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Santos Cruz é demitido do ministério de Bolsonaro; conheça a trajetória do militar

Mariana Schreiber e Júlia Dias Carneiro - Da BBC News Brasil em Brasília e no Rio de Janeiro

13/06/2019 17h52

General deixará ?o comando da Secretaria Geral da Presidência da República; ele será substituído pelo general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, que chefiava o Comando Militar do Sudeste (CMSE).

O general Carlos Alberto dos Santos Cruz deixará ?o comando da Secretaria Geral da Presidência da República (Segov), um dos cargos-chave no governo de Jair Bolsonaro. Ele será substituído pelo general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, que chefiava o Comando Militar do Sudeste (CMSE).

Em nota, Santos Cruz disse que a decisão partiu do presidente e expressou sua "admiração e agradecimento" aos servidores da secretaria, deputados, senadores, autoridades dos três poderes e a Bolsonaro e sua família.

O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, também disse que a saída de Santos Cruz partiu de Bolsonaro, mas evitou comentar os motivos da alteração.

"A mudança é decisão do presidente. Os motivos quem tem que dar é ele. É uma decisão política", afirmou à BBC News Brasil.

Azevedo e Silva acrescentou que ele e o comandante do Exército, general Edson Pujol, foram consultados por Bolsonaro sobre o nome de Ramos e mostraram concordância.Mais tarde, a Presidência da República também emitiu nota confirmando a saída e a substituição de Santos Cruz pelo general Ramos. "O presidente da República deixa claro que essa ação não afeta a amizade, a admiração e o respeito mútuo, e agradece o trabalho executado pelo general Santos Cruz à frente da Secretaria de Governo", diz o texto.

O general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira entrou na carreira militar nos anos 1970. Além de sua passagem pela CMSE, atuou na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti e foi Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército.

Na Segov, Santos Cruz controlava áreas estratégicas do governo, como a comunicação do Planalto e o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que atrai dinheiro da iniciativa privada para projetos de infraestrutura.

A área da comunicação é especialmente sensível - e alvo de interesses do filho do presidente Carlos Bolsonaro e de seus aliados, alguns dos maiores críticos à atuação do general.

Em entrevista à BBC News Brasil em fins de maio, dias depois de acompanhar Bolsonaro a uma viagem a Dallas, nos Estados Unidos, Santos Cruz disse: "enquanto eu estiver sendo útil, está ótimo. A hora que não for, que eu seja substituído, como qualquer um. Não vou ficar pensando em fazer manobras de fortalecimento. Não é o meu estilo, não".

Abordado por jornalistas nesta quinta-feira, em uma de suas últimas declarações antes de sua saída do cargo, o então ministro defendeu o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Mensagens divulgadas pelo site Intercept Brasil sugerem que o ex-juiz teria dado instruções à Procuradoria, sugerido mudanças nas fases da Lava Jato e antecipado decisões. Moro nega irregularidade.

"O juiz Sergio Moro é uma pessoa que está muito acima desse absurdo criminoso de invasão de privacidade de telefone. O ministro Sergio Moro presta um serviço ao Brasil incalculável na nossa história. Não tem nada a considerar sobre risco (de ser demitido do cargo de ministro) para uma pessoa desse nível", disse, segundo O Globo.

No mês passado, o general virou alvo de ataques de olavistas a militares do governo, capitaneados pelo escritor Olavo de Carvalho.

Santos Cruz recebeu xingamentos em série do "guru" de Bolsonaro nas redes sociais, foi publicamente criticado pelo filho de Bolsonaro, Carlos, e sofreu uma onda de ataques no Twitter que disseminou a hashtag #ForaSantosCruz.

O general aparentemente havia passado sem grandes danos pelos ataques virtuais. Em maio, o governo foi a público negar especulações de que seria demitido.

Conflitos entre alas

As críticas à atuação de Santos Cruz vinham da ala ideológica do governo, também ligada a Olavo de Carvalho. O grupo diverge do perfil do general que, assim como os outros militares do governo, era visto como parte de uma ala mais "moderada" do bolsonarismo.

Questionando as credenciais de Santos Cruz na época, os olavistas tentaram manobrar para que Bolsonaro reduzisse o seu poder, e tirasse a Secretaria de Comunicação (Secom) de seu controle e até o exonerasse.

Discreto, Santos Cruz se negava a falar sobre as agressões de Olavo de Carvalho - que chegou a chamá-lo de "seu merda" e "bosta engomada" nas redes sociais.

Dias depois das críticas, Carvalho foi agraciado pelo governo com a Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco, o mais alto grau de condecoração oficial.

"Você vê pelo nível das coisas que não vale a pena nem responder", falou Santos Cruz à BBC News Brasil no fim de maio.

"Eu exerço minha função", disse. "Não tem muita consideração a fazer a não ser trabalhar. Para isso que a gente é pago, e é isso que a sociedade espera da gente. Não é ficar discutindo fofoca."

Os embates explicitaram as divergências entre os dois grupos do governo que mais influenciam Bolsonaro: Carvalho, um "ícone" que trabalha "contra a ideologia insana" de esquerda; e os militares, a quem o presidente deve sua "formação e admiração".

Essas foram as palavras usadas pelo presidente ao considerar as desavenças uma "página virada", em declaração de 7 de maio.

Conheça abaixo a história do general de 67 anos que decidiu deixar a reserva para se aventurar na política.

Histórico na política

Santos Cruz já tinha tido passagens pelo governo antes de integrar a cúpula de Bolsonaro. Durante o mandato de Dilma Rousseff, ocupou brevemente uma assessoria na Secretaria de Assuntos Estratégicos, à época nas mãos de Moreira Franco.

No governo de Michel Temer, chefiou a Secretaria Nacional Segurança Pública (Senasp), entre abril de 2017 e junho de 2018.

Quando a equipe de Bolsonaro estava se compondo, o general chegou a ser anunciado para voltar ao cargo na Senasp, ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado por Sérgio Moro. Dias depois, entretanto, o presidente anunciou seu nome para a Secretaria de Governo.

A secretaria foi criada no fim do governo Dilma, à época chefiada pelo petista Ricardo Berzoini, e no governo Temer foi controlada por Geddel Vieira Lima (MDB), Antônio Imbassahy (PSDB) e Carlos Marun (também do MDB). Nessa época, prevalecia a atribuição de fazer a articulação política com o Congresso.

Santos Cruz, no entanto, recebeu a pasta com outra configuração. A missão de fazer a articulação com o Legislativo passou prioritariamente à Casa Civil, sob Onyx Lorenzoni (DEM), com a Segov dando apoio à função, fiscalizando a liberação das emendas parlamentares impositivas e recebendo deputados e senadores.

Mas a Segov de Bolsonaro ganhou dois setores de peso: a Secom, responsável por toda a comunicação e verba publicitária do Planalto, atualmente com orçamento de R$ 109 milhões; e a Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos, que coordena o programa de parcerias com o setor privado em projetos de infraestrutura, criada no governo Temer.

As novas atribuições se somaram a outras responsabilidades da pasta, que controla as secretarias de Articulação Social, Assuntos Federativos e Relações Institucionais, entre outras.

Batalha na Apex

Na disputa de influência entre militares e olavistas no governo, a chamada área ideológica questionava o poder de Santos Cruz sobre tantas setores na Segov.

As divergências ficaram explícitas com o episódio envolvendo a campanha publicitária do Banco do Brasil, por exemplo, e com a dança de cadeiras na Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

A agência já está no terceiro presidente neste ano, o contra-almirante Sergio Segovia, aliado de Santos Cruz, que assumiu em maio e exonerou dois diretores "olavistas" ligados ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

Já a propaganda do BB, que explorava o tema da diversidade e foi retirada do ar por determinação do Planalto, expôs uma discordância de Santos Cruz com o próprio presidente.

Embora Bolsonaro tenha vetado a campanha afirmando que "a massa quer respeito à família", Santos Cruz afirmou que a Secom não poderia interferir na publicidade de estatais. A Lei das Estatais veda esse tipo de interferência.

O episódio motivou críticas explícitas de Carlos Bolsonaro a Santos Cruz - afirmando nas redes sociais que havia "uma comunicação falha há meses da equipe do presidente", e que ele tinha "literalmente se matado" para tentar melhorá-la.

Atualmente, os gastos do governo federal em publicidade, incluindo as estatais, não são divulgados de forma transparente. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica divulgam, por exemplo, que veículos de mídia foram pagos pelas instituições, mas não discriminam valores.

Rotina com militares no governo

Quando estava no governo, sempre que a rotina permitia, Santos Cruz madrugava para praticar hipismo no 1º Regimento de Cavalaria de Guardas, a 20 km do Palácio do Planalto.

Ele era acompanhado de alguns dos militares mais poderosos do país, como o comandante do Exército, Édson Pujol, e o vice-presidente Hamilton Mourão, que também foi alvo recente de ataques de Olavo de Carvalho.

Em entrevista à BBC News Brasil em maio, o general descreveu o hipismo como uma prática "maravilhosa" para manter a forma física e emocional. "A atividade hípica exige concentração. Você desenvolve aspectos de coragem, de habilidade, de determinação, de conjunto. De acreditar no que vai acontecer."

Búlgaro, Seixo e Tempo eram os três cavalos de competição do Exército que ele próprio treinou e considerava "família". "A gente pega amor pelos animais", diz.

À BBC, Santos Cruz negou a existência de uma ala militar no entorno da Presidência, e disse não haver disputa entre grupos.

"Não tem cabimento você fazer grupos dentro de um governo. Todo mundo tem que trabalhar na mesma direção, dentro da diretriz do presidente da República."

Origens humildes e começo da carreira

Nascido em 1952, na zona rural de Rio Grande (RS), Santos Cruz ficou órfão do pai aos três meses, e da mãe aos cinco anos de idade. A educação que recebeu - em uma escola de madeira, mas com "professores excelentes" - foi fundamental para chegar onde chegou, disse em entrevista à jornalista Miriam Leitão em janeiro.

Na ocasião, contou que, com a herança que recebeu, só conseguiu comprar um toca-fitas. Mas agradeceu pelo papel que os pais tiveram em sua formação, mesmo com a pouca convivência que tiveram.

"Eles deixaram algumas prateleiras cheias de livros, que eu li quando era criança."

Santos Cruz tinha 16 anos, e nenhum militar na família, quando passou no concurso para a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx).

Foi a porta de entrada para sua carreira. Formou-se aspirante a oficial com especialização em infantaria na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, em 1974 - três anos antes de Jair Bolsonaro, que foi seu calouro e se formou em 1977. A frase estampada no pátio da formatura anual dos cadetes resume a filosofia ensinada ali: "Cadete! Ides comandar, aprendei a obedecer".

Militares entrevistados pela BBC News Brasil no mês passado descreveram a trajetória de Santos Cruz no Exército como "exemplar", um general que se mantinha na linha de frente ao lado dos soldados, inspirava os outros a partir de sua conduta e sempre manteve um condicionamento físico "colossal".

"Ele foi um dos primeiros colocados no curso", lembrou o general e atual deputado federal Eliéser Girão (PSL-RN), contemporâneo de Santos Cruz na Aman, dois anos abaixo. "Para a minha turma, ele sempre foi uma referência de militar e líder", descreveu.

O general chefiou a missão de paz da ONU no Haiti, comandando 12 mil capacetes azuis entre 2006 e 2009.

Ele também foi convocado para o Congo, logo depois de o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovar, em março de 2013, a atuação de uma brigada para operações contra grupos armados que ameaçassem a paz no leste do país africano. Ele era responsável por mais de 23 mil soldados e tinha como objetivo a "imposição de paz".

No Congo, o militar chegou ao ápice de sua carreira.

O prestígio conquistado com a missão rendeu a Santos Cruz o convite, por parte do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, para escrever um relatório sobre como reduzir os riscos e o número de mortes entre os capacetes azuis.

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