Coronavírus: postura de Bolsonaro coloca União e Estados em enfrentamento direto
Depois de pronunciamento do presidente na noite de terça, tensão entre Estados e o governo federal se transformou em disputa aberta.
Em meio às decisões administrativas sendo tomadas nos Estados para conter a disseminação do novo coronavírus, governadores disseram nesta quarta-feira (24/03) terem sido pegos de surpresa pelo pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro na noite anterior, pedindo que o país "volte à normalidade" e criticando o fechamento de escolas e comércios.
Bolsonaro chamou o coronavírus de "gripezinha ou resfriadinho", acusou a imprensa de causar "histeria" e criticou abertamente os governadores pelas medidas de isolamento - que até então vinham também sendo recomendadas pelo Ministério da Saúde.
Até agora mais de 2 mil pessoas foram oficialmente diagnosticadas com o vírus que causa a covid-19 e 47 mortes foram confirmadas.
A postura de Bolsonaro o colocou em enfrentamento diretos com os líderes estaduais, que criticaram a atitude do presidente abertamente. A questão também foi parar na Justiça, com o Supremo Tribunal Federal (STF) decidindo que os governadores têm autonomia para promover o isolamento social nos Estados.
Críticas dos governadores
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o presidente bateram boca em uma reunião virtual para discutir da crise na manhã da quarta-feira de manhã.
Doria cobrou equilíbrio de Bolsonaro e criticou o pronunciamento do presidente na TV, dizendo que o Estado não vai aceitar confisco de equipamentos de saúde pelo governo federal.
Bolsonaro por sua vez disse que Doria "apoderou-se do nome (dele) para se eleger" e o chamou de demagogo.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), um dos principais aliados do presidente, rompeu com Bolsonaro e o criticou em uma entrevista coletiva em Goiânia também na quarta.
"Dizer que isso é um resfriadinho, uma gripezinha?", questionou Caiado. "Ninguém colocou melhor que Obama: na política e na vida, a ignorância não é uma virtude", disse o governador, citando o ex-presidente americano Barack Obama.
"Fui aliado (de Bolsonaro) de primeira hora, durante todo o tempo. Mas não posso admitir que venha agora um presidente lavar as mãos e responsabilizar outras pessoas por um colapso. Não faz parte da postura de governante."
Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo, criticou Bolsonaro em uma entrevista a uma emissora local dizendo que a fala do presidente significa que os país está "sem liderança e sem direção".
"Anteontem parecia que o governo tinha tomado medidas, que o presidente reconhecia a gravidade da crise. Mas parece que ele só reconhece politicamente", disse.
O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), afirmou que manterá a determinação de fechar escolas, estradas e transporte fluvial, bares, restaurantes e casas de show, e afirmou que a divergência de orientações entre presidente e Ministério da Saúde não contribui para o combate ao coronavírus.
Barbalho disse temer que parte da população, estimulada pelo presidente, minimize as consequências de não aderir ao isolamento social. "Agora vamos medir qual o nível de repercussão, se isso será restrito a segmentos muito isolados."
No entanto, já há políticos no nível municipal seguindo a postura de Bolsonaro. Na cidade do Rio de Janeiro, o prefeito Marcelo Crivella disse nas redes sociais que pretende ordenar a reabertura gradual do comércio da cidade.
Na tarde desta quarta os governadores dos 26 Estados brasileiros e do Distrito Federal devem fazer uma reunião virtual para discutir a crise e pretendem elaborar uma nota conjunta contra a posição do presidente, segundo informação do governador do Acre, Gladson Cameli (PP), ao site Congresso em Foco.
Em entrevista coletiva, Doria confirmou que o encontro por videoconferência foi marcado.
Briga na Justiça
A questão também foi parar na Justiça. O ministro do STF Marco Aurélio de Mello determinou que governadores e prefeitos têm autonomia para determinar restrições à movimentação de pessoas em seus Estados e cidades.
A decisão liminar (provisória) foi feita após o PDT questionar a Medida Provisória do presidente do dia 20 de março que determinava que somente as agências reguladoras federais poderiam tomar esse tipo de decisão restritiva.
A AGU (Advocacia Geral da União), que representa os interesses do governo federal, recorreu imediatamente argumentando que deixar essa decisão para os governadores pode "atrapalhar a garantia da coesão social, do abastecimento de insumos básicos e do fornecimento de prestações essenciais à população".
A MP de Bolsonaro tinha sido vista como uma resposta aos governadores Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, que criaram restrições nos Estados para aplicar o isolamento social.
Em sua decisão, Marco Aurélio diz que dar a competência para os governadores tomarem as medidas não impede que o governo federal também o faça.
"Há de ter-se a visão voltada ao coletivo, ou seja, à saúde pública, mostrando-se interessados todos os cidadãos", escreveu o ministro.
Enquanto o STF não tomar uma decisão definitiva sobre o assunto, vale a liminar de Marco Aurélio autorizando os Estados a tomarem essas medidas.
O Estado do Rio de Janeiro já fechou as fronteiras e São Paulo já tem quarentena decretada. A maioria dos Estados já está tomando medidas de restrição à locomoção para conter a pandemia.
Todas elas continuam valendo até que o STF decida sobre o recurso da AGU.
* Colaborou Lígia Guimarães, da BBC News Brasil em São Paulo
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