Topo

O homem que pode indicar o próximo Dalai Lama e está preso na China desde os 6 anos

Aos 83 anos, Dalai Lama já falou na possibilidade de haver dois dele no futuro - Getty Images
Aos 83 anos, Dalai Lama já falou na possibilidade de haver dois dele no futuro Imagem: Getty Images

03/05/2019 14h35

Gedhun Choekyi Nyima, reconhecido como a reencarnação do Panchen Lama, foi levado pelos chineses em 1995.

A segunda mais importante figura do budismo tibetano é também o mais jovem prisioneiro político do mundo. Gedhun Choekyi Nyima, a 11ª reencarnação de Panchen Lama, foi levado por autoridades chinesas em 1995, quando tinha seis anos de idade.

Vinte e quatro anos depois, não se sabe onde ele está, tampouco como ele vive. E isso pode ameaçar o futuro do budismo.

Budistas tibetanos acreditam na reencarnação. Quando, em 1989, o líder budista Panchen Lama morreu de forma suspeita - muitos acreditam que ele tenha sido envenenado por autoridades chinesas - foi apenas uma questão de tempo para ele voltar reencarnado, segundo a crença budista.

Em maio de 1995, Dalai Lama, principal líder espiritual do budismo tibetano, anunciou que o jovem Gedhun Choekyi Nyima, de 6 anos, havia sido identificado como a reencarnação.Filho de um médico e de uma enfermeira, Nyima nasceu na cidade tibetana Naqchu.

Autoridades chinesas esperavam que Panchen Lama fosse identificado sem o envolvimento de Dalai Lama, que deixou o Tibete em 1959 e montou a sede do governo tibetano nas montanhas no norte da Índia.

O governo chinês afirmou desde o princípio que Choekyi Nyima não era o "Panchen Lama real" e em 1995 tirou de cena o menino e sua família. Os chineses também indicaram outro garoto tibetano para ser a reencarnação do líder espiritual, que os seguidores de Dalai Lama não reconhecem como tal.

Desde o dia 17 de maio de 1995, quando foi levado por autoridades chinesas, não se sabe o paradeiro exato de Choekyi Nyima. Uma vez, uma autoridade chinesa disse ao jornal South China Morning Post que ele estava vivendo em Gansu, no norte da China. Mas há quem acredite que ele poderia estar sob custódia em Pequim ou nos arredores da capital chinesa.

Em outubro de 2000, Robin Cook, então ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, disse durante uma audiência na Casa dos Comuns: "Toda vez que a gente toca no assunto de Gedhun Choekyi Nyima... recebemos garantias do governo da China de que o estado de saúde dele é bom, que está sendo bem tratado e que os pais dele não desejam intervenção internacional".

Cook disse ainda que duas fotografias providenciadas pelo governo chinês, num dos encontros com representantes do governo britânico naquela época, mostravam Gedhun Choekyi Nyima em casa. "Não conseguimos nosso objetivo, que é o acesso para nós mesmos verificarmos a situação."

Construindo a imagem

Em 2000, quando o governo britânico teve acesso às fotos, Nyima tinha 11 anos. Numa das fotos que o governo chinês dizia ser dele, Nymia aparecia jogando pingue-pongue. Na segunda imagem, era possível ver a parte de trás da cabeça dele enquanto escrevia em chinês num quadro negro. As fotografias, contudo, não foram entregues aos oficiais britânicos.

Tim Widden, especialista em retratos forenses, simulou como o rosto dele estaria hoje, usando técnicas de envelhecimento digital a partir do único retrato da infância de Nymia que foi divulgado publicamente quando ele desapareceu.

A imagem foi encomendada para o 30º aniversário do Panchen Lama, Widden diz que considerou um homem nessa idade com estado de saúde médio, embora possa ser que Nymia seja mais magro. Também foi preciso escolher um penteado.

Quando faz a progressão de idade de pessoas desaparecidas, Widden normalmente usa um número maior de fotos da própria pessoa, dos pais ou dos irmãos. Nesse caso, contudo, há apenas uma foto de Nymia disponível.

Essa imagem foi feita para a Rede Internacional do Tibete, uma rede que reúne mais de 180 organizações tibetanas que lutam pelo fim das violações de direitos humanos na região alvo de disputas entre tibetanos, chineses e outros grupos étnicos como os monpas e os lhobas.

Uma outra organização, a Campanha Internacional para o Tibete, publicou uma imagem similar há quatro anos, quando o desaparecimento de Nymia completou 20 anos.

Essa imagem mostra como o Panchen Lama estaria aos 26 anos de idade com vestes de monge budista. Mas não há nenhuma informação que garanta que ele foi ordenado monge. Quando os chineses afirmaram que ele estava estudando, nunca informaram qual curso ele estava fazendo.

Por que o Panchen Lama é tão importante?

Assim como o Dalai Lama, o Panchen Lama é, para os budistas tibetanos, a reencarnação de um dos aspectos do Buda. O segundo mais importante líder espiritual budista é Amithaba, o buda da luz iluminada. Dalai Lama, por sua vez, é Avalokiteshvara, o buda da compaixão.

Tradicionalmente, cada um age como mentor do outro e desempenha um papel-chave em identificar as reencarnações.

Como o atual Panchen Lama é mais de 50 anos mais jovem que o Dalai Lama, era esperado que fosse ele o responsável por identificar quem vai suceder o principal líder espiritual budista, hoje com 83 anos de idade.

Quando o governo chinês insistiu em controlar a escolha de quem seria a 11ª reencarnação de Panchen Lama, em 1995, devia estar se preparando para esse momento da transição de Dalai Lama.

"Eles (os chineses) disseram que estavam esperando pela minha morte e que iriam reconhecer um 15º Dalai Lama escolhido por eles", escreveu Dalai Lama em 2011, numa mensagem sobre aposentadoria e reencarnação.

Embora o Panchen Lama normalmente tenha um papel de liderança na busca pela reencarnação do Dalai Lama, ele não é "todo o processo de reencarnação e o fim de tudo", diz Bhuchung Tsering, vice-presidente da Campanha Internacional pelo Tibete.

Tsering afirma que, quando esse momento de substituir o Dalai Lama chegar, autoridades chinesas "poderiam usar o indivíduo que eles escolheram como Panchen Lama para servir aos seus interesses políticos".

O Dalai Lama disse à agência de notícias Reuters, em março, que o sucessor dele poderia estar na Índia, onde ele e muitos outros tibetanos têm vivido nos últimos 60 anos.

"No futuro, no caso de dois Dalai Lamas surgirem, um viria daqui, um país livre, e o outro seria escolhido pelos chineses, alguém que ninguém iria confiar, respeitar. Então, esse é um problema a mais para os chineses", disse Dalai Lama.

Ele também afirmou, durante encontro com budistas tibetanos na Índia, que ainda este ano poderia discutir se há a necessidade de manter a instituição Dalai Lama.

Por que estão divulgando uma nova imagem

Em casos convencionais de desaparecidos, é sempre possível que alguém veja a pessoa e entre em contato com autoridades.

Por exemplo, imagens da progressão etária elaboradas por Widden de Andrew Gosden, um adolescente que desapareceu em 2007, apareceram no telão durante a turnê da banda inglesa Muse neste ano na esperança de que alguém reconhecesse o rapaz.

No caso do Panchen Lama, o objetivo é atrair atenção internacional e fazer com que autoridades chinesas forneçam novas informações sobre Nymia.

"Nossa ideia é que precisamos dar uma revigorada nessa campanha", explica Mandie McKeown, da Rede Internacional do Tibete.

"Não há informações sobre que tipo de vida ele tem levado. Não há indicação de que ele está estudando e há informações divergentes sobre onde ele está."

Caso tenham acesso a informações sobre o local onde Panchen Lama vive, ativistas iriam pressionar por uma confirmação independente. Também defendem que ele viva em liberdade, ou no Tibete ou num exílio, afirma McKeown.

"Nós vamos continuar pedindo pela libertação da maneira mais forte possível."