Topo

Esse conteúdo é antigo

Julgamento de Trump: um guia simples para entender por que presidente dos EUA é alvo de impeachment

21/01/2020 08h42

Começa nesta semana julgamento do presidente dos EUA no Senado; respondemos as perguntas básicas de leitores da BBC sobre o processo.

Em uma trama capaz de rivalizar com um programa de TV, Donald Trump enfrentará nesta semana um julgamento de impeachment, sob o risco - ainda que remoto - de ser retirado do cargo de presidente dos EUA.

O processo passou primeiro pela Câmara dos Representantes (deputados), que, com maioria democrata, aprovou o impeachment, em 18 de dezembro.

Trump se recusou a cooperar com as investigações da Câmara e chama o processo de "caça às bruxas".

A BBC preparou um guia didático para quem quer entender os meandros desse processo, que começa nesta terça-feira, a partir das principais perguntas enviadas por leitores:

Começando pelo básico: como é o processo de impeachment nos EUA?

Diferentemente do que ocorre no Brasil, o impeachment aprovado pela Câmara de Representantes americana não resulta no afastamento imediato do presidente - trata-se de apenas um primeiro passo, já que o afastamento nos EUA é decidido somente no julgamento no Senado.

Na Câmara, os legisladores analisaram as provas, ouviram testemunhas e decidiram por quais artigos acusariam o presidente (no jargão político americano, isso é chamado de "artigos recomendados de impeachment").

No caso, os legisladores decidiram por duas acusações contra Trump: abuso de poder e obstrução de investigação no Congresso (mais detalhes logo abaixo).

Agora, estamos entrando na segunda etapa, que se desenrola no Senado. Se no julgamento o presidente for considerado culpado, é removido do cargo, e o vice-presidente (no caso atual, Mike Pence) é empossado.

Quantos presidentes já passaram pelo processo de impeachment?

Somente dois: Andrew Johnson em 1868 e Bill Clinton em 1998. Ambos sofreram o impeachment pela Câmara, mas depois absolvidos em seu julgamento no Senado.

Em 1974, o presidente Richard Nixon foi flagrado espiando seus oponentes no escândalo que ficou conhecido como Watergate. Mas Nixon renunciou antes que o Congresso concluísse seu processo de impeachment, que provavelmente culminaria em sua remoção do cargo.

E quanto a Trump, por que ele sofre um processo de impeachment?

Donald Trump é acusado de abusar de sua posição de poder e pressionar o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, a buscar informações que pudessem prejudicar a campanha de Joe Biden, - ex-vice de Barack Obama e um dos principais pré-candidatos democratas para 2020.

Trump queria que Zelensky investigasse a atuação de Hunter Biden, o filho de Joe Biden, como diretor em uma empresa de gás daquele país. Em troca, Trump liberaria um auxílio militar de quase US$ 400 milhões aos ucranianos e receberia Zelensky na Casa Branca.

O caso começou com uma denúncia de um informante anônimo sobre um telefonema entre Trump e Zelensky em 25 de julho de 2019. Trump havia bloqueado o auxílio militar à Ucrânia, e ao menos quatro funcionários de alto escalão afirmaram que estava claro que o dinheiro não seria liberado até que Biden fosse investigado.

Os depoimentos colhidos pelos democratas durante o processo na Câmara apontaram que Trump e seu advogado pessoal, Rudy Giuliani, teriam criado uma estrutura diplomática paralela para pressionar a Ucrânia a investigar Biden. A Casa Branca nega todas essas acusações. Trump argumenta que não pressionou Zelensky e afirmou que o processo de impeachment é "demente, delirante e hiperpartidário".

Trump desrespeitou a lei americana?

Nos EUA, não é consenso que um presidente deva ser removido do cargo por pressionar um líder estrangeiro a produzir provas contra um rival político.

No entanto, o Escritório de Prestação de Contas Governamental (GAO, na sigla em inglês), agência apartidária que audita gastos federais, emitiu comunicado em 16 de janeiro afirmando que Trump desrespeitou a lei ao não liberar a ajuda militar (que havia sido alocada pelo Congresso) à Ucrânia. "A execução fiel da lei não permite que o presidente substitua por sua própria prioridade de políticas as prioridades que foram definidas por lei pelo Congresso", diz o comunicado.

O governo americano afirmou "discordar da opinião do GAO". "(O orçamento do governo) usa sua autoridade para garantir que o dinheiro público seja gasto de modo apropriadamente consistente com as prioridades do presidentes e com a lei", afirmou uma porta-voz do escritório que coordena o orçamento.

O que acontece agora?

Agora que o julgamento começa no Senado, duas pessoas vão decidir a condução do processo: Mitch McConnell, republicano que lidera a Casa, e Chuck Schumer, líder dos democratas.

Ambos terão de entrar em acordo quanto aos procedimentos para acolher testemunhas, provas e duração do processo. No entanto, como os republicanos são maioria no Senado, McConnell é quem terá a palavra final.

E o que McConnell já disse a respeito é: "Vou me guiar pelos advogados do presidente, todos sabemos como isso vai terminar. Não há nenhuma chance de o presidente ser removido do cargo".

Então... já sabemos como isso vai terminar?

Bem, os senadores republicanos têm se manifestado duramente contra o impeachment, e eles são maioria na Casa.

Para condenar um presidente, é necessário ter 67 votos (ou 2/3) de um total de 100.

Só que, como há apenas 45 senadores democratas ali (mais dois independentes, que votam com eles) contra 53 republicanos, há ampla expectativa de que Trump seja absolvido.

Qual o sentido do julgamento, nesse caso?

Aliados de Trump dizem que o processo é apenas um show político criado pela oposição para enfraquecer Trump eleitoralmente - uma vez que o julgamento pode afetar significativamente a imagem do presidente.

Mas a democrata que preside a Câmara, Nancy Pelosi, afirma que o processo contra Trump trata da "defesa da democracia" americana, afirmando que a Casa Branca vive sob um "grave novo nível de ilegalidade".

Trump já foi protagonista de diversas polêmicas jurídicas, incluindo a investigação sobre as acusações de interferência russa na eleição americana de 2016; sua recusa em divulgar seus documentos tributários; e o suposto pagamento de suborno para silenciar mulheres que diziam ter tido caso com ele. A investigação ucraniana, dizem críticos, seria a gota d'água em uma longa lista de más condutas.

Mas é bom lembrar que o impeachment é um processo arriscado também para a oposição. Se Trump for absolvido, como é mais provável até agora, é possível que o tiro democrata saia pela culatra e prejudique o partido nas eleições do ano que vem.