 20 crianças. Havia também garrafas de água, sacos de batatas fritas e folhas grandes destinadas a servir de cobertores", informa a agência AP.

O senador democrata Jeff Merkley liderou uma equipe de parlamentares durante a visita ao complexo de Ursula, no último domingo.

Merkley ganhou as manchetes no início deste mês quando tentou entrar em outra instalação que abrigava cerca de 1.500 crianças em uma loja desativada do Walmart - e não foi autorizado.

Após visitar Ursula, o senador disse à CNN que um grande número de menores de idade estavam dentro de "uma gaiola de arame de cerca de 10x10 metros trancada com cadeados".

"Devo dizer, no entanto, que eles eram muito menos do que quando estive aqui há duas semanas. Me disseram que ônibus cheios de crianças foram levados antes de eu chegar."

Além disso, o senador Chris Van Hollen, de Maryland, expressou choque e raiva com as condições que viu.

"Acabei de sair do Centro de Triagem da Patrulha de Fronteira em McAllen, também conhecida como 'canil'. Eu testemunhei como as crianças estavam amontoadas, separadas de suas mães e pais. @realDonaldTrump, mude hoje sua política vergonhosa! #FamiliesBelongTogether ", diz o tweet.

Três alas

Em Ursula, mais de 1.100 imigrantes aguardam para serem processados.

Eles estão separados em três alas: crianças desacompanhadas, adultos sozinhos e pais com seus filhos.

As autoridades disseram que quase 200 dos detidos eram menores desacompanhados e outros 500 eram pais com seus filhos.

O jornal Los Angeles Times, que também enviou uma equipe para o centro de detenção, descreveu a instalação de 22 mil m² como "limpa, espaçosa e com piso de concreto".

O agente de patrulha responsável pela área, John Lopez, disse ao jornal que os 42 banheiros químicos do local são limpos três vezes ao dia.

Há três paramédicos, dois membros da equipe médica e 310 funcionários, mas não há equipe de saúde mental ou treinamento, detalha o jornal.

As luzes do prédio ficam acesas o tempo todo.

Do tamanho de um Walmart

A cerca de 80 km de distância, na cidade de Brownsville, cerca de 1.500 crianças estão alojadas em um prédio que já foi um hipermercado da rede Walmart.

As crianças, entre 10 e 17 anos, foram detidas quando atravessavam a fronteira ilegalmente.

É a maior instalação nos Estados Unidos para crianças e o número aumentou em centenas no último mês.

No dia 4 de junho, o senador Merkley mostrou em uma transmissão ao vivo pelo Facebook que a equipe de segurança negou sua entrada no local, conhecido como "Casa Pai".

Esse fato gerou dúvidas sobre as condições em que as crianças estavam no local.

Na semana passada, vários meios de comunicação puderam entrar para ver as instalações. Nenhuma gaiola foi mencionada, mas eles compararam a acomodação a um armazém gigante.

Para abordar aqueles que chegam agora, com a nova política de "tolerância zero" em vigor, berços foram adicionados aos dormitórios da "Casa Pai".

O jornal New York Times descreveu o local como "limpo, grande e brilhante", com crianças recebendo aulas seis horas por dia e recreio ao ar livre durante duas horas por dia. O local conta com 48 trabalhadores, incluindo três médicos.

O presidente americano, Donald Trump, afirmou na última quarta-feira que irá acabar com a separação de pais e filhos detidos na fronteira.

Trump assinou um documento que determina que elas fiquem em um mesmo centro de detenção que os pais.

Trauma a longo prazo?

"As crianças que foram separadas de seus pais já estão traumatizadas", disse o senador Merkley.

Segundo Merkley, uma vez separados, não importa se o piso é varrido ou se estão bem agasalhados.

As autoridades dizem que estão tentando manter os irmãos juntos e não separar as crianças menores de quatro anos de seus pais.

Mas Anne Chandler, diretora do Centro de Justiça Tahirih em Houston, uma organização sem fins lucrativos que ajuda crianças imigrantes na fronteira sul dos Estados Unidos, disse à revista Texas Monthly que tinha ouvido histórias de "crianças muito jovens, inclusive algumas que precisam ser amamentadas, e com menos de três anos de idade, separadas dos pais em abrigos".

"Eu estava falando com uma mãe, quando ela disse: 'não levem meu filho', e a criança começou a gritar, vomitar e chorar histericamente. A mulher pediu aos funcionários: 'Posso tentar confortá-la pelo menos por cinco minutos?' Mas eles negaram", disse Chandler à revista.

A Academia Americana de Pediatria advertiu na semana passada que "experiências altamente estressantes, incluindo a separação da família, podem causar danos irreparáveis ??ao desenvolvimento ao longo da vida, alterando a arquitetura cerebral de uma criança".

Reportagem atualizada dia 21 de junho de 2018.