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Mourão na Fiesp: 'População precisa saber que tem também obrigações, e não só direitos'

André Shalders - @andreshalders - Da BBC News Brasil em São Paulo

27/03/2019 06h41

Vice-presidente foi aplaudido seis vezes em 29 minutos ao prometer reduzir impostos, diminuir leis trabalhistas e proteger industriais brasileiros da competição internacional.

Em discurso a empresários na sede da Federação das Indústrias de São Paulo, a Fiesp, na tarde de ontem, o vice-presidente da República, o general da reserva Hamilton Mourão, disse que a população também precisa ter responsabilidades e obrigações, não apenas direitos. O general quer o apoio dos brasileiros para aprovar a reforma da Previdência.

Em apenas 29 minutos de fala, Mourão foi interrompido seis vezes por aplausos ao defender a redução da carga de impostos para as empresas; a diminuição das leis trabalhistas, e a proteção da indústria brasileira contra a competição internacional.

"Temos que colocar na cabeça das pessoas que abdiquem da ideia de que o Estado pode tudo. 'Não, roda a maquininha lá e produz o dinheiro'. Convencer a população de que eles também têm obrigações, e não apenas direitos. Temos que trabalhar isso dentro do nosso Congresso", disse o vice-presidente, ao defender a necessidade de ganhar apoio da população para aprovar a reforma no Legislativo.

Aos empresários paulistas, Mourão criticou os reajustes automáticos do salário mínimo e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a pessoas com deficiência; e disse ainda que o Ministério da Educação (MEC) precisa de um "freio de arrumação".

O encontro com o empresariado paulista não é o primeiro do vice-presidente neste mês. No dia 23 de março, Mourão foi à Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). E, no dia 19, encontrou-se com empresários em Brasília numa atividade do Lide, a empresa de eventos do governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

A sede da Fiesp é um dos prédios mais icônicos da avenida Paulista, no centro da capital - a construção em formato de pirâmide tornou-se ainda mais famosa em 2015 como a casa de um enorme pato amarelo inflável. Usado inicialmente numa campanha contra aumento de impostos, tornou-se depois um dos símbolos do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

A fala de Mourão foi no Teatro Popular do Sesi, no subsolo, e foi acompanhada por quase 700 pessoas. A maioria era de empresários da indústria.

O evento na Paulista era uma reunião conjunta das diretorias da Fiesp e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). Mourão deixou o local e foi um dos primeiros a chegar a um jantar na casa do empresário e político Paulo Skaf (MDB), presidente da Federação paulista e terceiro colocado na disputa pelo governo paulista nas eleições de 2018.

Lá, recebeu junto com o emedebista uma plateia ainda mais seleta: trinta dos maiores empresários do país, em diferentes ramos de atividade. Compareceram João Carlos Saad, do grupo Bandeirantes de comunicação; David Feffer, do grupo Suzano (papel e celulose); Luiz Carlos Trabuco, do banco Bradesco; Luiz Pretti, da Cargill (agricultura); Victorio de Marchi (co-presidente da Ambev); e o ex-deputado Flávio Rocha (dono da Riachuelo), entre vários outros.

O contingente dos não-empresários incluiu o secretário de Fazenda de SP e ex-ministro, Henrique Meirelles, e o ex-ministro do STF Nelson Jobim, além do maestro João Carlos Martins. O ex-candidato presidencial Levy Fidelix também foi: ele é o chefe do PRTB, partido de Mourão.

Aplausos

Na Fiesp, o general alternou momentos em que lia, com outros nos quais falou de improviso. Arrancou risos duas vezes.

"Eu li aí, há um tempo atrás, que um primeiro-ministro da França assim declarou: 'Sim para a economia de mercado, não para a sociedade de mercado'. Ministro Jobim (que estava na plateia), eu lhe pago uma viagem grátis para a Coreia do Norte se o senhor me explicar o que é isso daí", disse Mourão para descontrair. A frase é atribuída ao ex-premiê francês Lionel Jospin (1997-2002).

Em outros momentos, Mourão adotou tom de voz mais enérgico. Por exemplo, quando criticou o socialismo e adversários políticos que, segundo ele, acham "que o muro de Berlim ainda não caiu".

O vice-presidente elogiou três líderes estrangeiros: a britânica Margaret Thatcher (1979-1990); o norte-americano Ronald Reagan (1989-1989), e o chinês Deng Xiaoping (1982-1987). Para Mourão, os três "iniciaram um movimento que trouxe vida àquilo que hoje chamamos de globalização, e também (...) o neoliberalismo". "O neoliberalismo, ou liberalismo, nada mais é que a defesa intransigente do direito à propriedade privada. Pois onde não há propriedade não há o único sistema econômico que deu certo no mundo, que é o capitalismo", disse.

A primeira saraivada de palmas veio quando Mourão pregou a necessidade de reduzir a carga tributária para as empresas.

"As senhoras e os senhores, como empresários e produtores, sabem muito bem o peso da carga tributária. E ela é pesada por dois aspectos: primeiro, pela sua complexidade. E segundo, pelos seus valores. Então nós não temos a mínima dúvida: temos que reorganizar o sistema tributário e reorganizar as taxas que incorrem sobre todas as senhoras e os senhores", disse.

Em seguida, o general da reserva citou outro militar, o ex-presidente Ernesto Geisel (1969-1973) para tranquilizar seus ouvintes.

"Temos que abrir a economia ao comércio mundial. Mas eu tenho dito em todos os fóruns e as senhoras e os senhores sabem disso: se nós não reorganizarmos o sistema tributário, uma abertura da noite para o dia do nosso país vai acabar com a nossa indústria (aplausos). (...) Então eu tenho me socorrido sempre daquilo que o presidente Geisel falava sobre outra abertura, que aconteceu nos anos 1970: ela tem que ser lenta, gradual e segura. A partir daí, vamos competir sim".

Mourão também ganhou o auditório ao falar sobre leis trabalhistas.

"Infelizmente, alguns dos nossos políticos ainda pensam que nós estamos no século 19, nas masmorras da Londres industrial (...). Não tem almoço grátis. Esse tipo de ação divide o país, entre aqueles que estão no mercado formal e aqueles que estão no mercado informal. Nós estamos em vigor com uma reforma trabalhista, e ela tem que ser levada adiante, sob pena de nós não conseguirmos sobreviver. E não gerarmos emprego", disse ele.

Ao fim da palestra, a BBC News Brasil ouviu dois empresários que participaram do encontro. Ambos disseram ter gostado do que ouviram, e elogiaram o desempenho do vice-presidente.

Para Alarico Assumpção Jr., presidente da Fenabrave, o destaque foi o compromisso assumido pelo governo com as reformas da Previdência e tributária. A Fenabrave é o sindicato das empresas revendedoras de automóveis.

Roberto Paranhos do Rio Branco preside a Câmara de Comércio Brasil-Índia, e é bisneto do Barão do Rio Branco (1845-1912). Para ele, o governo pode ter ficado confuso no começo, por causa da recuperação clínica de Bolsonaro - mas agora deve entrar no prumo.

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