Topo

Como governo Trump esvaziou resolução da ONU contra estupro em guerras

Jonathan Cohen representou os Estados Unidos na votação da resolução no Conselho de Segurança da ONU - Getty Images/BBC
Jonathan Cohen representou os Estados Unidos na votação da resolução no Conselho de Segurança da ONU Imagem: Getty Images/BBC

24/04/2019 14h21

A oposição do presidente americano, Donald Trump, à legalização do aborto levou ao esvaziamento de uma resolução das Nações Unidas contra o uso de violência sexual como arma de guerra.

Os Estados Unidos retiraram todas as referências a "saúde sexual e reprodutiva" do texto, o que, na prática, reduz o peso da resolução. O documento havia sido submetido pela Alemanha ao Conselho de Segurança da ONU. Estados Unidos, China e Rússia ameaçaram vetá-lo, se fosse mantida a redação original.

O governo Trump se opôs às menções à "saúde sexual e reprodutiva" das mulheres, com o argumento de que esse termo indica apoio ao aborto. Uma versão da resolução que exclui essa frase foi aprovada por 13 votos a 0, com abstenções de Rússia e China.

O embaixador da França nas Nações Unidas, François Delattre, criticou a exclusão do trecho, dizendo que a decisão afeta a dignidade das mulheres.

"É intolerável e incompreensível que o Conselho de Segurança da ONU seja incapaz de reconhecer que mulheres e meninas que sofreram violência sexual em conflitos e que, obviamente, não escolheram ficar grávidas, deveriam ter o direito de interromper a gravidez."

A frase removida a pedido dos Estados Unidos dizia: "Reconhecendo a importância de prover assistência oportuna às sobreviventes de violência sexual, instamos entidades das Nações Unidas e doadores a proverem serviços de saúde não discriminatórios e abrangentes, em linha com a resolução 2106."

Essa frase já era uma alteração da versão original, que incluía uma descrição mais detalhada dos serviços de saúde, "incluindo saúde sexual e reprodutiva, psicológica, legal e de sustento".

Versão enfraquecida

Os termos vetados pelo governo americano já haviam sido usados antes em outras resoluções sobre violência sexual.

A versão final do documento aprovado pela ONU condena o uso do estupro como arma de guerra e expressa a preocupação do Conselho de Segurança com o lento progresso da comunidade internacional em lidar com a questão da violência sexual em conflitos.

Mas, embora a resolução exija justiça para as vítimas, a versão final também teve retirado um trecho que dizia que um órgão de monitoramento da ONU faria o registro de atos de violência sexual em guerras.

A versão original do texto havia obtido amplo apoio popular e de entidades de defesa dos direitos humanos. A advogada Amal Clooney participou de reunião do Conselho de Segurança na terça (23) e fez um apelo para que os países-membros votassem a favor da primeira versão.

"Este é o seu momento Nuremberg. Sua chance de ficar do lado certo da história", afirmou.

Os dois vencedores do Prêmio Nobel da Paz de 2018 ecoaram o apelo de Amal Clooney. Um deles é o médico ginecologista do congo Denis Mukwege, que se dedica a atender vítimas de violência sexual em conflitos. A outra é Nadia Muradi, iraquiana da minoria étnica Yazidi que foi torturada e estuprada por militantes do Estado Islâmico.

O ministro das Relações Exteriores alemão, Heiko Maas, se juntou à atriz e ativista Angelina Jolie na assinatura de um artigo publicado no jornal americano Washington Post defendendo a versão original da resolução.

Várias personalidades do mundo todo criticaram os Estados Unidos por enfraquecerem o documento. A parlamentar britânica do partido Trabalhista Emily Thornberry disse que a versão final do texto causa preocupação diante da proximidade da visita de Estado que Trump fará ao Reino Unido, em junho.

"É inacreditável que, no mesmo dia em que Donald Trump ameaçou vetar uma resolução das Nações Unidas contra o uso do estupro como arma de guerra, Theresa May confirmou os planos de honrá-lo com uma visita de Estado ao Reino Unido", disse.

Os Estados Unidos foram representados na reunião do Conselho de Segurança pelo embaixador Jonathan Cohen. O posto de representante dos EUA na ONU está vago desde a renúncia de Nikki Haley, no ano passado.

Trump nomeou Kelly Knight Craft, atual embaixador dos EUA no Canadá, para o posto em fevereiro, mas a mudança ainda não foi efetivada.