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Eleições 2018: Por que Bolsonaro anima o mercado financeiro?

Os indicadores do mercado financeiro refletem a animação com as grandes chances de vitória de Bolsonaro; a subida das ações, por exemplo, significa que mais pessoas se sentem otimistas para comprá-las, o que faz seu preço aumentar - Igo Estrela/Estadão Conteúdo
Os indicadores do mercado financeiro refletem a animação com as grandes chances de vitória de Bolsonaro; a subida das ações, por exemplo, significa que mais pessoas se sentem otimistas para comprá-las, o que faz seu preço aumentar Imagem: Igo Estrela/Estadão Conteúdo

Ingrid Fagundez - Da BBC Brasil em São Paulo

Da BBC Brasil em São Paulo

25/10/2018 19h23

"Bolsa sobe e dólar cai após pesquisa confirmar dianteira de Bolsonaro."

Títulos semelhantes a esse tornaram-se comuns no segundo turno das eleições à Presidência, depois de pesquisa eleitorais mostrarem o candidato Jair Bolsonaro (PSL) muito à frente de Fernando Haddad (PT) na disputa. Só em outubro, o Ibovespa, principal indicador da bolsa paulista, acumula alta de mais de 6%; enquanto o dólar já caiu mais de 7% neste mês.

Os indicadores refletem a animação do mercado financeiro com as grandes chances de vitória de Bolsonaro. A subida das ações significa que mais pessoas se sentem otimistas para comprá-las, o que faz seu preço aumentar. Mas o que explica essa euforia?

Segundo analistas e professores entrevistados pela BBC News Brasil, a receita combina dois fatores: uma forte rejeição que cria um clima de "tudo menos o PT" e a presença de Paulo Guedes na campanha do PSL, visto como um economista comprometido com a agenda liberal. Mesmo assim, há dúvidas que persistem a poucos dias da eleição e podem, na opinião dos especialistas, reverter essa animação a qualquer momento.

A visão dos entrevistados, no entanto, não é consenso no mundo econômico: ela diverge dos argumentos de economistas que apoiam as propostas de Haddad e que veem no liberalismo e no corte de gastos públicos um risco de aprofundar a recessão e piorar a proteção social das camadas mais pobres da população.

O antipetismo

O otimismo que se vê no mercado financeiro, na visão dos entrevistados, não estaria diretamente ligado à figura de Bolsonaro, mas ao que seu crescimento nas pesquisas representa: a menor chance de Haddad ganhar.

Segundo analistas, parte importante dessa reação é o alívio por não haver um novo governo petista, possibilidade vista como "muito negativa" por investidores, que associam o partido à crise econômica e à piora das contas públicas observadas nos últimos anos.

Bolsonaro seria, portanto, o "menor pior" de dois nomes ruins, diz o professor de economia Insper Otto Nogami. Ele explica que no primeiro turno a aposta do mercado era Geraldo Alckmin, do PSDB, considerado a escolha mais segura entre os candidatos.

O discurso de Alckmin, de privatizar estatais e fazer a reforma da Previdência, estaria alinhado ao que o mercado deseja, além de ele ter ampla experiência como governador de São Paulo e articulação política para aprovar suas propostas.

Ele afirma que, no primeiro turno, tanto Bolsonaro quanto Haddad e Ciro Gomes (PDT) preocupavam os investidores. Mas o petista sempre teve a maior rejeição.

O forte crescimento das despesas públicas nas gestões do PT e a interferência estatal em questões como as tarifas de energia elétrica, por exemplo, são encarados com aversão pelo mercado. Para analistas, os governos petistas foram irresponsáveis com o orçamento, o que deixou o país numa situação fiscal delicada - o argumento está entre os usados no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

"Tudo o que foi feito na economia nos últimos anos, no final do mandato do Lula e no de Dilma, com as intervenções e o aumento do crédito, não gerou emprego, renda ou resultados para as empresas. O viés é mal visto por esse motivo", diz a analista de macroeconomia e política da Tendências Consultoria Alessandra Ribeiro.

As propostas de Haddad

Além disso, acrescenta Ribeiro, as propostas de Haddad vão na direção contrária do que o mercado quer. Ele propõe revogar projetos aprovados sob a presidência de Michel Temer (MDB), como a reforma trabalhista e o teto dos gastos públicos, que limita o crescimento das despesas do governo por 20 anos.

O plano do candidato prevê, por exemplo, que "não é possível governar o Brasil nessa crise sem revogar as medidas que atacam a soberania nacional e popular, impostas pelo governo ilegítimo de Temer".

Na visão petista, o teto dos gastos, por exemplo, já se mostrou ineficiente para reanimar economias na Europa, que tiveram suas recessões aprofundadas após programas de austeridade.

"Nem o FMI ousou impor à Argentina aquilo que o governo Temer se autoimpôs e impôs ao país", afirmou Haddad em comício no mês passado. Sobre a reforma da Previdência, o presidenciável diz que não descarta definir uma idade mínima para aposentadoria, mas afirmou que, no primeiro ano de seu eventual governo, restringirá as mudanças ao regime previdenciário dos servidores públicos.

Ribeiro, da Tendências, argumenta que investidores pensam o oposto de Haddad: não seria possível governar o país sem tais medidas, que cortam gastos e ajudariam a colocar o orçamento público em ordem.

Para a analista da Tendências, revogar o teto dos gastos sem apresentar uma reforma da Previdência seria uma "péssima notícia". Isso porque os benefícios previdenciários abocanham boa parte dos gastos totais do governo - 53,4%, segundo estimativas da proposta de orçamento de 2019 -, espremendo os recursos para outras áreas, como saúde e educação. Sem dinheiro em caixa, o país tornaria-se "ingovernável".

"Eles querem voltar atrás em todos os avanços do governo Temer. E tem uma parte que é biruta, que não vai implementar de jeito nenhum. Falar em controlar capital especulativo para o mercado é um desespero. Muitos desses tópicos não devem ser implementados, mas sinalizam algo. E os mercados reagem a isso."

A professora de Macroeconomia da FGV Celina Martins Ramalho, que ensina sobre negócios no Brasil para estrangeiros, tem outros adjetivos para as ideias de Haddad: "problemáticas" e "ingênuas".

"Revogar o teto dos gastos é um tiro no pé, porque o grande problema da economia brasileira é o deficit público. Para o governo se movimentar, ele precisa estar saudável."

A ingenuidade ficaria por conta da crença de que, como governo, o PT conseguiria reverter todas as reformas, em uma Câmara em que o PSL terá a segunda maior bancada, com 52 deputados, atrás do próprio PT, que terá 56. Apesar de siglas importantes não terem apoiado Bolsonaro, é pouco provável que num clima forte de antipetismo, PSDB e PMDB atuem em aliança com um governo Haddad.

Celina Ramalho, da FGV, diz que essa polarização também influencia o comportamento dos investidores.

"A sociedade brasileira está marcada pela (polarização) direita e esquerda. Esse é o mapa mental, no sentido político, para os brasileiros, e é a maneira como eleitores e mercado estão enxergando as candidaturas. Isso significa que as propostas ficam em segundo plano e as pessoas vão a favor ou contra uma posição política."

Nesse cenário, estereótipos como "ladrão" ou "marionete de presidiário" de um lado e "nazista" ou "louco" de outro acabam influenciando os investidores.

Mesmo se as propostas fossem diferentes e o antipetismo abrandasse, o professor diz que resta uma dúvida crucial: quem iria implementar as propostas do candidato?

Ministro desconhecido

A equipe de um eventual governo Haddad ainda é incerta. Em entrevista recente à rádio CBN, ele disse que, se eleito, seu ministro da Fazenda não será um banqueiro, mas um economista ou um empresário. No entanto, não citou nomes.

"Nesse ambiente desastroso, quem ele vai trazer como ministro da Fazenda? Quem vai aceitar o desafio? No passado recente, todos os economistas [nomeados pelo PT] causaram apreensão no mercado."

Bolsonaro, por outro lado, já tem um escolhido - e ele é um dos motivos da animação de agentes econômicos.

Paulo Guedes e sua agenda

O economista Paulo Guedes, escolhido por Bolsonaro para assumir seu Ministério da Fazenda em caso de vitória, é conhecido pelo mercado. Fundador do Banco Pactual, com passagens pelo conselho de administração de várias empresas, ele fez doutorado na Universidade de Chicago, uma das referências do pensamento econômico liberal.

Guedes também está familiarizado com o mercado de ações. Ele é fundador e sócio majoritário do grupo BR Investimentos, hoje parte da Bozano Investimentos, e durante sua carreira procurou estimular o crescimento do mercado de capitais no país.

Um liberal clássico, Guedes é considerado pela professora da FGV Celina Ramalho um "nome fundamental" na campanha do militar reformado.

"Ele vem da escola de Chicago, a economia mais ortodoxa para o modelo capitalista. A iniciativa privada é motivada por isso. E a prática dele é no mercado de capitais. Ele é um grande especialista no assunto."

Além disso, os entrevistados dizem que, na área econômica, o plano de Bolsonaro está alinhado com o que os agentes econômicos esperam: manutenção e aprofundamento das reformas feitas pelo governo Temer, privatizações, e enxugamento do Estado - cortando ministérios, por exemplo.

No plano de governo do PSL, há muitas menções ao equilíbrio das contas, principal preocupação para investidores - a dívida pública chegou a 77,3% do PIB em agosto, segundo dados do Banco Central.

No documento, Bolsonaro promete "inverter a lógica tradicional" de gastos, implementando um orçamento de base zero, no qual cada gestor terá de justificar suas demandas por recursos públicos.

"Não haverá mais dinheiro carimbado para pessoa, grupo político ou entidade com interesses especiais", diz o plano. Atualmente, a Constituição prevê a vinculação dos gastos com saúde e educação a um patamar da receita líquida do governo.

Em educação, por exemplo, a Constituição prevê um gasto mínimo de 25% das receitas tributárias de estados e municípios - incluídos os recursos recebidos por transferências entre governos - e de 18% dos impostos federais, já descontadas as transferências para estados e municípios.

As mudanças propostas por Bolsonaro são "música para os ouvidos" do mercado financeiro, diz Alessandra Ribeiro. Segundo ela, a diminuição das intervenções estatais na economia também é atrativa.

Dúvidas sobre Bolsonaro

Apesar de ser uma sinalização eficaz para o mercado, Guedes - e Bolsonaro - ainda geram muitas dúvidas. Segundo os analistas, as principais são: será que o economista terá liberdade para implementar sua agenda? E se tiver, o governo terá apoio para aprová-la?

"Paulo Guedes é conhecido como um grande liberal. É a figura dele que traz um certo conforto, mesmo com a preocupação sobre o grau de liberdade que ele terá."

O "porém" do professor Otto Nogami é repetido por todos os entrevistados. Ele diz que o economista é, sim, um bom sinal, mas não é uma garantia de que as propostas serão aplicadas.

Como expõe Nogami, a primeiro temor é que Bolsonaro tenha uma postura semelhante à de Dilma em relação a seu ministro da Fazenda Joaquim Levy. Convidado por ser próximo do mercado e com a missão de equilibrar as contas públicas, Levy encontrou resistências internas para aplicar cortes nos gastos. Ficou apenas 11 meses no cargo, antes de pedir demissão depois de uma sequência de derrotas, com o próprio governo tomando ações que contradiziam o ajuste fiscal e brigas com ministros.

"O medo é que Bolsonaro tenha uma atitude semelhante à da ex-presidente, que falava 'a economista do governo sou eu'", diz Nogami.

Esse receio é reforçado pelas diferenças Guedes e Bolsonaro já mostraram ter, principalmente quando o assunto é privatização. Em entrevista à agência Reuters, em maio, o economista defendeu "vender tudo" e usar os recursos para pagar a dívida pública. Guedes disse que todas as empresas estariam na fila, incluindo a Petrobras, o Banco do Brasil e Eletrobras.

"Privatizar só no sapatinho, envergonhadamente, não. Tem que acelerar privatização para jogar na área social", disse.

No entanto, Bolsonaro deu declarações que vão na contramão da visão de Guedes. Ele disse em uma entrevista à Band TV que é contra a venda de ativos na geração de energia e que gostaria de manter parte da Petrobras estatal.

Liberalismo recente?

Para Alessandra Ribeiro, da Tendências, Bolsonaro é um "liberal recém-convertido" e as pautas que apoiou como deputado foram bastante corporativistas. Bolsonaro foi contra a abertura do mercado brasileiro para o exterior nos anos 1990, contra o Plano Real e contra a reforma da Previdência, por exemplo.

"Ele diz que não vai entregar a geração de energia para chinês e não vai privatizar setores estratégicos. Ele é recém-convertido, mas quando questionado, as ideias protecionistas vêm à tona. Não podemos desprezar uma fonte de atrito entre eles."

Esse atrito poderia afundar os planos de Guedes, diz Ribeiro. O economista disse à imprensa que há R$ 1 trilhão em ativos a serem privatizados, incluindo a Petrobras, que poderão se usados para reduzir a dívida. "Mas se Bolsonaro discordar de parte das vendas, de onde virão os recursos?", pergunta a analista.

Ela considera que, com essas falhas, algumas medidas de Guedes "não param em pé".

Interação com o Congresso

Os conflitos externos - entre governo e Congresso - também são vistos como questões em aberto. Os entrevistados dizem que, mesmo se conseguir desenvolver as propostas, a equipe de Bolsonaro pode esbarrar na polarização das Casas. O PT terá a maior bancada da Câmara, com 56 deputados, e siglas importantes, como o PSDB e MDB, não declararam apoio ao candidato do PSL.

Apesar de o partido ter eleito 52 deputados neste ano e Bolsonaro contar com o apoio da frente ruralista (com 261 parlamentares), sua base ainda é considerada pequena, diz Silvio Cascione, da consultoria Eurasia Group. Ele afirma que o resultado das eleições foi favorável ao militar reformado, mas pode não representar uma coalizão forte o suficiente para aprovar reformas.

"Não é simplesmente contar os votos, tem que ter uma lealdade sólida, ficar até tarde nas votações para ter quórum, apoiar o governo nas comissões. É uma relação profunda e como Bolsonaro vem de fora desse sistema pode não querer fazer o jogo do toma lá, dá cá."

A possível falta de interlocução política de Bolsonaro e de Paulo Guedes, que nunca exerceu um cargo público, podem complicar o cenário. Alguns professores consideram que o primeiro corre o mesmo risco de Dilma: não conseguir costurar acordos para passar medidas importantes e acabar isolado.

Autoritarismo ou democracia?

As críticas que Bolsonaro recebe da imprensa nacional e internacional por seus posicionamentos políticos e sociais não parecem interferir na decisão dos investidores. O candidato foi chamado de a "ameaça da América Latina" pela revista britânica The Economist e a "triste escolha do Brasil", pelo New York Times que, em editorial, disse que o presidenciável tem pontos de vista "repulsivos". Mas nada disso altera a reação do mercado, dizem os analistas.

Alguns acreditam que Bolsonaro vai respeitar as instituições e abrandar o tom quando eleito. Outros citam a força das instituições brasileiras para barrar qualquer movimento antidemocrático.

Para Otto Nogami, entra aí um elemento de simpatia pelo discurso de Bolsonaro.

"Escuto muito no mercado que o conceito de democracia extrapolou os limites. O que se vê na figura dele? Alguém que vai impor moralidades para resgatar os bons costumes sem ferir a democracia."

O benefício da dúvida

Cercado das dúvidas por parte do mercado, Bolsonaro também se beneficia delas. De acordo com os entrevistados, diferentemente de Haddad, que começou a corrida presidencial com falta de credibilidade, o capitão reformado ganhou um voto de confiança de parte expressiva de analistas e investidores.

Cada entrevistado dá uma duração diferente para essa "lua de mel". Uma parte fala que tudo vai depender do que Bolsonaro e sua equipe fizerem durante o período de transição com o governo Temer - se trabalharem, por exemplo, pela aprovação da reforma da Previdência antes do dia 1º de janeiro, ou costurarem acordos com partidos de centro. Outro grupo defende que os seis primeiros meses serão cruciais para saber se um governo do PSL representará um novo rumo para a economia.

Seja qual for o prazo, é importante lembrar que o benefício da dúvida é temporário, alerta Alessandra Ribeiro.

"O mercado financeiro está reagindo à orientação de cada candidato. Agora, o que chegar lá tem que fazer. Se não fizer, o mercado vai penalizar. O mercado não tem compromisso nenhum. Hoje está animado, se amanhã não encontrou o que precisa, desanima rapidamente."

Também vai depender da ação do governo a chegada dessa euforia no setor produtivo. Segundo relatório desta semana da consultoria LCA, a "lua de mel" da Bolsa com a candidatura de Bolsonaro não é compartilhada pela economia real. A confiança empresarial até caiu na prévia de outubro, de acordo com índice da FGV.

Na análise da LCA, para animar pequenos e grandes empresários, uma eventual gestão do PSL precisará acertar nos primeiros passos como governo, definindo políticas econômicas e negociando com o Congresso para aprovar os projetos necessários.

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