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O que namoro de Bolsonaro com PR revela sobre estratégia rumo ao Planalto

Mariana Sanches - @mariana_sanches - Da BBC Brasil em São Paulo

04/07/2018 05h44

"É um namoro sério, quase um noivado". A definição sobre a relação do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) com o PR do senador Magno Malta é feita pelo deputado federal Capitão Augusto (PR-SP). Desde dezembro do ano passado, ele tem se dedicado a uma aproximação entre a legenda e o candidato.

O possível casamento entre Bolsonaro e o PR - Partido da República - não é apenas mais uma das esperadas coligações que ocorrerão entre os mais de 30 partidos brasileiros até as eleições de outubro.

Para o pré-candidato do PSL, a união significaria um salto de uma campanha nanica, com 9 segundos de TV e nenhum palanque estadual, para a oportunidade de falar ao eleitor por mais 45 segundos e aproveitar a estrutura de um partido médio, com 41 deputados.

O arranjo ainda desloca a candidatura Bolsonaro para um projeto mais palatável para o Centrão, conjunto de partidos composto por PP, PSD, PR e DEM, que hoje não acredita na viabilidade de Geraldo Alckmin (PSDB) para vencer a disputa nem está plenamente convencido em abraçar a candidatura Ciro Gomes (PDT).

Para o PR, Bolsonaro poderia catapultar os votos da legenda a ponto de garantir ao menos 50 deputados federais, uma bancada 20% maior do que a atual. Além de devolver-lhes a posição na vice-presidência, ocupada por José Alencar nos anos Lula (2003-2010), e repovoar, com suas indicações, a esplanada dos Ministérios.

No plano original, parte dos dirigentes do PR pretendia filiar Bolsonaro e dar a ele legenda para disputar a presidência. "Não teve jeito porque o PR tem um partido grande, com coligações regionais com partidos de esquerda, coisa que o Bolsonaro não admite", reconhece Capitão Augusto. Em 2014, o PR apoiou candidatos petistas a governo em cinco Estados.

"Mas a vice (-presidência) seria um caminho ideal pra nós", explica Capitão Augusto.

O noivo: Magno Malta

Nas últimas semanas, o senador Magno Malta (PR-ES) se dedicou a uma agenda incomum para alguém que pretende disputar a reeleição ao Senado pelo Espírito Santo. Fez um périplo por Estados como Tocantins e Maranhão. Nas viagens, abraçou candidatos a governo locais, visitou programas filantrópicos, alimentou com vídeos seus perfis em redes sociais. Os compromissos - cada vez mais nacionais - condizem com o possível papel de Malta nas próximas eleições: o de candidato do PR a vice de Bolsonaro.

Há quase 16 anos no Senado - onde, de acordo com seus próprios assessores - passou boa parte do tempo sendo tratado como "baixo clero", Malta nunca foi tão relevante na política. "Era discriminado mesmo, ninguém botava pra comissão porque ele tem baixa formação, vem de berço negro e pobre", diz um de seus auxiliares.

Adepto ao jiu-jitsu, era visto pelos pares como uma presença folclórica nas fileiras do Senado; alguns o chamavam de Paulo Cintura do Congresso - em referência ao personagem atlético da escolinha do Professor Raimundo. Em seu gabinete no Senado Federal, ele ostenta luvas de luta e camisas de futebol, orgulha-se de ter assessores que são também esportistas e não se furta de publicar vídeos que misturam esporte e política. Em um dos mais famosos, de camiseta regata, músculos à vista e um saco de areia ao fundo, ele brada: "Querem que o Lula vire presidente, envolto em um manto de impunidade, ele e seus asseclas que virarão ministros".

Malta, no entanto, cresceu politicamente nos últimos três anos graças a dois fatores: tornou-se uma das principais vozes evangélicas no Congresso e apostou pesadamente em comunicação via redes sociais. No Facebook, em que não costuma passar mais do que sete horas sem fazer uma postagem, ele possui mais de 1,5 milhão de seguidores - um crescimento de 161% em relação a julho de 2015, há 3 anos, quando Malta contava 575 mil seguidores.

Entre seus projetos de lei mais populares estão os principais pleitos da bancada evangélica hoje: a proposta que cria o programa Escola Sem Partido, para proibir professores de expressar, em sala, opiniões sobre questões políticas, ideológicas ou de gênero, a proposta que acaba com a maioridade penal e permite que crianças e adolescentes sejam criminalmente processados como adultos e o texto de emenda constitucional que isenta nacionalmente igrejas de pagamento de IPTU.

Considerado gentil e piadista, ele tem bom trânsito até mesmo com parlamentares da oposição. Durante o impeachment de Dilma Rousseff, gostava de dizer à equipe jurídica da ex-presidente que iria contratá-los para trabalhar com ele depois que o governo caísse.

Hoje, não se pode dizer que Malta seja uma liderança importante para definir rumos e estratégias partidárias no Congresso, mas ele conseguiu deixar de ser manobrado pelos caciques.

Um caso ilustra bem a situação: atualmente Malta preside a CPI dos maus tratos a crianças e adolescentes, cujo principal objetivo, de acordo com senadores ouvidos pela reportagem, é servir de palanque para Malta. No ano passado, no entanto, Malta levou à sessão da CPI um presidiário acusado de pedofilia, algemado e sem advogado, e passou a interrogar o homem em frente aos demais senadores. Sob pressão, o acusado acabou por confessar os crimes aos prantos. Senadores consideraram a cena constrangedora e pediram ao presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), que encerrasse imediatamente a CPI. Malta, no entanto, conseguiu reverter o mal-estar e mantém até hoje o controle sobre a comissão, o que lhe garante visibilidade para se projetar como vice.

Se seus passos sugerem um caminho para ser candidato a vice, Malta prefere fazer suspense sobre a decisão: "Realmente o PR vê com muitos bons olhos a candidatura de Bolsonaro. Eu sou cabo eleitoral de Bolsonaro, assumido, o Brasil todo sabe disso", reconhece Malta, em mensagem enviada à BBC News Brasil via assessoria. "Agora, tem muita água pra correr debaixo da ponte. Tem um mês inteiro. Sou uma pessoa que dependo de Deus. Preciso entender onde está minha importância, se seria dentro do Senado, com Bolsonaro presidente da República, o ajudando dentro das mudanças que terão de ser feitas. Eu não vou fazer nada atabalhoadamente, já me sinto muito honrado de ser escolhido por ele e por parte do Brasil que gostaria de ver uma chapa Bolsonaro/Magno Malta", pondera, sugerindo que a resposta virá apenas em agosto.

Para ser vice de Bolsonaro, Malta não depende apenas de Deus. Ele teria que deixar para trás uma eleição confortável ao Senado, e se arriscar a um pleito incerto. Para assegurar-se, pretendia colocar a mulher, a cantora gospel Lauriete Rodrigues, para disputar a vaga ao Senado em seu lugar. Lauriete tem alguma experiência eleitoral, já foi deputada federal, mas a disputa interna no PR do Espírito Santo se intensificou nas últimas semanas e outros nomes podem querer tomar o lugar dela, caso Malta não seja candidato ao Senado.

Além disso, há quem argumente dentro da campanha de Bolsonaro que Malta não agrega tantos votos ao presidenciável porque seu eleitorado é o mesmo do presidenciável. Além disso, Malta é de um Estado pouco expressivo e, embora seja baiano, fez carreira política no Sudeste, portanto não ajudaria o candidato do PSL a vencer resistências no Nordeste, única região em que Bolsonaro perde para outros candidatos em um cenário sem Lula, segundo a última pesquisa Ibope.

Um de seus assessores arrisca, no entanto, que, se fosse para descartar a candidatura a vice, ele já teria deixado clara sua posição. Há algumas semanas, circulou na imprensa a informação de que ele declinara do convite. A notícia era falsa. O assessor de imprensa de Malta deu uma série de ligações, a mando de Malta, para desmentir o boato.

Ainda assim, o senador prefere se desvencilhar. "Eu penso que há uma precipitação muito grande. Os candidatos estão aí, se colocando. Ninguém pergunta quem é o vice de Ciro, Marina, Alckmin e Boulos. Essa insistência eu não entendo pra se saber com tanta antecedência o vice de Bolsonaro", diz Malta.

Cortejo no varejo

A conversa com o PR torna mais profissional e concreta a formação de uma rede de apoio político a Bolsonaro. Até agora, a equipe do candidato vinha realizando aproximações pontuais com parlamentares considerados de baixo clero, de partidos como PRB, PR, PP, DEM, SD e PTB.

A estratégia era atraí-los para almoços ou jantares, às quartas-feiras, na casa do deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS), coordenador do programa do candidato. Nesses eventos, Lorenzoni e outros apoiadores de Bolsonaro apresentariam as intenções da campanha e prometeriam protagonismo inédito aos parlamentares na composição de um futuro governo do atual deputado federal. Na conta dos apoiadores e mesmo da oposição a Bolsonaro no Congresso, o cortejo no varejo já teria convertido 90 parlamentares em favor do presidenciável.

"Começamos com meia dúzia de gatos pingados, atraídos pelos dotes culinários do Onyx", brinca o deputado federal Major Olímpio (PSL-SP) sobre o cardápio dos encontros, que costuma incluir uma carne gaúcha, além de arroz e feijão. "E agora estamos tendo que comer de pé, com o prato na mão, de tanta gente que já apareceu", completa.

O movimento não tem encontrado forte resistência entre as lideranças partidárias porque, para os partidos com integrantes que acabam cooptados pela campanha, o jogo pode ser interessante.

Considerado bom puxador de votos, Bolsonaro poderia ajudar a aumentar bancadas mesmo das legendas que não estejam oficialmente coligadas a ele. A situação já se dá no próprio PR. Nas contas do deputado Capitão Augusto, Bolsonaro conta hoje com o apoio de 27 dos 41 deputados do partido. José Rocha, em um cálculo mais conservador, afirma que são 12. Independentemente dos rumos que a direção do PR determinar na campanha, os líderes da sigla sabem que esses deputados deverão se manter firmes na ideia de fazer campanha por Bolsonaro.

'Qual é o partido que não tem um problema hoje?'

O PR é hoje o único partido com cuja cúpula Bolsonaro mantém algum trânsito. A aversão do deputado a legendas é conhecida. Tanto que, para se filiar ao PSL, ele exigiu controle total sobre a legenda. O mesmo não acontecerá com o PR, em caso de coligação. "Como temos alguns policiais como deputados, ele se aproximou. Para o Bolsonaro, somos importantes porque ele vai precisar de tempo de TV para se defender das porradas que vai levar", afirma o líder da bancada do PR na Câmara, deputado José Rocha.

De acordo com Rocha, o casamento com Bolsonaro só não sairá se o PR puder escolher por um negócio que considera ainda melhor: o de ter Josué Gomes, filho de José Alencar e dono da Coteminas, como candidato à presidência em uma chapa composta junto ao PT. De acordo com o PR, a costura contaria com o ex-governador da Bahia Jaques Wagner no posto de vice.

O cenário, no entanto, é hoje improvável já que nem chega a ser abertamente discutido dentro do PT, que não pretende lançar qualquer candidato para substituir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva até que a candidatura do petista seja definitivamente impugnada pela Justiça. Procurado pela BBC News Brasil, Josué não comentou o assunto. A reportagem não conseguiu contato com Jaques Wagner.

Se a coligação com o PR tem vantagens para o presidenciável do PSL, ao mesmo tempo deve criar uma vidraça imediata para o candidato. Bolsonaro gosta de dizer que sua campanha não tem envolvidos na Lava Jato. No entanto, o PR é comandado por Valdemar Costa Neto, condenado no escândalo do Mensalão - caso de compra de votos de parlamentares pelo governo petista. Aliados de Bolsonaro temem que algo semelhante possa se repetir caso a coligação se concretize.

"De graça, o PR não ajuda um cego a atravessar a rua. Esse perfil altruísta do PR, de que quer mudar o Brasil, não cola. Em 15 minutos no poder eles vão querer cobrar o deles e o pau vai quebrar", diz um dos parlamentares envolvidos na campanha.

Bolsonaro sabe que Valdemar pode funcionar como âncora para suas pretensões eleitorais. Por isso, articula com o PR para que o deputado Capitão Augusto assuma a presidência da legenda em agosto. Seria uma medida cosmética para não afugentar simpatizantes.

Desde a condenação a mais de sete anos de prisão, em 2013, Valdemar buscou submergir na política, sem, no entanto, perder o controle sobre a legenda. Em 2015, ele chegou a se desfiliar do PR e hoje é oficialmente funcionário da legenda, contratado como administrador. Por meio de sua assessoria, ele nega ingerência política sobre o PR. Consultado sobre quem manda na legenda, no entanto, o líder do PR na Câmara, deputado José Rocha, é direto: "Valdemar! Mas qual é o partido que não tem um problema hoje? Não tem um que não tenha".