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Por que a decisão no STF nesta quinta-feira gera o temor de 'fim da Lava Jato'?

Plenário do STF na tarde desta quinta-feira (14): foram 6 votos a 5, e o desempate foi de Dias Toffoli - STF / Secretaria de Comunicação
Plenário do STF na tarde desta quinta-feira (14): foram 6 votos a 5, e o desempate foi de Dias Toffoli Imagem: STF / Secretaria de Comunicação

André Shalders - @andreshalders - Da BBC News Brasil em São Paulo

14/03/2019 19h28

Ministros do STF decidem que parte dos casos da operação deve ir para a Justiça Eleitoral; força-tarefa da Lava Jato no Paraná teme enfraquecimento da investigação

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram na tarde desta quinta-feira (14) enviar parte das investigações da Lava Jato para a Justiça Eleitoral. Foram seis votos a cinco.

Para os procuradores que participam da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, a decisão pode enfraquecer as investigações e até provocar a anulação de condenações já decididas pela Justiça. Já os ministros favoráveis à medida argumentam que não haverá prejuízo às investigações nem anulação de casos já julgados. Argumentam também que a lei brasileira determina o envio.

Ecoando o discurso dos procuradores, a hashtag #STFVergonhaNacional chegou ao topo da lista de assuntos mais comentados por brasileiros no Twitter na noite desta quarta (13).

Votaram a favor do envio os ministros Marco Aurélio (relator do caso), Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli (presidente do STF, que desempatou a votação). Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia.

Para os ministros que defenderam a medida, as apurações devem ser conduzidas pela Justiça Eleitoral sempre que houver suspeitas de crimes eleitorais (como o Caixa 2), mesmo que existam outros crimes comuns (corrupção, lavagem de dinheiro, etc).

Já os ministros contrários queriam que os casos fossem separados: quando houver suspeita de crimes como o Caixa 2, somente esta parte do processo seria enviada para a Justiça Eleitoral. O restante deveria permanecer com a Justiça Comum - seja o STF ou a 1ª Instância, como a 13ª Vara Federal de Curitiba.

O julgamento de hoje também acaba com uma divergência entre duas turmas do STF - na 2ª Turma, a prática já era encaminhar estes casos inteiros para a Justiça Eleitoral. Desde 2017, isto foi feito em apurações envolvendo diversos políticos, inclusive os ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), e os senadores tucanos José Serra (SP) e Antonio Anastasia (MG).

A BBC News Brasil responde abaixo quatro perguntas para você entender melhor o assunto.

1. O que argumentam os ministros favoráveis e contrários à medida?

Duas correntes apareceram no julgamento do STF: a do relator do caso, Marco Aurélio Mello; e a divergência apresentada pelo ministro Luiz Edson Fachin, relator dos casos da Lava Jato no STF.

Marco Aurélio entende que quando houver crimes eleitorais numa determinada investigação, o caso como um todo deve ser enviado para a Justiça Eleitoral. Para ele, os crimes seriam conexos, e a preferência, segundo o Código Eleitoral, é da Justiça Eleitoral.

"Havendo a concorrência entre a competência de uma justiça e a competência da Justiça especializada, decide-se pela competência da Justiça especializada (...)", disse.

Marco Aurélio também respondeu aos procuradores da Lava Jato sobre a eventual "incapacidade" da Justiça Eleitoral. "(A decisão) não esvazia em nada a Lava Jato, isso aí é argumento extremado, que não cabe", disse ele.

Thiago Turbay, do escritório Boaventura Turbay Advogados, afirma que uma das principais divergências se dá em torno da interpretação do Código de Processo Penal - este estabelece que os casos devem tramitar em conjunto, e que a divisão só é possível quando os crimes forem praticados em "circunstâncias de tempo ou de lugares diferentes".

Já Fachin e o Ministério Público defenderam a separação dos casos. A análise do possível crime eleitoral ficaria com a Justiça Eleitoral, enquanto os demais crimes, como corrupção e lavagem de dinheiro, continuariam sob responsabilidade da Justiça Comum.

Fachin argumentou que a Constituição determina que crimes não eleitorais (como os de corrupção e lavagem de dinheiro) devem ser julgados de acordo a lei específica que trata deles - o que os colocaria sob competência da Justiça Comum.

2. Qual o caso concreto que deu origem ao julgamento?

O caso concreto é um pedido da defesa do ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes (DEM) e do deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ). Os dois são investigados num inquérito que tramita no STF, suspeitos de receber R$ 18,3 milhões da empreiteira Odebrecht para as campanhas eleitorais de 2010, 2012 e 2014. Eles pediram que o caso como um todo permanecesse no STF. Ambos negam irregularidades.

O pedido de Paes e Pedro Paulo veio depois do relator do caso, Marco Aurélio, decidir em maio de 2018 enviar o caso à Justiça Estadual do Rio - o caso estava no STF por causa de Pedro Paulo, que tem foro privilegiado. Em maio passado, o Supremo mudou seu entendimento sobre o foro - crimes cometidos antes do mandato, ou sem relação com este, passaram a ser julgados pela 1ª Instância.

O Ministério Público defendia que a investigação fosse dividida: a parte que diz respeito aos crimes comuns (corrupção e lavagem de dinheiro) ficaria na Justiça Comum, e somente os crimes eleitorais seriam apurados para a Justiça Eleitoral.

O inquérito é o de número 4435 - os detalhes podem ser consultados no site do STF. O caso começou a ser julgado pela 1ª Turma do STF, que então decidiu enviar o inquérito ao plenário.

3. Por que a decisão preocupa tanto os procuradores da Lava Jato?

Nos últimos dias, os procuradores da força-tarefa da Lava Jato no Paraná criticaram publicamente a possibilidade do STF decidir pelo envio das investigações à Justiça Eleitoral. Em nota publicada na segunda-feira (11), o grupo alerta para o que dizem ver como riscos à operação.

"Se agora a decisão da Corte Suprema determinar que cabe à Justiça Eleitoral julgar todos os crimes desse contexto, as investigações e ações, em curso ou já concluídas por sentença, correrão risco de serem anuladas por não mais caber à Justiça Comum, Estadual ou Federal, analisar esses casos", diz um trecho.

"Para o MPF [do Paraná], os tribunais eleitorais não são estruturados para julgar crimes complexos como os de corrupção e lavagem de dinheiro que vêm sendo descobertos ao longo dos últimos anos. Considerando ainda que os processos no âmbito eleitoral tendem a aplicar penas mais brandas do que na esfera criminal, o cenário é de grande possibilidade de prescrição dos crimes, e consequente impunidade", diz a nota.

Ex-integrante da Força-Tarefa da Lava Jato, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima foi ainda mais enfático. Disse ao jornal O Estado de S. Paulo que o envio para a Justiça Eleitoral pode representar "a destruição da Lava Jato".

"Se o STF mandar tudo ser enviado para a Justiça Eleitoral, por que não vão anular a condenação do Lula? Do Eduardo Cunha? A condenação do caso triplex (do Guarujá) não é só pelo triplex, é um dinheiro de corrupção encaminhado também para o Partido dos Trabalhadores. Então, também tem uma questão eleitoral", disse ele. "É delicado. É quase inacreditável que haja uma intenção real de se tomar essa decisão", disse, em entrevista publicada nesta quarta-feira (13), antes do início do julgamento no STF.

Ao longo do julgamento, alguns ministros do STF mostraram irritação com os comentários dos procuradores. O presidente do tribunal, Dias Toffoli, anunciou que vai pedir a punição de um dos procuradores da Lava Jato, Diogo Castor. Ele publicou um texto contra o envio dos casos para a Justiça Eleitoral. No fim da tarde de quarta-feira, a força-tarefa decidiu suspender qualquer comentário público sobre o assunto.

Antônio Carlos de Almeida Castro é um dos principais advogados de réus da Lava Jato no STF - e é conhecido por suas posições críticas à operação e aos investigadores de Curitiba. "Quando os procuradores fazem essas críticas, é porque eles sabem que não têm o direito ao seu lado. São muito bons de marketing, mas não têm uma boa estrutura jurídica. A Lava Jato não vai acabar, isto é um jogo de retórica dos procuradores", disse à BBC News Brasil.

"O argumento usado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e pela força-tarefa (da Lava Jato) não é um argumento jurídico. É na verdade quase intimidatório e desrespeitoso com a Justiça e o STF, na medida em que alega que a Justiça Eleitoral não tem competência para resolver os casos", diz ele. "Os procuradores poderiam ter usado o prestígio de que dispõe para que a Justiça Eleitoral fosse melhor aparelhada, então", completa.

4. Qual pode ser o verdadeiro impacto para a Lava Jato?

Todos os casos de corrupção que tenham relação com crimes eleitorais, como o de Caixa 2, podem ser julgados pela Justiça Eleitoral - mas a decisão será tomada caso a caso.

A decisão pode abranger casos que estão hoje no STF, mas que seriam enviados para a primeira instância - quando o político perde o foro privilegiado ou quando o crime não têm relação com o mandato.

E afetará também processos que estão na 1ª instância da Justiça Comum, tanto na 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) quanto em outros Estados.

Uma parte relevante dos casos da Lava Jato poderá sair da alçada dos investigadores da força-tarefa de Curitiba - um grupo formado por 14 procuradores da República e apoiado por mais de 50 profissionais (assessores, técnicos e especialistas).

Marilda Silveira é especialista em direito administrativo e eleitoral e professora da Escola de Direito do Brasil (EDB). Segundo ela, os próprios juízes responsáveis hoje pelas investigações poderão enviar os casos para a Justiça Eleitoral. Se não o fizerem, caberá às defesas dos envolvidos pedirem o envio.

Ela diz também que a anulação das condenações já feitas é improvável. "Existem argumentos pelos dois lados, mas a doutrina mais aceita no direito brasileiro é a de que não há essa possibilidade (de anular). O próprio STF, ao terminar o julgamento, deve fazer o que se chama de 'modulação de efeitos', determinando o que acontecerá ou não com os processos", diz.

Há ainda uma outra questão envolvendo a Justiça Eleitoral: seus integrantes são trocados com mais frequência que aqueles da Justiça Comum. Os procuradores que atuam neste ramo do Judiciário, por exemplo, têm mandato com dois anos de duração.

Trocas também são frequentes nos tribunais eleitorais. Nos próximos sessenta dias, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) indicará dois integrantes que passaram a julgar casos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por exemplo.

5. Quais casos seriam afetados?

A maior parte dos inquéritos da Lava Jato que estão no STF têm origem nas delações dos executivos da empreiteira Odebrecht (janeiro de 2017) e do frigorífico JBS (maio de 2017). E, em muitos desses casos, as suspeitas envolvem o uso de supostas doações eleitorais como forma de pagar propina a políticos.

Há alguns casos derivados destas duas delações que estão na 1ª Instância da Justiça, no Paraná e em outros Estados.

Por isso, é possível supor que parte relevante desses casos possa ir para a Justiça Eleitoral.

Apesar disso, não é possível ainda saber exatamente quais casos serão enviados - pois isto depende da forma como o STF encaminhará a decisão. À BBC News Brasil, a força-tarefa da Lava Jato disse não ter levantado quantos processos seriam afetados, justamente por que esta informação "depende de como seria o encaminhamento dado pelo STF".

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