A história do britânico que raptou 6 aborígenes da tribo que matou John Chau
No fim do século 19, o oficial da marinha e explorador Maurice Vidal Portman queria estudar os habitantes da ilha Sentinela do Norte - mas sua investida deu completamente errado.
A morte do americano John Allen Chau, abatido a flechadas há cerca de uma semana na ilha Sentinela do Norte, no Oceano Índico, trouxe à tona algumas histórias antigas sobre a tribo isolada que habita a região.
Uma das mais surpreendentes é a do encontro entre os indígenas e o antropólogo indiano T.N. Pandit.
Pandit fez visitas esporádicas à ilha entre o fim da década de 1960 e o começo dos anos 1990. O conhecimento adquirido durante as viagens - e principalmente o fato de ter sobrevivido a elas - transformaram Pandit em uma espécie de celebridade depois da morte de Chau.
De toda forma, Pandit não foi o primeiro antropólogo a ficar cara a cara com a tribo - que, segundo especialistas, teria chegado à ilha vinda da África, há cerca de 50 mil anos.
No final do século 19, um jovem oficial da marinha britânica pisou na ilha, que hoje pertence à Índia. Ele estava acompanhado de um grupo que reunia desde autoridades a criminosos condenados e aborígenes de outras tribos do arquipélago de Andaman que tinham estabelecido relações com as forças coloniais da Inglaterra.
Maurice Vidal Portman encabeçava a missão à ilha Sentinela do Norte. Tinha por objetivo estudar a língua e os costumes da comunidade, que relutava em se comunicar com o mundo exterior.
A hostilidade dos sentinelas, que chamou atenção com a morte do jovem missionário e aventureiro norte-americano neste mês, já era conhecida naquela época.
Vários textos históricos trazem relatos de pessoas que chegaram à ilha acidentalmente (pescadores, comerciantes perdidos, náufragos) e foram depois encontrados boiando de bruços no mar, com o corpo crivado de flechas.
A "relutância" dos indígenas, porém, não era um obstáculo para Portman. Ele estava determinado a fazer o que fosse necessário para dialogar com eles.
Busca e sequestro
Segundo um texto publicado pela revista American Scholar no ano 2000 de autoria do professor Adam Goodheart, do Washington College (EUA), os exploradores liderados por Portman percorreram a ilha atrás dos nativos, mas não encontraram "nenhuma alma vivente".
"Os sentinelas tinham simplesmente sumido na neblina quando se deram conta da chegada dos europeus", diz um trecho.
Maravilhados com a fertilidade do solo e a vegetação da ilha, diz Goodheart, o grupo permaneceu na ilha por vários dias, até que finalmente localizaram o que buscavam.
Portman encontrou um casal de idosos e quatro crianças da tribo - e os sequestrou. Ele forçou os indígenas a embarcarem em seu navio e os levou até a cidade de Port Blair, capital das ilhas Andaman e Nicobar, onde ele morava. Seu objetivo era estudar os nativos em detalhes.
O sequestro, como era de se esperar, acabou em tragédia.
Desacostumados com o contato com humanos de fora da tribo - e com os micro-organismos carregados pelos estrangeiros - os idosos ficaram doentes e morreram em pouco tempo.
As quatro crianças foram levadas de volta à ilha, com presentes para o restante da tribo.
Ao escrever sobre o caso, Goodheart sublinha que, anos mais tarde, Portman reconheceu o fracasso de sua intervenção.
Segundo o historiador americano, Portman falou do caso durante uma palestra na Real Sociedade Geográfica, em Londres.
"A associação deles (sentinelas) com os estrangeiros lhes trouxe apenas dano. Lamento muito que um povo tão agradável esteja sendo extinto tão rapidamente", diz.
De onde vem a hostilidade?
Algumas pessoas podem se perguntar se o sequestro não estaria na origem da hostilidade da tribo em relação ao mundo exterior.
Na verdade, é impossível atribuir o comportamento dos sentinelas a um fato específico ocorrido há mais de um século. Além disso, os indígenas já hostilizavam estrangeiros antes mesmo do encontro com Portman.
Para a maioria dos especialistas e também para as autoridades indianas, é crucial respeitar o desejo dos sentinelas de viverem conforme desejem. As leis indianas inclusive proíbem a aproximação de forasteiros da ilha.
E os indígenas, por sua vez, reforçam vez ou outra seu desejo de permanecerem isolados em uma linguagem que todos entendem: a das flechas.
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