China: por que o país mais populoso do mundo passou a incentivar suas famílias a ter mais filhos
Quando a China acabou com a política do filho único, há três anos, havia esperança de que os casais tivessem um segundo filho para ajudar a desacelerar o ritmo de envelhecimento da sociedade. Mas não está funcionando.
A taxa de natalidade em declínio é hoje um dos assuntos mais comentados em toda a China - e há uma verdadeira sensação de crise.
Declarações de autoridades e propagandas estatais agora incentivam os casais a "terem filhos em nome do país", gerando críticas nas mídias sociais de que a campanha do governo é invasiva e insensível.
As medidas em discussão vão desde ampliar a licença-maternidade até estimular um segundo filho por meio de incentivos financeiros e fiscais. E há quem defenda que os limites de filhos por família - hoje, são permitidos até dois - sejam eliminados por completo.
Com o objetivo de conter o crescimento populacional, a política do filho único da China foi introduzida em 1979, um ano após as reformas econômicas. A regra foi rigorosamente aplicada para a maioria. Quem a violava podia ser multado, perder o emprego ou ser alvo de aborto forçado e esterilização. Mas a taxa de fertilidade já havia entrado em declínio acentuado na década anterior.
Por anos, a China se beneficiou de seu crescimento demográfico, com um grande população (quase um quinto de todo o mundo) capaz de fornecer ampla mão de obra, enquanto tinha ao mesmo tempo um número razoável de pessoas muito jovens e idosas. Isso favoreceu a rápida ascensão econômica do país.
Mas o cenário está rapidamente mudando. Para que o desenvolvimento econômico continue e a China seja capaz de lidar com o envelhecimento do país, o ritmo de nascimentos precisa crescer em vez de declinar.
O fim da política do filho único em 2015 mirou esse objetivo, mas os dados apontam que, apesar da liberdade adquirida, os jovens parecem não querer mais filhos.
Quão grave é o problema da baixa taxa de natalidade?
De acordo com o Departamento Nacional de Estatísticas da China, houve 17,86 milhões de nascimentos em 2016. A população chinesa cresceu em 1,31 milhão de pessoas - foram 12,95 nascimentos a cada 1 mil habitantes, a maior desde 2001.
Mas, em 2017, quando a política de dois filhos já deveria produzir efeitos, houve 17,23 milhões de nascimentos, uma queda de 630 mil em comparação com 2016. E a taxa de natalidade foi de 12,43 a cada 1 mil habitantes, 0,52% menor em relação a 2016 e abaixo da previsão mais pessimista antes da introdução da nova política.
As expectativas para o futuro são ainda mais sombrias sob essa política do governo. A taxa de natalidade deve continuar a cair a partir de 2018, e, em dez anos, o número de mulheres chinesas com idade entre 23 e 30 anos será 40% menor e haverá cerca de 8 milhões de nascimentos por ano.
Não surpreendentemente, esse tornou-se um dos temas mais debatidos na China. Em 6 de agosto, o jornal oficial do Partido Comunista, o Diário Popular, dedicou uma página inteira ao assunto.
Um artigo de opinião intitulado "Ter filhos é um assunto de família, mas também uma questão nacional" advertia que o Estado precisava de novas políticas para lidar com o impacto da baixa taxa de natalidade sobre a economia.
Um artigo no jornal estatal Xinhua Daily, escrito por dois acadêmicos da Universidade de Nanjing, provocou protestos. Eles sugeriram a criação de um fundo para nascimentos, para o qual todos com menos de 40 anos contribuiriam. Se um casal tivesse um segundo filho, poderia retirar dinheiro deste fundo. Se não, teria de esperar até a aposentadoria.
"Penalizar quem tiver um filho ou não? Por favor, parem de mirar nas carteiras das pessoas", foi apenas um dos artigos publicados em resposta à proposta, que foi rotulada de imprudente, injusta e desnecessária.
Alguns exigiram que o Estado lide com o motivo de os jovens não querem mais filhos e tente reduzir o custo de criar uma criança, em vez de criminalizar financeiramente as pessoas.
Por que isso é tão urgente agora?
A China está rapidamente se tornando uma sociedade envelhecida. Não só a taxa de natalidade vem caindo, mas hoje vive-se mais - a expectativa de vida era de 66 anos quando a política do filho único foi introduzida e, agora, é de 76.
Isso colocará a economia chinesa sob grande pressão no futuro. De acordo com estatísticas oficiais, o número de pessoas entre 15 e 64 anos superou 1 bilhão em 2013, mas vem diminuindo constantemente desde então - e essa tendência continuará.
Ao mesmo tempo, o número de idosos está crescendo. Em 2016, a população total da China era de 1,39 bilhão - incluindo 158 milhões de pessoas com 65 anos ou mais, ou 11,4%.
Isso é mais do que uma vez e meia a definição da Organização das Nações Unidas (ONU) de uma sociedade envelhecida, quando 7% da população têm 65 anos ou mais. A ONU prevê que chegará a 17,1% em 2030.
Isso significa que os idosos são sustentados por um número cada vez menor de pessoas em idade ativa. De acordo com um artigo do site Ifengweekly, havia 3,16 jovens para cada idoso em 2011. Em 2016, a taxa caiu para 2,8. A previsão é que, até 2050, seja de apenas 1,3.
Como em outros países com projeções semelhantes, isso tem enormes implicações para a economia, para o sistema de aposentadorias e para os serviços voltados para as necessidades de idosos.
Por que as pessoas não têm mais filhos?
Muitos jovens na China que cresceram durante as três décadas de planejamento familiar rigoroso e amplo desenvolvimento econômico têm uma mentalidade diferente de seus pais.
Em geral, eles estão acostumados a ser o centro das atenções e desfrutam de riqueza material e liberdade pessoal muito maiores. Também estão se casando e tendo filhos mais tarde (se é que o fazem) e se concentram mais em suas próprias carreiras e felicidade, uma tendência que não se limita à China.
Quando pensam em começar uma família, uma grande preocupação é se podem pagar por isso. Pesquisas mostram que, em média, criar uma criança em uma cidade pode consumir mais da metade da renda familiar.
Creches sempre recebem inscrições em excesso, por isso muitos precisam contar com a ajuda dos avós das crianças. E ainda há a hipoteca e outros compromissos no orçamento. Em outras palavras, ter um filho é uma batalha. Ter outro demanda ainda mais recursos e apoio.
"Nossa geração tem um tremendo fardo sobre os ombros", disse uma mulher, que não quis ser identificada na reportagem. "Nossos pais idosos, nossos filhos pequenos, nossas carreiras. Tudo isso junto pode acabar com a gente."
A mulher, na faixa dos 30 anos, já tem um filho de cinco anos. Ela e o marido decidiram não dar a ele um irmão. A falta de vagas em creches é um grande motivo. "Então, contratamos babás para cuidar do nosso filho e pedimos aos nossos pais que fiquem de olho na babá."
Como a política do filho único mudou
1979: Proposta do governo limita todos os casais a um filho.
1982: Planejamento familiar se torna uma política básica do Estado.
2000: Um casal pode ter um segundo filho, se ambos forem filhos únicos.
2013: Casais são autorizados a ter um segundo filho se um deles é filho único.
2015: Fim da política de um filho, todos os casais podem ter um segundo filho.
Por outro lado, algumas mulheres mais velhas, já com 60 e poucos anos, dizem que teriam tentado ter um segundo filho se a política tivesse sido alterada antes, mesmo se já estivessem em idade avançada.
Então, a política durou tempo demais? Houve um debate nacional suficientemente robusto em torno do tema? Muitas pessoas estão agora se fazendo essas perguntas.
Os líderes da China demoraram a agir?
Todos os censos realizados depois de 1990 apontam para o rápido declínio da taxa de fertilidade (o número médio de filhos de uma mulher ao longo da vida) na China, que é inferior aos 2,1 necessários para haver uma reposição da população.
Mas o índice foi alvo de grande controvérsia. Uma pesquisa populacional em 2000 indicou que a taxa era alarmantemente baixa, de 1,22. Autoridades de planejamento familiar disseram, no entanto, que seria de 1,8, argumentando que muitos nascimentos não eram registrados. No fim, o índice mais elevado prevaleceu.
Essa diferença pode significar que uma situação urgente foi subestimada ou deixada de lado?
Ainda hoje, é difícil encontrar uma figura com grande autoridade sobre a taxa de fertilidade da China - alguns indicam que está em 1,2-1,4; outros, entre 1,5 e 1,7 - abaixo dos Estados Unidos (1,8) ou da Índia (2,3).
Pedidos de mudanças para conter o declínio do crescimento populacional parecem ter recebido pouca atenção. Há mais de uma década, Ye Tingfang, membro do principal conselho político da China, a Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, argumentou contra intervenções e apresentou uma moção no Congresso em 2007, pedindo o fim da política do filho único assim que possível.
O Comitê Estatal de Planejamento Familiar disse que o país não mudaria a política. Ele fez uma petição em seguida, que foi ignorada.
Outras vozes dissidentes incluem James Liang e Jianxin Li, dois professores da Universidade de Pequim e autores do livro Há Chineses Demais?, publicado em 2012.
Eles argumentaram que a taxa de natalidade da China teria se tornado muito baixa e que, se a tendência continuasse, o país envelheceria muito rápido, a economia sofreria e a sociedade se tornaria instável. E recomendaram ajustes na política de planejamento familiar.
É difícil adivinhar o que aconteceu nos bastidores das tomadas de decisão. O fato é que em 2013 houve um relaxamento da política do filho único.
Duas crianças te deixam rico?
Hoje em dia, algo que mudou é que parece haver uma discussão mais ampla sobre questões populacionais na China. Em alguns locais, autoridades pararam de multar que tem filhos além da conta.
Alguns especialistas propõem o uso de 2% a 5% do PIB para incentivar nascimentos, por meio de reduções de impostos e incentivos em dinheiro. Outros dizem que as pessoas devem ter tantos filhos quanto quiserem.
E há muita propaganda de incentivo, a qual as pessoas criticam na internet. "Precisamos de um pouco de espaço para respirar!", disse um internauta. "Isso tudo vai contra o que nos disseram quando crescemos (para casar tarde e ter menos filhos)", lamenta outro.
Isso é o que realmente mudou. As pessoas têm mais independência e liberdade de formular seus próprios pontos de vista e não são tão facilmente influenciadas por propaganda ou incentivos moderados. Vivem por si mesmas, não mais pelo país.
E é muito mais difícil incentivar o crescimento populacional do que restringi-lo. No fim das contas, ter filhos é uma decisão que cabe a cada indivíduo.
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