O que pensam siglas que lutam há anos para nascer sobre o plano 'fura-fila' do partido de Bolsonaro
TSE decide tema nesta terça (26) e afetará planos de Bolsonaro para seu novo partido. Quem já tem as assinaturas necessárias é contra a coleta eletrônica; quem ainda precisa de apoios é favorável.
Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) devem julgar no começo da noite desta terça-feira (26/11) um assunto que interessa diretamente ao presidente Jair Bolsonaro: se a coleta de assinaturas para a criação de novos partidos políticos precisa ser feita necessariamente em papel ou se meios digitais podem ser usados.
O plano dos advogados eleitorais Admar Gonzaga e Karina Kufa, que auxiliam Bolsonaro na tarefa de criar o partido Aliança Pelo Brasil, é combinar um aplicativo de celular com os leitores de impressões digitais de smartphones para agilizar a coleta das 491.967 assinaturas necessárias.
Desta forma, a nova legenda poderia ser lançada antes de março de 2020, a tempo de inscrever candidatos nas eleições municipais do ano que vem.
Mas o que pensam deste plano "fura-fila" os representantes dos 76 partidos que tentam obter seus registros no Brasil?
A divisão é clara: quem já conseguiu (ou está perto de conseguir) as assinaturas em papel é contra o uso de novas tecnologias. Enquanto isso, quem ainda não tem as firmas necessárias é favorável à novidade proposta pelos advogados do presidente.
A reportagem da BBC News Brasil conversou com representantes da Unidade Popular (UP), do Partido da Evolução Democrática (PED) e do Partido Nacional Corinthiano (PNC), que são contra a coleta eletrônica de assinaturas - as três são as legendas com o processo de criação mais avançado.
Também ouviu os representantes da nova Arena e do Partido Militar Brasileiro (PMB), que apóiam a ideia de coletar assinaturas por meio eletrônico.
Pedido do MBL
Nesta terça, os ministros do TSE podem responder a uma consulta sobre o assunto formulada em dezembro do ano passado pelo Movimento Brasil Livre (MBL). O grupo, que foi fundado em 2014 e ganhou destaque nas manifestações de rua pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), cogitava então a possibilidade de criar um partido político.
Originalmente, a consulta do MBL dizia respeito ao uso da chamada assinatura digital para apoiamento aos partidos. Esta é uma tecnologia relativamente cara e pouco difundida no Brasil, usada principalmente por advogados, jornalistas e outros profissionais para acessar e autenticar documentos.
Como à época o MBL ainda não tinha congressistas, a consulta ao TSE foi formalmente apresentada pelo deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS), que é próximo ao movimento.
No entanto, é possível que o tribunal decida também sobre outras tecnologias possíveis para a certificação digital, diz o advogado Rubens Nunes - que é integrante do MBL e redigiu a consulta.
"A área técnica do TSE disse que este uso é factível. Aí, caberia à Justiça Eleitoral determinar de qual forma seria feito", diz ele à BBC News Brasil.
"A consulta é sobre apoiamento eletrônico. A primeira alternativa seria essa (certificação digital). Mas quando se fala nisso, é qualquer meio eletrônico. Uma alternativa razoável seria o (aplicativo) E-Título, onde o cidadão já fez o procedimento de certificação (na Justiça Eleitoral). Pelo próprio aplicativo do celular ele poderia fazer esse apoiamento (ao novo partido)", diz Rubens.
Dias atrás, o procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros, emitiu parecer sobre a consulta do MBL, contrário ao uso da assinatura digital.
Para o procurador, a assinatura digital equivale à assinatura em papel, e o uso do mecanismo seria lícito. Entretanto, diz Jaques, a Justiça Eleitoral deveria priorizar o desenvolvimento da identificação biométrica - e não da assinatura digital.
"Se a identificação do eleitor para o voto progrediu pela biometria, não deve ser outro o caminho para sua identificação na propositura de leis por iniciativa popular ou no apoiamento da criação de partidos políticos. A preparação para recebimento de apoiamentos por petição eletrônica é somente benefício para alguns, e um custo para todos, sem nenhum ganho para o sistema eleitoral", escreveu ele.
Na semana passada, no evento de fundação da Aliança Pelo Brasil, Bolsonaro disse contar com um resultado "favorável" na Corte nesta terça. "Se for positivo (o resultado), eu formo em um mês o partido. Se não for, vai demorar aí alguns meses, longos meses", disse o presidente.
Nos últimos dias, os advogados eleitorais do presidente têm dito que podem formular uma nova consulta ao TSE, especificamente sobre o uso da biometria, caso o resultado no TSE seja negativo.
'Perde o contato com o eleitor'
Rafael Freire é jornalista e membro do Diretório Nacional da Unidade Popular (UP), um dos partidos em formação que já coletaram as assinaturas necessárias.
Assim como os outros representantes de partidos que já têm as firmas necessárias, ele é contra a novidade.
Freire diz que a coleta presencial de assinaturas garante a legitimidade do novo partido. Para chegar às 500 mil necessárias, os militantes da agremiação de esquerda tiveram de conversar com mais de 1 milhão de pessoas nas ruas entre setembro de 2016 e setembro de 2018, calcula Freire.
"Coletamos assinaturas em 17 Estados, e em 15 deles atingimos o percentual necessário. Olhando no olho das pessoas. De outra forma, por via eletrônica, via WhatsApp, você não pode garantir que essas pessoas foram realmente contatadas; que alguém foi lá e explicou para elas do que se tratava", diz ele à BBC News Brasil.
É a mesma posição de Gilson da Silva Lima, presidente do futuro Partido da Evolução Democrática (PED), outro partido com pedido de registro já em tramitação no TSE.
"Todos os partidos, os 76, estão buscando as assinaturas originais, coletando individualmente. As pessoas debatem a ideologia do partido, o programa. Então, creio que as assinaturas eletrônicas, caso aprovadas pelo TSE, (vão prejudicar) este contato do partido com o apoiador. Se for eletrônica, perdemos muito, e a democracia também perde muito com isto", diz Gilson.
O pedido da Unidade Popular (UP) já começou a ser julgado no plenário do TSE - é a última etapa para a concessão do registro. O julgamento foi interrompido no dia 24 de outubro, por um pedido de vista do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.
A UP pediu para adotar o número 80 nas urnas. Trata-se da representação partidária do grupo Juventude Rebelião, uma corrente de orientação marxista que começou a se organizar nos anos 1990.
Para Freire, o fato de o TSE ter decidido pautar apenas agora a consulta do MBL sobre o assunto é evidência de "casuísmo" da parte do tribunal. "É uma barganha que o presidente está fazendo junto às instituições, usando o peso que ele tem. Nós esperamos que o tribunal decida conforme a lei, e o que a lei determina hoje é o uso de ficha e assinatura (física)", diz ele.
Rubens Nunes, do MBL, se diz feliz por ver seu pleito chegar ao plenário do TSE, mas admite o incômodo com o momento escolhido pelo tribunal para pautar o caso.
"A gente fez a consulta em dezembro de 2018. Andou a passos vagarosos. Em maio saiu a manifestação da área técnica do TSE. E de repente, curiosamente, depois que o Bolsonaro deixa o seu partido (o PSL), ela começa a andar a toque de caixa", diz. "Isso evidencia o quanto a política mexe com o Judiciário", comenta ele.
O mesmo problema é apontado pelo advogado Marcelo Mourão, que representa o Partido Nacional Corinthiano (PNC). Segundo ele, a consulta não deveria ser nem mesmo avaliada pelo TSE - deveria ir para o arquivo sem uma resposta de mérito. As regras do tribunal impedem o uso de consultas para decidir sobre situações concretas.
"Na ocasião em que se formulou a consulta, não existia nenhuma situação concreta. Agora, é pública e notória a intenção do presidente da República de fazer uso dessa possibilidade de assinatura eletrônica. Portanto, a consulta não pode mais ser utilizada", sustenta o advogado.
Nova Arena e Partido Militar apoiam a ideia
Na outra extremidade da fila, as siglas que ainda precisam coletar assinaturas defendem o uso dos meios eletrônicos para agilizar o processo.
Sylvio Pires de Campos Neto é o atual responsável por tentar tirar do papel a reedição da Arena - o nome é herdado da Aliança Renovadora Nacional (1965-1979), o antigo partido de sustentação da ditadura militar (1964-1985).
"Nós mesmos já queríamos pleitear isso, mas como estávamos em stand-by, não o fizemos. O partido (Arena) estava parado por falta de recursos para fazer a coleta de assinaturas. Agora, nós começamos a coletar novamente. Então, abrindo essa possibilidade, para nós é interessante", diz ele.
"É muito difícil você ficar na rua parado, esperando alguém assinar para você. A coleta eletrônica abre oportunidade para todos, não só para mim", diz Sylvio.
O deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) é o fundador do Partido Militar Brasileiro (PMB) - ele diz estar tentando registrar a sigla formalmente há seis anos, o que não teria acontecido até o momento por causa da suposta má vontade do TSE com as novas siglas.
"O TSE vai negar (a possibilidade de usar meios eletrônicos para coletar assinaturas). Eles vão mais uma vez legislar no lugar do Congresso Nacional, pois são contra a criação de novos partidos", aposta o deputado.
O deputado diz que gostaria de contar com as assinaturas eletrônicas ? hoje, acusa ele, os cartórios eleitorais não cumprem os prazos que têm para validar os apoios. "Eles têm 15 dias para reconhecer o apoiamento, e levam oito meses."
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