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O que acontece se Trump declarar cartéis de drogas no México "organizações terroristas"

Debate sobre classificação de cartéis ganhou força com massacre de família mórmon no México - Getty Images
Debate sobre classificação de cartéis ganhou força com massacre de família mórmon no México Imagem: Getty Images

Stefania Gozzer - BBC News Mundo

28/11/2019 11h06

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pretende que nomes como Sinaloa, Jalisco Nueva Generación, Tijuana, Juáz e Los Zetas deixem de ser chamados de organizações criminosas e passem a ser considerados "grupos terroristas".

Segundo Trump, seu governo trabalha há 90 dias para classificar os cartéis de drogas mexicanos na categoria de terrorismo. "Você sabia que chamar (um grupo de grupo terrorista) não é tão fácil. Você precisa passar por um processo e nós estamos bem no meio desse processo", disse ele na terça-feira no programa de rádio do jornalista Bill O'Reilly.

"Estamos perdendo 100 mil pessoas por ano por causa do que está acontecendo e do que está vindo do México", disse o mandatário americano.

"Eu ofereci (ao presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador) que ele nos deixe ir até lá e varra tudo, mas até agora ele rejeitou a oferta. Mas algo tem que ser feito", afirmou Trump.

A ideia de colocar os cartéis no patamar de grupos terrorismo não é nova e sempre foi rejeitada pelo governo mexicano.

"O México nunca admitirá nenhuma ação que signifique violação de sua soberania nacional. Vamos agir com firmeza", escreveu o ministro das Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard, no Twitter. Segundo ele, os dois países devem se reunir para discutir o assunto.

Para políticos e especialistas que defendem essa nova designação, o nível de violência que essas organizações atingiram justifica uma nova abordagem.

O debate voltou à tona recentemente por causa do assassinato de três mulheres e seis crianças de uma família mórmon da comunidade LeBarón.

As vítimas, que tinham nacionalidades mexicana e americana, foram mortas a tiros no último dia 4 em um território cujo controle é disputado pelo cartel de Sinaloa e pela quadrilha La Linea.

Mas quais seriam as consequências de classificar cartéis de drogas como "terroristas"?

Cartel 'terrorista'?

Primeiro, precisamos entender que os Estados Unidos têm diferentes formas e graus para classificar uma organização como terrorista, explicou à BBC Mundo o especialista mexicano Mauricio Meschoulam.

"A mais severa é a classificação como organização terrorista estrangeira, definida pelo Departamento de Estado dos EUA", afirmou.

Mas instituições como o Departamento de Estado e o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac, na sigla em inglês) podem ter diferentes definições de terrorismo.

Embora eles estabeleçam um determinado perfil, no final, a decisão é política, afirmam Mauricio Meschoulam e Sanho Tree, especialista em políticas antidrogas do Instituto de Estudos de Políticas dos EUA.

Os especialistas ressaltam, no entanto, que a medida anunciada pode não se concretizar, o que não seria algo inédito em seu governo. Para eles, a declaração busca mesmo reforçar sua base de apoio.

Para Meschoulam, a ideia de Trump "se encaixa perfeitamente em sua narrativa sobre ameaças que vêm do Sul".

Tree afirma que a estigmatização dos mexicanos faz parte da estratégia para a campanha à reeleição em 2020.

Uma das consequências de passar a considerar os cartéis como terroristas seria estender a acusação para quem colaborar com eles. A exemplo dos vendedores locais de drogas e seus clientes, afirmou Tree.

Segundo um material informativo do Congresso americano, quem fornecer apoio ou recursos materiais a organizações terroristas estrangeiras, sabendo dessa informação, pode ser acusado de colaborar com o terrorismo.

Seus membros e representantes podem ser deportados ou barrados no país, e seus ativos ou transações financeiras, ser bloqueados por instituições americanas.

Tachar uma organização como terrorista permitiria também ao governo dos EUA encorajar ou cobrar outros países para adotarem o mesmo caminho.

Penas maiores

As condenações por narcotráfico nos Estados Unidos podem ter penas altas. Joaquín "El Chapo" Guzmán, por exemplo, foi condenado neste ano à pena de prisão perpétua e outros 30 anos por liderar o cartel de Sinaloa, que entrou com toneladas de drogas no país.

Os mais afetados nesse sentido seriam os últimos elos da cadeia, afirmou Jesse Norris, professor de justiça criminal da Universidade Estadual de Nova York, à BBC Mundo (serviço da BBC em espanhol).

"Acho que o principal (de uma nova classificação) seria tornar mais fácil processar pessoas em níveis mais baixos como terroristas, a exemplo dos traficantes de rua, que compram drogas de cartéis, mas não estão envolvidos de outra forma. Isso é algo estúpido", afirmou.

"Isso facilitaria o julgamento de pessoas associadas a cartéis e possibilitaria penas mais longas. Trabalhar para cartéis, dar-lhes coisas, aconselhá-los ou qualquer tipo de ajuda pode levar a penas de até 20 anos."

"Na prática, quase qualquer pessoa que tenha se associado ou interagido com um cartel de qualquer forma, mesmo sem fazer parte de um, poderia ser acusada de terrorista."

Norris indica haver um problema em potencial: "Se os cartéis forem chamados de organizações terroristas estrangeiras, promotores federais teriam repentinamente um incentivo para acusá-los de crimes terroristas, já que esses tipos de acusações atraem mais holofotes e rendem mais prestígio".

Prioridade

"Se passarem a ser considerados terroristas, os cartéis se tornariam uma prioridade", avalia o especialista Mauricio Meschoulam. Mais especificamente, uma das três prioridades da Casa Branca sob Trump, ao lado da competição militar e tecnológica com a China e a Rússia.

"Eles não precisariam mais de um mandado de prisão para vasculhar uma casa ou entrar em computadores porque a abordagem do terrorismo é agir antes que o ataque ocorra", explica Meschoulam.

"Isso dá às forças de segurança bastante flexibilidade para realizar atos que normalmente são vistos como uma violação de direitos em uma democracia."

O que mais preocupa o governo mexicano é que a medida abre brechas para operações unilaterais em seu território, sem considerar sua soberania.

"O mais sério que poderia ser feito seriam as missões de combate que violam a soberania e a territorialidade do México. Os cartéis deixariam de ser uma ameaça à segurança pública e se tornariam uma ameaça à segurança nacional", disse Meschoulam. Mas ele avalia que a possibilidade de operações do tipo é remota, ainda que esteja prevista na legislação antiterrorista dos EUA.

"Isso seria um confronto direto com o governo mexicano."

Cabe aos EUA definir que tipo de medida adotar para cada uma das organizações que considera terrorista.

Neste ano, por exemplo, a Guarda Revolucionária do Irã foi incluída nessa lista, e passou a ser alvo de sanções financeiras, mas não de ordens de prisão de membros.

Para os especialistas ouvidos pela reportagem, haveria também dificuldades práticas para aplicar essas definições a cartéis, que têm estrutura muito distinta de organizações como as Farc, o Sendero Luminoso e o Exército de Libertação Nacional (ELN).

"No terrorismo, não é a violência que causa terror. É a violência adotada para causar danos a terceiros. O alvo são esses terceiros que recebem a mensagem por meio da violência (direta contra outros)", afirmou Meschoulam.

"Não há ideologia nos cartéis. A mensagem é: 'Não mexa comigo'. É o que meu colega Brian Phillips (da Universidade de Essex) descreve como 'grupos criminosos que adotam táticas terroristas'", disse ele.

Para Tree, é importante diferenciar os grupos: "Terroristas têm uma ideologia, um objetivo político. O objetivo dos traficantes de drogas é ganhar dinheiro".

Efeitos positivos ou negativos?

O senador Chip Roy, do Texas, era um dos que pediam a Trump que classificasse os narcotraficantes de terroristas.

"Filmagens de decapitações, seres humanos sendo dissolvidos em ácido sulfúrico, corpos esquartejados e jogados pelas ruas. Não estou descrevendo o Estado Islâmico nem a Al Qaeda, mas o que está acontecendo ao lado de nossa fronteira com o México na batalha por controle entre cartéis de drogas e autoridades do México", escreveu Roy.

Nem só políticos de direita como Roy apoiam essa medida.

O Instituto de Política, ONG sediada na Universidade Harvard, recomendou em 2012 que os Estados Unidos aprovassem uma lei para classificar cartéis mexicanos como organizações terroristas: "Os Estados Unidos poderiam dissuadir assim os membros dos cartéis com sanções mais severas".

Tree, por outro lado, afirma que a estratégia seria contraproducente. Na sua opinião, quanto maior for a perseguição ao tráfico de drogas, mais valorizada será sua atividade.

"As drogas são matérias-primas muito baratas. A única razão para serem caras é a guerra contra as drogas. O consumido basicamente paga pelo risco do transporte e da venda", explica o especialista.