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Da guerra comercial à crise nuclear no Irã: o que Bolsonaro defende sobre os 4 temas que vão dominar o G20

O presidente Jair Bolsonaro - Adriano Machado/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro Imagem: Adriano Machado/Reuters

Nathalia Passarinho - @npassarinho - Da BBC News Brasil em Osaka

27/06/2019 15h05

Quatro temas de repercussão mundial devem dominar a agenda do encontro do G20, em Osaka, no Japão: a guerra comercial entre Estados Unidos e China, o combate às mudanças climáticas, a polêmica sobre o programa nuclear iraniano e as reformas necessárias para reforçar o livre comércio mundial.

O presidente Jair Bolsonaro fará sua estreia na reunião dos líderes das 20 maiores economias do mundo. Apesar da curiosidade em torno dele continuar, o Brasil só alcança espaço de protagonismo na discussão sobre meio ambiente, por possuir a maior floresta do mundo.

Mas, segundo especialistas, com a proximidade entre os governos Bolsonaro e do americano Donald Trump, é possível que os EUA pressionem o Brasil a tomar partido em algumas das demais discussões. Embora, na prática, o impacto de um eventual apoio brasileiro seja mínimo, haveria um efeito simbólico.

A BBC News Brasil conversou com especialistas para entender que aspectos dos quatro grandes temas mundiais devem ser discutidos no G20.

E reúne aqui o que Bolsonaro já disse (ou não) sobre cada um desses temas.

Guerra comercial entre EUA e China

A grande expectativa para o G20 está relacionada a uma agenda paralela entre Trump e o presidente chinês, Xi Jinping.

Os dois líderes vão se reunir para negociar os rumos da guerra comercial travada desde abril de 2018, quando o americano anunciou aumento das tarifas sobre aço e alumínio importados da China.

Desde então, os dois países têm travado uma batalha que consiste em aumentos mútuos de impostos sobre importações e retaliações a empresas americanas e chinesas que operam nos seus territórios.

O pano de fundo dessa briga tem a ver com dois fatores: disputa por protagonismo tecnológico e a preocupação dos EUA com o déficit do lado americano de cerca de R$ 3,4 trilhões por ano no comércio com a China.

Foi numa reunião do G20, no ano passado na Argentina, que Trump e Xi chegaram a um acordo para uma trégua de 90 dias na guerra comercial.

Mas, desde então, a crise escalou e, em abril, os EUA subiram de 10% para 25% a tarifa de importação sobre US$ 200 bilhões em produtos importados chineses. O governo Trump também impôs restrições para que a gigante de tecnologia chinesa Huawei opere nos EUA.

Por causa das novas regras americanas, até o Google teve de revisar serviços, aplicativos e atualizações para smartphones fabricados pela Huawei.

"Trump tem insistindo em ter uma outra reunião bilateral com o presidente chinês e isso indica que ele está pronto para firmar um acordo. E isso é de interesse da China, que está com a economia desacelerando", disse à BBC News Brasil o professor John Kirton, chefe do grupo de estudos do G20 da Universidade de Toronto.

"Não acho que haverá uma solução definitiva para a guerra comercial, mas é possível haver uma trégua."

O que Bolsonaro já disse sobre a guerra comercial

A guerra comercial entre as duas maiores potências do mundo tem impacto direto no Brasil, que tem a China como principal parceiro comercial e os EUA como o segundo.

Durante a campanha para presidente e quando era deputado federal, Bolsonaro fez diversas críticas à China, acusando o gigante asiático de estar "comprando" o Brasil.

Desde que tomou posse, o presidente tem se aproximado fortemente do governo Trump, sugerindo até a intenção de promover um alinhamento automático com os americanos.

Em março, Bolsonaro fez sua primeira visita de Estado aos Estados Unidos. Na ocasião, Trump disse, ao lado de Bolsonaro no Salão Oval da Casa Branca, "que a relação com o Brasil nunca esteve tão boa".

Ao final da viagem, o presidente brasileiro chegou a trocar seu bordão de campanha para incluir os EUA. "Brasil e Estados Unidos acima de tudo. Brasil acima de todos", disse, alterando o slogan que era "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

Mas a relação com Trump e as críticas do passado em relação à China não se reverteram, até agora, em ações para restringir o comércio com Pequim. E Bolsonaro inclusive anunciou que pretende visitar a Chia no segundo semestre deste ano.

Mas será que o Brasil vai tomar partido se a crise entre EUA e China escalar?

A tendência, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, é que o governo brasileiro se mantenha neutro. Até agora as declarações feitas por Bolsonaro sobre a guerra comercial foram no sentido de minimizar a disputa.

Em maio, durante viagem que fez aos Estados Unidos para receber um prêmio da Câmara de Comércio Brasil-EUA, ele afirmou que o "pequeno problema econômico" entre EUA e China pode "beneficiar" o Brasil.

De fato, no curto prazo, o Brasil tem conseguido aumentar as exportações de commodities para a China, em substituição a produtos americanos que passaram a ser sobretaxados pelo governo chinês.

No longo prazo, porém, se a guerra comercial escalar, economistas alertam que todos tendem a perder com uma desaceleração global.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem sido mais explícito em garantir que o Brasil deverá adotar uma postura de neutralidade.

"Como disse o ministro Ernesto Araújo [Relações Exteriores], nós somos um país do Ocidente, somos uma democracia e sabemos quem nos inspira. Mas os Estados Unidos vêm fazendo comércio com a China há décadas, por que nós não podemos fazer?", questionou Guedes a uma plateia de investidores em Washington.

"Sabe quem tem mais investimento direto aqui nos Estados Unidos? Os chineses. Então, por que nós não podemos fazer comércio com a China e deixar que eles invistam no Brasil em ferrovias para transportar nossa soja?"

Em entrevista à BBC News Brasil, o economista britânico Jim O'Neill, conhecido como "pai do Brics", também defendeu que o Brasil mantenha boas relações políticas e comerciais com ambos os países.

O'Neill cunhou o termo "Bric" num relatório econômico para o banco Goldman Sachs quando era economista-chefe da instituição. Posteriormente, o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e, mais recentemente, África do Sul seria formalmente criado.

"Sob o aspecto econômico, se os países realmente tiverem de optar, muitos deles, e acho que o Brasil também, seriam loucos se não escolhessem a China", adverte O'Neill.

"A China se tornou muito mais importante para esses países- no caso do Brasil pela compra de commodities- do que os Estados Unidos", lembra.

Livre comércio x protecionismo

Diante da guerra comercial entre Estados Unidos e China, a discussão sobre protecionismo x livre mercado será o principal foco dos debates coletivos entre os líderes das 20 maiores economias do mundo.

Num artigo para o livro G20 Japan: The 2019 Osaka Summit, lançado no dia 19, Bolsonaro indicou que se juntará às vozes que defendem as regras de livre comércio, embora tenha se aproximado fortemente do governo Trump nos primeiros seis meses de governo e, internamente, dado sinais de que pretende controlar preços da Petrobras.

A publicação foi organizada pelo professor John Kirton, diretor do grupo de pesquisa sobre o G20 da Universidade de Toronto.

"Estamos resgatando a vocação de livre concorrência do Mercosul e vamos priorizar negociações que já estejam em estágio avançado, como a negociação com a União Europeia e o Canadá", disse o presidente brasileiro, acrescentando que iniciará negociações de comércio com Cingapura, Nova Zelândia e Estados Unidos.

No artigo, Bolsonaro também reforça a intenção do Brasil de integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, ao abordar esse ponto, volta a se dizer comprometido com o livre comércio.

A OCDE é formada por um seleto grupo de países, a maioria desenvolvidos e com grandes economias. Fazer parte dessa organização funciona como uma espécie de chancela de credibilidade internacional e de boas práticas comerciais.

"Com a mesma determinação, desejamos nos juntar à OCDE, sem atraso. Só temos a ganhar em adotar as melhores práticas internacionais e trocas com outros países abertos ao comércio e ao fluxo de investimentos."

Segundo o professor John Kirton, por representar uma das maiores economias emergentes, Bolsonaro deverá ser ouvido com atenção em sua defesa pelo livre mercado e por reformas que tornem a Organização Mundial do Comércio mais eficaz.

"A postura de Bolsonaro quanto à liberalização econômica faz dele uma voz importante entre países emergentes e em desenvolvimento, principalmente no tocante à defesa de regras para conter os amplos subsídios adotados por países europeus e pelos EUA à agropecuária", disse à BBC News Brasil.

Crise nuclear no Irã

Se na área econômica a guerra comercial entre EUA e China será o centro das atenções do G20, a preocupação mais séria em relação à paz mundial vem da crise nuclear iraniana.

Na semana passada, o Irã derrubou um drone militar americano, provocando uma escalada da tensão.

Segundo a imprensa dos EUA, o presidente Trump chegou a considerar a possibilidade de atacar a república islâmica, mas acabou optando por impor novas sanções econômicas ao país.

O Irã já está com a economia abalada desde que o presidente americano rompeu o acordo nuclear de 2015 que limitava o enriquecimento de urânio iraniano em troca da retirada de sanções internacionais ao país.

O rompimento, em 2018, foi amplamente criticado pela União Europeia, já que auditorias técnicas das Nações Unidas não haviam apontado descumprimento das regras por parte do governo iraniano.

Desde então, os EUA vêm impondo barreiras econômicas ao Irã e punindo países e empresas que comercializam com aquela nação.

A crise tem gerado pressões sobre o preço do combustível no mundo todo, já que o Irã é um dos maiores exportadores do recurso e tem tido dificuldade para vender seu produto por causa das sanções americanas.

Como o G20 tende a priorizar discussões econômicas, o viés do aumento do preço mundial dos combustíveis deve entrar na agenda de debate, podendo levar a uma discussão sobre as ameaças que a crise entre EUA e Irã causam ao mundo, avalia o professor Kirton.

O tópico da crise do Irã também pode ser mencionado pelos líderes do G20 quando estiverem discutindo combate ao terrorismo e não proliferação de armas nucleares, tópicos que, segundo Kirton, são padrão na agenda de todos os encontros do grupo.

"Agora, não se sabe se Shinzo Abe (premiê do Japão) dará tempo para uma discussão coletiva sobre a questão iraniana. É possível que ele deixe esse tópico para tratativas bilaterais, dado que o Japão tem uma relação especial com o Irã", diz Kirton.

No âmbito das discussões paralelas do G20, o tópico da crise nuclear iraniana deve ser abordado principalmente durante reunião bilateral entre Trump e o presidente da Rússia, Vladimir Putin.

O que Bolsonaro já disse sobre o Irã

Bolsonaro não tem comentado sobre a escalada da tensão entre EUA e Irã.

Mas, na prática, a forte aproximação do Brasil com Israel e Estados Unidos distancia nosso país politicamente de países árabes e do Irã, acabando com uma longa tradição de neutralidade da diplomacia brasileira.

Durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, o governo iraniano chegou a sugerir que o Brasil atuasse como mediador das negociações nucleares.

Lula chegou a ir a Teerã em 2010 para negociar um acordo com os iranianos, mas os EUA ignoraram essas negociações, firmando um entendimento com Teerã apenas cinco anos depois.

No governo Bolsonaro, os planos de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém geraram amplas críticas do Irã.

O porta-voz das Relações Exteriores iraniano, Bahram Ghasemi, chegou a dizer que a decisão do Brasil ameaça a segurança no Oriente Médio.

Após ampla pressão do Irã e de nações árabes, Bolsonaro acabou postergando a transferência da embaixada e abrindo um escritório comercial em Jerusalém.

Mas, apesar de o governo brasileiro ter rompido com a tradição de neutralidade e se aliado a Israel, nenhum movimento foi feito no sentido de tomar partido quanto à atual disputa entre Irã e EUA sobre o programa nuclear iraniano.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, integrantes do governo americano chegaram a pressionar o governo brasileiro a adotar uma postura mais dura em relação ao Irã, mas não conseguiram obter o apoio do Brasil.

Mudanças climáticas

Outro tema que receberá atenção no G20 é o combate às mudanças climáticas.

Em artigo sobre os tópicos de discussão do encontro entre os líderes das 20 maiores economias do mundo, o primeiro-ministro japonês defendeu que seja dado amplo enfoque no estímulo de novas tecnologias que visem a reduzir o impacto negativo do homem sobre o clima global.

"Os compromissos assumidos no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas para limitar o aumento da temperatura da atmosfera a 1,5 grau Celsius até 2100 não serão alcançáveis apenas por regulação", alertou Shinzo Abe.

No quesito mudanças climáticas, o Brasil deverá ser particularmente pressionado pelos demais membros do G20, por possuir grande parte da maior floresta tropical do mundo.

Segundo o professor de política econômica e desenvolvimento Diego Sánchez-Ancochea, da Universidade Oxford, a imagem internacional do governo Bolsonaro na área ambiental, em geral, não é boa.

Mas, segundo ele, o fato de os Estados Unidos também serem uma importante voz de ceticismo quanto ao aquecimento global poderá provocar uma divisão no G20 entre os que defendem mais ações de proteção ambiental e os que não consideram essa questão uma prioridade.

"Como o governo Trump é cético quanto ao aquecimento global, será difícil ver uma crítica unânime a Bolsonaro. É mais provável que vejamos divisão no G20 sobre o que fazer com o meio ambiente."

Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que a mensagem que o governo Bolsonaro levará ao G20 é de que é preciso diversificar as atividades econômicas na Amazônia.

Segundo ele, é necessário oferecer alternativas de emprego e renda para a população da região, para que as pessoas não se sintam atraídas por atividades ilegais que gerem desmatamento.

Salles também disse que quer atrair investimento estrangeiro para abrir negócios dentro e no entorno da floresta.

Entre as atividades que o governo pretende estimular estão mineração e exploração dos recursos hídricos da Amazônia para geração de energia.

O ministro também afirmou que o governo brasileiro deverá cobrar, no G20, que países ricos compensem o Brasil e o produtor rural pela preservação da floresta.

"É uma maneira de nós dizermos ao mundo: 'Estamos preservando, mas precisamos ser remunerados por isso'", disse.

Para Kirton, chefe do grupo de pesquisa sobre o G20 da Universidade de Toronto, a postura do governo em relação ao meio ambiente pode acabar gerando prejuízos ao Brasil em organismos internacionais.

Ele dá o exemplo do pleito brasileiro de integrar a OCDE. Recentemente, o Brasil obteve seu primeiro "ganho" com a aproximação entre Bolsonaro e Trump, quando os EUA se posicionaram formalmente a favor da entrada do Brasil no grupo.

No entanto, segundo Kirton, para obter o apoio de países europeus, o governo Bolsonaro terá de se mostrar mais comprometido com o meio ambiente.

"O Brasil quer entrar na OCDE e praticamente todos os países que integram o grupo, com exceção dos Estados Unidos, acreditam numa solução multilateral liderada pela ONU para controlar as mudanças climáticas", destaca Kirton.

"Se o Brasil quer avançar no seu desejo de fazer parte da OCDE, vai ter de adotar uma posição mais respeitável sobre mudanças climáticas, o que Bolsonaro não tem feito até agora."

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