Síndrome de Impostor: O que é e como você pode lidar com ela
Depoimentos de ex-primeira-dama dos EUA e do público mostram como driblar a insegurança e perceber que às vezes ela é irmã da discriminação.
"Entrar em uma faculdade de elite, quando o seu orientador vocacional no colégio disse que você não era boa o suficiente, quando a sociedade vê crianças negras ou de comunidades rurais como 'não pertencentes'... Eu, e muitas outras crianças como eu, entramos ali carregando um estigma", disse a ex-primeira-dama dos Estados Unidos Michelle Obama em visita recente ao Reino Unido.
"Hoje em dia, crianças mais jovens chamam isso de Síndrome de Impostor. Sentem que não cabem ali, não pertencem. Eu tive de trabalhar duro para superar aquela pergunta que (ainda) faço a mim mesma: 'eu sou boa o suficiente?'. É uma pergunta que me persegue por grande parte da minha vida. Estou à altura disso tudo? Estou à altura de ser a primeira-dama dos Estados Unidos?"
Os comentários de Michelle Obama sobre a Síndrome de Impostor inspiraram outras pessoas com experiências similares a compartilharem com a BBC sua visão sobre o assunto - e suas sugestões de como superar o problema.
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A marqueteira que integrou uma expedição à Antártida
Quando a britânica Sophie Montagne se candidatou para integrar a expedição Ice Maiden na Antártida, não achava que seria selecionada para as entrevistas.
Ela prestava serviços de marketing, em regime de meio período, para o Exército britânico.
"O grupo de candidatos foi diminuindo gradualmente, de 250 até os seis finalistas. O processo demorou dois anos."
"Durante esse período, eu estava tão afetada pela Síndrome de Impostor que quase me retirei da equipe de candidatos. Eu era apenas uma pessoa que trabalhava com marketing. Como podia imaginar que poderia fazer parte de uma expedição batedora de recordes no lugar mais frio da Terra?"
"(A síndrome) influenciava meu comportamento, meus conceitos a respeito de mim mesma e, mais importante, minha autoconfiança."
"Todos os outros pareciam ser mais atléticos e estavam no Exército em regime integral."
"Quando a equipe foi anunciada, ficou claro que alguém via algum valor em mim. Isso melhorou muito a minha autoconfiança."
"Como parte do processo de seleção, conversei com um psicólogo que me ajudou a entender por que me sentia uma fraude - finalmente pude dar um nome a isso."
"Hoje falo sobre minhas experiências na Antártida e sobre a Síndrome de Impostor em companhias e escolas. Eu nunca tinha falado em público antes."
"Tento ajudar a encontrar maneiras de incentivar jovens mulheres a praticarem esportes e sou muito franca em relação à minha experiência lidando com a Síndrome de Impostor."
O que é Síndrome de Impostor?
A psicóloga britânica Rachel Buchan descreve a Síndrome de Impostor como "uma crença interior de que você não é bom o suficiente, ou não pertence".
Segundo ela, pessoas tendem a vivenciar sentimentos desse tipo no trabalho, mas a síndrome também se manifesta em outros contextos, por exemplo, no convívio social.
A Síndrome de Impostor pode afetar qualquer pessoa, ela diz. E pode se manifestar por várias razões, entre elas, a classe social de uma pessoa, a maneira como uma pessoa foi criada ou por questões que a pessoa esteja vivenciando em um determinado momento.
O médico que vê na Síndrome de Impostor uma oportunidade
O médico Noel Ferguson diz que tem Síndrome de Impostor, mas em vez de tentar superá-la, tenta tirar proveito dos sentimentos que vivencia.
Ferguson cresceu em Belfast, na Irlanda do Norte, durante os anos de conflito entre protestantes e católicos no país. Sua família era pobre e ele cuidava dos pais, que eram idosos e estavam doentes. Num certo período, ele próprio foi diagnosticado com câncer, o que atrapalhou seu desempenho na escola. Isso fez com que ele sentisse que não era bom o suficiente.
"Eu tento usar minha Síndrome de Impostor para certas finalidades", explica Ferguson, que anos mais tarde fez cursos de liderança e administração.
"Eu sempre tive consciência de que tinha essa síndrome, mas não sabia o que era isso."
"Muitos veem (sentimentos desse tipo) como algo negativo, mas sou grato por me sentir assim porque a melhor forma de lidar com isso é me esforçar para melhorar sempre."
"Não tem nada de errado em um homem admitir que sinta isso."
Ferguson criou o Institute for One World Leadership, ONG que tenta incentivar as pessoas a serem líderes melhores.
"Quando dou aulas a estudantes, gosto de compartilhar experiências pessoais. Muitas pessoas têm Síndrome de Impostor e acham que são as únicas."
"Pessoas que têm Síndrome de Impostor vão sempre buscar formas de melhorar seu desempenho e suas habilidades, de ser melhores no que fazem."
Como superar a Síndrome de Impostor?
A pesquisadora Kate Atkin estuda a Síndrome de Impostor como parte de seu PhD e oferece oficinas sobre o assunto. Em sua profissão anterior, Atkin era a única mulher integrando uma equipe de executivos no banco britânico Barclays, período em que relata ter enfrentado essa síndrome. Atkin compartilhou com a BBC algumas sugestões de como lidar com o problema.
"Fale sobre o assunto. Se você fala sobre o que está sentindo, logo vai perceber que não é apenas você."
"Reconheça os seus sucessos. Não atribua suas conquistas à sorte ou ao trabalho duro - sem seu talento e suas habilidades, você não teria feito o que fez."
"Lembre-se, no entanto, de que ninguém é perfeito. Aceite que há grande probabilidade de você fracassar em algum momento. Aprenda com ele (o fracasso), em vez de encará-lo como um reflexo de você."
"Pare de se comparar com os outros. Em vez disso, tente se comparar com quem você era no ano passado para ver como progrediu."
A engenheira de softwares que não via 'pessoas parecidas com ela' no escritório
Cate trabalha com engenharia de softwares, atividade que ela já exerceu no Canadá, Austrália e Reino Unido. Hoje, lidera um grupo de engenheiros que desenvolve aplicativos.
"Em um dado período, eu trabalhei em uma equipe em que havia mais homens chamados Ken do que mulheres."
"Eu acho que quando você está em uma situação em que você olha em torno e não vê muitas pessoas que se parecem com você, é fácil se perguntar por que isso estaria acontecendo. Se as coisas não estão indo muito bem, e se você se sente menos confiante por qualquer razão, esse tipo de sentimento de não pertencer e de ser 'o outro' pode começar a ganhar espaço."
A administradora hospitalar que achava que 'não pertencia'
Doreen Anselm-Etienne foi, durante seis anos, a única profissional negra trabalhando com uma equipe de médicos em um hospital britânico no condado de Cambridgeshire.
Ela disse à BBC que tinha "uma sensação constante" de não pertencer àquele grupo.
"Eu trabalhava com médicos homens, a maioria deles, brancos e de classe média."
"Durante cerca de cinco ou seis anos, tinha uma sensação constante de que tinha conseguido o emprego por inércia. (Sentia que) não era inteligente o suficiente, não era boa o suficiente, não falava um inglês bom o suficiente - porque tinha um sotaque caribenho."
"Uma vez, o consultor do departamento de recursos humanos me disse que eu tinha de repetir para mim mesma todos os dias: 'eu sou a gerente, eu sou a gerente, eu sou a gerente'."
"Não sei como superei (a Síndrome de Impostor), mas o apoio de alguns colegas e alguns dos meus sucessos ajudaram."
"Eu sentia esse impulso constante de tentar fazer melhor e trabalhar mais. Não porque eu quisesse ser a melhor. Eu tentava alcançar o nível de pessoas que eu, erroneamente, achava serem melhores, mais espertas e mais inteligentes do que eu."
Os segredos de Michelle Obama
Para leitores que se identificam com as experiências relatadas nessa matéria, a BBC Brasil reúne abaixo dicas que Michelle Obama compartilhou com a plateia lotada no centro cultural Southbank, em Londres, e com alunas de uma escola que ela visitou na capital britânica:
"Vou contar um segredo. Já me sentei ao redor das mesas mais poderosas que você pode imaginar. (Organizações) sem fins lucrativos, fundações. Já trabalhei em corporações, participei de cúpulas dos G(8), das Nações Unidas... Eles não são tão inteligentes assim."
Para mulheres, e em particular mulheres negras, que duvidam de sua própria competência, Michelle Obama afirmou:
"Eu acho que muitas mulheres e muitas meninas de todas as classes sociais andam por aí carregando esse tipo de pergunta. Como eu superei isso é como eu superei qualquer coisa. Trabalho duro. Toda vez que duvidava de mim mesma, dizia para mim, vou trabalhar ainda mais, vou deixar meu trabalho falar por si. Eu ainda faço isso. Sinto que, de alguma forma, ainda tenho algo a provar. Por causa da cor da minha pele, a forma do meu corpo, pela forma como as pessoas estão me julgando."
A ex-primeira-dama também tem um conselho para os pais de meninas e mulheres de todo o mundo:
"Uma das coisas que meus pais acreditavam era que minha voz era relevante. Minhas opiniões tinham importância e minha raiva e frustração eram reais."
"É importante que os pais de crianças de qualquer nível socioeconômico percebam isso. Meus pais viram essa chama em mim, quando eu desafiava minha tia Robbie e falava por mim mesma." (Uma referência à tia-avó de Michelle Obama, mulher determinada e de forte personalidade citada por Obama em sua recém-lançada autobiografia, Minha História.)
"Isso é uma coisa que com frequência fazemos com meninas 'sabidas'. Tentamos abafar aquela chama, porque a gente se preocupa que talvez elas não sejam femininas, ou sejam mandonas. Eles (meus pais) acharam um jeito de manter aquela chama acesa porque sabiam que eu ia precisar dela mais tarde. E deixar aquela chama acesa em uma menina significa valorizar essa voz, e deixá-la falar, para que ela aprenda a usa-la com limites."
Finalmente, voltando à pergunta que a assombrou durante tantos anos, e ainda a assombra ("eu sou boa o suficiente?"), Michelle Obama faz uma reflexão que, segundo ela, é verdadeira para as mulheres e para trabalhadores dos dois sexos, e é profundamente válida para mulheres negras:
"Tem muita coisa que as pessoas fazem para não terem de ceder lugar, não querem dividir o poder. E existe jeito melhor de se conseguir isso do que fazer você pensar que não pertence?"
Síndrome de Impostor x Discriminação
Ou seja, às vezes, a Síndrome de Impostor acaba sendo confundida com discriminação pura e simples - reflete a engenheira de softwares Cate.
"O pior chefe que eu já tive acreditava que, ao nunca elogiar meu trabalho, estava me preparando para nunca precisar daquilo (avaliações positivas). Então, trabalhando naquele ambiente, comecei a me sentir pequena e menos capaz. Eu sentia que, o que quer que eu fizesse, nunca seria boa o suficiente."
"Alguém poderia olhar para mim naquela situação e dizer, 'ela tem Síndrome de Impostor', mas eu acho que discriminação escancarada está atrapalhando o progresso das mulheres e às vezes isso acaba sendo rotulado como Síndrome de Impostor."
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