Operação Palmeira-Real-de-Cuba: Como a Alemanha Oriental ajudou Cuba a espionar os EUA
Na década de 1980, a antiga República Democrática Alemã (RDA, alinhada à antiga União Soviética) e Cuba se uniram para um projeto ambicioso: espionar os Estados Unidos. Para isso, não era preciso ir muito longe. O alvo da "Operação Secreta Palmeira-Real-de-Cuba" era a base militar americana de Guantánamo, na ilha caribenha, arrendada pelos EUA em 1903.
A operação era quase rotineira para o Ministério para a Segurança do Estado, o serviço secreto da Alemanha Oriental, popularmente conhecido com Stasi. Havia anos que a RDA já espionava, com sucesso, o governo da Alemanha Ocidental (alinhada aos EUA) e a base da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA na montanha Teufelsberg, em Berlim Ocidental.
Bem-sucedidos nesse campo, os alemães orientais pretendiam passar a diante os conhecimentos acumulados para um parceiro de longa data.
"A cooperação entre a RDA e Cuba teve início cedo e durou até a reunificação da Alemanha (1990). Os primeiros acordos gerais foram acertados durante uma visita de Che Guevara à Alemanha Oriental no início da década de 1960", afirma o cientista político Jochen Staadt, integrante de um grupo de pesquisa sobre a RDA da Universidade Livre de Berlim.
Os acordos bilaterais abrangiam diversas áreas e previam não somente a exportação de equipamentos da RDA para Cuba, mas também de métodos, como técnicas de espionagem ou as aplicadas no sistema prisional. Já a ilha caribenha possibilitava à Alemanha Oriental o acesso a alimentos e frutas considerada exóticas na Europa, como banana, e à mão de obra. Cerca de 8 mil cubanos trabalharam temporariamente na RDA, por meio do programa que estimulava a ida de trabalhadores convidados ao país.
No âmbito dessa intensiva troca, surgiu então a "Operação Secreta Palmeira-Real-de-Cuba", batizada com o nome da espécie de uma árvore típica do Caribe. A primeira reunião entre representantes dos dois países para tratar do tema ocorreu em abril de 1984.
A partir de então começou a preparação para esse projeto-piloto, que visava descobrir detalhes sobre a tecnologia americana e frequências de comunicação utilizadas em Guantánamo, além de espionar a comunicação direta do local com os EUA e outras bases militares. Cuba e a RDA desejavam ter acesso a informações sobre atividades americanas no Caribe e dados político-operativos dos adversários capitalistas.
Palmeira-Real-de-Cuba
A parceria firmada entre a Stasi e o Ministério do Interior de Cuba previa que a operação durasse até setembro de 1985. A RDA entrou com o equipamento de espionagem e o treinamento de agentes cubanos para a missão.
Na primeira fase, agentes secretos de Berlim Oriental viajaram a Havana para treinar agentes cubanos e também receberam funcionário de Cuba na RDA. O treinamento abrangia, entre outros, o manejo dos equipamentos de escuta.
Entre fevereiro e março de 1985, embarcado disfarçado como "complexo de exploração geológica", parte do equipamento foi enviado a Cuba de navio. Agentes da Stasi com passaportes diplomáticos transportaram o resto do material.
Toda a parafernália, porém, foi apenas emprestada para a operação e deveria ser devolvida à RDA após o fim do projeto-piloto. Se a missão fosse bem-sucedida, Cuba deveria montar uma base de espionagem própria, adquirindo o material da Alemanha Oriental e de outros países socialistas.
Programado para 1º de abril de 1985, o início da operação teve que ser adiado para maio devido a empecilhos que surgiram no transporte do equipamento.
"Um problema foi se aproximar de Guantánamo sem que os americanos percebessem. Os agentes agiram de maneira muito estratégica, trabalhando apenas de noite e disfarçando os equipamentos. Em outras regiões, montaram barracas bem visíveis para atrair a atenção e, assim, poder continuar a montagem da estação sem serem incomodados", afirma o jornalista Holger Kulick, do Centro Alemão de Formação Política (bpb), que organizou um dossiê sobre a Stasi.
Segundo os documentos descobertos no arquivo do Ministério para a Segurança do Estado da Alemanha Oriental, analisados por Kulick, os envolvidos na montagem contaram com a Lua como única fonte de luz nesta fase da operação.
De oito a dez funcionários da Stasi, um tradutor, um engenheiro e cerca de 20 agentes cubanos participaram da operação. Já nos primeiros dias, 70 fitas com cerca de 600 conversas foram gravadas. Além de identificar canais de comunicação usados pelos EUA, os agentes conseguiram descobrir alvos de espionagem americana em Cuba e alertá-los.
Não há, porém, informações sobre o exato conteúdo das gravações realizadas no âmbito da operação. "Os detalhes sobre o que foi ouvido não estavam nos documentos que encontramos no arquivo", conta Kulick.
É possível que parte desses registros estivesse entre os milhões de documentos da Stasi que foram destruídos por funcionários do ministério no início do processo que levou ao fim da RDA e à reunificação da Alemanha, desencadeado a partir de 1989.
Avaliação positiva
Mesmo sem ter acesso a esses documentos, Kulick acredita que a intenção, por parte de Cuba, de dar continuidade ao projeto de espionagem e ampliá-lo com a participação de 40 especialistas demonstra o sucesso da operação.
Os documentos encontrados no arquivo reforçam a avaliação do especialista. Apesar das dúvidas do diretor alemão do projeto, Fritz Gregor, em relação à disposição dos cubanos, que considerou não acostumados ao trabalho intensivo e longo, em dezembro de 1985, a RDA encerrou o projeto-piloto com uma avaliação positiva.
A Alemanha Oriental destacou ainda que Cuba pretendia, a partir de meados de 1986, montar um complexo próprio de espionagem.
"Nos documentos não há mais informações sobre o que aconteceu a partir de 1986. Por isso posso somente especular, mas não acho que a RDA, a União Soviética e Cuba perderam essa oportunidade de se aproximarem intensivamente com essa tecnologia das instalações americanas. Imagino que muitas dessas técnicas podem ter sido aperfeiçoadas e podem estar em uso até hoje", afirma Kulick.
Staadt também diz que é impossível saber se o governo cubano realmente continuou a espionagem. "Mas depois desse episódio, sabe-se que Cuba conseguia escutar até Miami", ressalta.
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